O Constitucionalismo como Mecanismo de Pré-compromisso e os Desafios da Hermenêutica Jurídica
A relação entre o desejo de poder e a necessidade de controle é o ponto central de toda a teoria do Estado moderno. A metáfora de Ulisses atando-se ao mastro para resistir ao canto das sereias é clássica, mas a realidade prática é muito mais árida. Quando analisamos a estrutura jurídica de uma nação, percebemos que a Constituição não é apenas um ato de “lucidez e sobriedade” intocável, mas um pacto de compromisso tenso, repleto de normas programáticas e contradições inseridas por disputas de poder.
Para o advogado que atua no contencioso estratégico, compreender essa dinâmica vai além da teoria do pré-compromisso. Envolve entender que a Constituição Federal de 1988, embora sirva de mastro, possui amarras que vêm sendo testadas e afrouxadas constantemente. A atuação nos tribunais superiores exige um domínio profundo não apenas do texto, mas de como os princípios constitucionais são mobilizados — e por vezes manipulados — para justificar decisões que, sob o manto da legalidade, podem violar a própria integridade do direito.
A Ilusão da Rigidez Constitucional e a Mutação Informal
O constitucionalismo contemporâneo baseia-se na premissa de limitar a vontade da maioria para evitar a tirania. Teoricamente, isso se dá pela rigidez constitucional e pelo árduo processo do artigo 60. Contudo, o jurista atento sabe que, no Brasil, essa rigidez convive com uma plasticidade impressionante. Com mais de 130 Emendas Constitucionais em pouco mais de três décadas, o “filtro temporal” falhou em conter o ímpeto reformista político.
Mais grave ainda para a prática advocatícia é o fenômeno da mutação constitucional. O advogado de alto nível não pode confiar apenas na letra da lei ou na rigidez formal; ele precisa dominar a hermenêutica que permite ao Supremo Tribunal Federal alterar o sentido da norma sem alterar seu texto. O desafio profissional não é apenas questionar a validade formal de uma emenda, mas identificar quando uma interpretação judicial rompe com os limites semânticos do texto, operando uma reforma constitucional silenciosa e sem o devido processo legislativo.
Aprofundar-se em Direito Constitucional permite ao advogado identificar essas mutações e construir teses que defendam a segurança jurídica contra a volatilidade interpretativa.
As Cláusulas Pétreas: Entre a Garantia e a Retórica
As cláusulas pétreas (art. 60, § 4º) representam o núcleo duro da nossa identidade constitucional: forma federativa, voto, separação dos Poderes e direitos individuais. Elas são o limite máximo ao poder de reforma. No entanto, a interpretação do que constitui uma violação “tendente a abolir” esses direitos é um campo de batalha hermenêutico.
A jurisprudência oscilante do STF demonstra que o conceito de cláusula pétrea pode ser expandido ou restringido conforme a necessidade política ou econômica do momento. Para o jurista, isso exige uma capacidade argumentativa refinada. Não basta alegar a violação; é preciso demonstrar, com rigor dogmático, como uma alteração na previdência ou no processo penal atinge o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana, sem cair em generalismos que enfraquecem a tese. A defesa técnica de excelência deve saber distinguir o que é princípio fundante do que é corporativismo constitucionalizado.
Hermenêutica Jurídica: O Combate ao Decisionismo e ao Solipsismo Judicial
Se a Constituição é o limite, o grande perigo atual reside em quem define o alcance desse limite. Aqui entramos no combate ao decisionismo e ao solipsismo judicial — a prática onde o julgador decide com base em suas convicções pessoais e busca na lei apenas um pretexto retórico para fundamentar uma conclusão pré-estabelecida.
Muitos manuais sugerem uma mistura acrítica entre as teorias de Robert Alexy (ponderação de princípios) e Ronald Dworkin (integridade do direito). O advogado de ponta sabe que essa mistura é perigosa. Enquanto Dworkin busca a “única resposta correta” (one right answer) baseada na coerência histórica do direito para evitar a discricionariedade, a “ponderação” de Alexy, quando mal aplicada no Brasil, tem servido de salvo-conduto para o ativismo judicial desenfreado e para o “pan-principialismo” (onde tudo vira princípio para justificar qualquer decisão).
Para combater o decisionismo, é fundamental que o advogado saiba realizar o constrangimento epistemológico da decisão judicial. Isso significa dominar as técnicas hermenêuticas para blindar a tese de tal forma que o juiz não possa fugir da legalidade estrita usando malabarismos principiológicos. É preciso exigir que a “ponderação” não seja um cheque em branco, mas um processo racional e controlável.
O Estado Democrático e a Luta contra a Discricionariedade
A segurança jurídica não é apenas um pilar para o desenvolvimento econômico; é a garantia de que o cidadão não será surpreendido pelo arbítrio estatal travestido de justiça social. Investidores e cidadãos precisam de previsibilidade. Onde impera o “sentimento de justiça” subjetivo do juiz, morre a liberdade.
O advogado desempenha um papel crucial na manutenção dessa segurança ao não aceitar passivamente decisões mal fundamentadas. A luta pela segurança jurídica passa pelo respeito aos precedentes e pela exigência de uma fundamentação analítica rigorosa, conforme prevê o Código de Processo Civil. Entender a fundo a teoria geral do Estado e as distinções entre regras e princípios não é “perfumaria” acadêmica; é a ferramenta prática que diferencia o advogado mediano daquele capaz de reverter decisões arbitrárias em tribunais superiores.
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Insights sobre o tema
- A Constituição não é um monólito de racionalidade; é um pacto tenso que exige do advogado habilidade para navegar entre normas técnicas e compromissos políticos.
- A rigidez constitucional brasileira é mitigada pela “mutação constitucional”, exigindo atenção redobrada à jurisprudência do STF.
- O maior desafio da advocacia atual é o “solipsismo judicial”: quando o juiz decide primeiro e fundamenta depois.
- É erro teórico e prático misturar Alexy e Dworkin sem critério; a má aplicação da ponderação é o combustível do ativismo que se pretende combater.
- A verdadeira segurança jurídica depende de advogados que saibam impor constrangimentos epistemológicos às decisões judiciais, exigindo integridade e coerência.
Perguntas e Respostas
Qual é o risco de confundir as teorias de Alexy e Dworkin na prática forense?
O risco é validar o ativismo judicial. Dworkin defende a integridade e a resposta correta baseada no sistema jurídico, enquanto a ponderação de Alexy, se usada sem rigor (como ocorre frequentemente no Brasil), pode permitir que o juiz escolha subjetivamente qual princípio deve prevalecer, gerando insegurança jurídica.
O que é mutação constitucional e como ela afeta a advocacia?
É a alteração do sentido da norma constitucional pela interpretação judicial, sem modificação do texto escrito. Afeta a advocacia pois exige que o profissional não confie apenas na letra da lei, mas acompanhe a evolução interpretativa do STF para não ser surpreendido por uma “nova Constituição” não escrita.
Como o advogado pode combater o decisionismo judicial na prática?
Através de uma argumentação que exija coerência e integridade do direito (accountability), demonstrando que a decisão judicial não pode romper com a história institucional da norma e exigindo a fundamentação exaustiva prevista no art. 489 do CPC.
As cláusulas pétreas são absolutas?
Embora protejam o núcleo essencial, a extensão desse núcleo é disputada. O advogado deve saber argumentar tecnicamente sobre o “núcleo essencial” do direito fundamental para provar que uma emenda, mesmo sem abolir o direito integralmente, o esvaziou a ponto de violar a cláusula pétrea.
Por que a “ponderação de princípios” pode ser perigosa para a segurança jurídica?
Porque, sem critérios racionais estritos, a ponderação pode transformar-se em pura discricionariedade, onde o peso de cada princípio é atribuído conforme a preferência pessoal do julgador, tornando o direito imprevisível e sujeito a “sentenças de cádi”.
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Acesse a lei relacionada em Art. 60 da Constituição Federal
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-06/cronicas-da-lei-e-do-mito-a-odisseia-e-o-canto-das-sereias/.