A Importância da Documentação dos Atos Processuais: Além do Registro Histórico
O processo penal brasileiro é regido por garantias constitucionais que visam assegurar um julgamento justo. Dentre elas, a documentação fiel dos atos processuais não serve apenas para o registro histórico, mas constitui a base material sobre a qual se debruçam as teses defensivas e acusatórias em sede recursal. Quando tratamos da audiência de instrução e julgamento, estamos falando do coração do processo penal: o momento em que a prova é produzida sob o crivo do contraditório.
Com a evolução tecnológica e a alteração do artigo 405, §1º, do Código de Processo Penal, o judiciário migrou das transcrições datilografadas para o registro audiovisual. O objetivo era a fidelidade: captar a hesitação, o tom de voz e a linguagem corporal. No entanto, essa dependência tecnológica trouxe um novo desafio jurídico: o “vácuo probatório” gerado pela falha na captação ou desaparecimento das mídias.
Para o advogado criminalista, compreender que a ausência desses registros não é uma mera irregularidade formal, mas um vício que atinge a substância do devido processo legal, é vital. Sem a possibilidade de ouvir novamente o que foi dito, torna-se inviável para as instâncias superiores reavaliarem a prova. Contudo, a batalha nos tribunais é árdua, pois a jurisprudência tende a tentar “salvar” o processo. O profissional deve estar preparado para enfrentar essa realidade, algo amplamente debatido na Pós em Advocacia Criminal 2024, que foca na prática combativa.
A Armadilha do Pas de Nullité Sans Grief: A Necessidade de Demonstrar o Prejuízo Concreto
No Direito Processual Penal, vigora o princípio pas de nullité sans grief (art. 563 do CPP). Embora a doutrina defenda que a ausência total de registro da prova oral gera nulidade absoluta e prejuízo presumido, a realidade dos Tribunais Superiores (STJ e STF) é mais rigorosa. Existe uma forte tendência de “jurisprudência defensiva”, que busca manter a condenação se a defesa não demonstrar, de forma cabal, o prejuízo sofrido.
O advogado não pode se limitar a alegar a nulidade de forma genérica. É necessário ir além e apontar o prejuízo concreto. O defensor deve demonstrar que:
- A tese defensiva dependia de uma contradição específica dita pela testemunha, que agora se perdeu;
- Houve indução nas perguntas da acusação ou do juízo, perceptível apenas pelo áudio;
- A entonação ou a insegurança da vítima eram fundamentais para a avaliação da credibilidade do depoimento.
Se a defesa não conseguir vincular a perda da mídia a um ponto crucial da tese de mérito, corre-se o risco de o Tribunal aplicar o princípio do prejuízo não demonstrado e manter a sentença com base em “outros elementos de prova”, como inquéritos policiais ou confissões extrajudiciais, o que é um risco imenso.
Cadeia de Custódia e a Integridade da Prova Digital
A discussão sobre a perda de mídias ganhou novos contornos com o Pacote Anticrime e a positivação da Cadeia de Custódia (art. 158-A e seguintes do CPP). A gravação da audiência é uma prova digital e, como tal, deve ter sua integridade preservada pelo Estado.
Quando o Estado-Juiz perde o arquivo, há uma quebra inequívoca da cadeia de custódia. O advogado de defesa deve explorar esse argumento: a perda do material impede a auditabilidade da prova e o exercício do contraditório em sede recursal.
Além disso, diante de arquivos “corrompidos”, não basta aceitar a certidão cartorária. A defesa técnica deve requerer, quando pertinente, uma perícia digital. Muitas vezes, o arquivo pode ser recuperado ou, ao menos, pode-se comprovar se houve falha humana, técnica ou manipulação, reforçando o argumento de nulidade.
O Perigo da Preclusão e a Identidade Física do Juiz
Um erro comum é acreditar que, por ser matéria de ordem pública, a nulidade pode ser arguida a qualquer momento sem consequências. Na prática forense, a “imediatez” é crucial. A defesa deve conferir a integridade dos áudios e vídeos imediatamente após a audiência ou sua disponibilização no sistema.
Deixar para arguir a falha apenas na apelação pode levar o Tribunal a reconhecer a preclusão consumativa ou a “convalidação tática”, sob o argumento de que a defesa silenciou no momento oportuno. A vigilância ativa demonstra boa-fé processual e “malícia” técnica, evitando que o cliente seja prejudicado pela morosidade na detecção do erro.
Outro ponto de destaque é a violação ao princípio da identidade física do juiz. O cenário torna-se ainda mais grave quando o juiz que profere a sentença não é o mesmo que presidiu a instrução (por férias, licença ou promoção). Se o juiz sentenciante não esteve na audiência e não há gravação, ele está julgando “às cegas”, baseando-se apenas em resumos escritos ou na memória de terceiros. Isso transforma o magistrado em um homologador de impressões alheias, ferindo de morte o sistema acusatório.
Conclusão: O Dever de Vigilância da Defesa
A anulação do processo por ausência de mídia não é automática na prática dos tribunais. Ela exige do advogado uma atuação estratégica, que combine a fundamentação constitucional com a demonstração fática do prejuízo. A tecnologia veio para auxiliar, mas quando ela falha, o ônus não pode recair sobre a liberdade do acusado.
A segurança jurídica depende da previsibilidade e da observância das formas. O registro audiovisual é um direito das partes e um dever de custódia do Estado. Enfrentar a “jurisprudência defensiva” exige preparo técnico superior para demonstrar que um processo sem registro é um processo sem justiça.
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Insights sobre o tema
- Prejuízo Concreto é a Chave: Não confie apenas na teoria da nulidade absoluta. Vincule a perda do áudio a uma tese defensiva específica que deixou de ser provada.
- Cadeia de Custódia Digital: Utilize os artigos 158-A e seguintes do CPP para fundamentar que a perda da mídia rompe a fiabilidade da prova.
- O Juiz “Cego”: Explore a nulidade com mais força nos casos em que o juiz que sentenciou é diferente do que presidiu a audiência (sucessor/substituto).
- Vigilância Imediata: Cheque as mídias logo após o ato. A demora na arguição pode gerar a tese de preclusão por parte dos tribunais.
- Resumos não Bastam: Combata veementemente a validade de sentenças baseadas em “resumos escritos” ou depoimentos policiais, exigindo a prova judicializada integral.
Perguntas e Respostas
1. A nulidade por ausência de mídia é reconhecida automaticamente pelos tribunais?
Não. Apesar de ser uma nulidade grave, o STJ e os Tribunais de Justiça costumam exigir a demonstração de prejuízo concreto (art. 563 CPP), evitando anulações se considerarem que há outras provas nos autos.
2. O que fazer se o arquivo de áudio estiver corrompido?
A defesa deve requerer imediatamente uma perícia técnica para verificar a possibilidade de recuperação e certificar a origem da falha. Simultaneamente, deve-se peticionar requerendo a repetição do ato, sob pena de cerceamento de defesa.
3. Qual o momento ideal para arguir essa falha?
O ideal é arguir na primeira oportunidade possível após a audiência. Deixar para as Alegações Finais ou Apelação cria o risco de o Tribunal alegar preclusão, argumentando que a defesa deveria ter verificado o sistema antes.
4. O juiz pode sentenciar baseando-se em suas anotações pessoais se a gravação falhar?
Tecnicamente não, pois isso impede o duplo grau de jurisdição (o Tribunal não tem acesso às anotações mentais do juiz). Contudo, na prática, a defesa deve combater isso demonstrando que a sentença carece de lastro probatório verificável.
5. A realização de nova audiência gera prescrição?
A anulação dos atos processuais invalida os marcos interruptivos da prescrição (como a sentença condenatória anulada). Isso pode, sim, levar à prescrição da pretensão punitiva, o que beneficia o réu.
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Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-06/ausencia-de-midias-da-audiencia-de-instrucao-anula-processo-penal/.