A instrução probatória no processo penal brasileiro é o coração da persecução criminal e da defesa técnica. Contudo, entre o que a lei prescreve e o que os Tribunais Superiores decidem, existe um abismo que o advogado precisa atravessar.
Dentro desse sistema, a prova técnica assume um papel de protagonismo indiscutível. Especialmente nos crimes que deixam vestígios (*delicta facti permanentis*), a materialidade é uma imposição legal.
Mas atenção: a análise rigorosa dos laudos periciais é uma competência que separa advogados teóricos de estrategistas de excelência. O erro na confecção de um laudo, ou a sua imprestabilidade, gera reflexos imediatos na fase do *judicium accusationis* no Tribunal do Júri.
Porém, não basta alegar o erro. É preciso saber como a jurisprudência defensiva reage a ele.
A Indispensabilidade do Exame e a Válvula de Escape do Judiciário
O Código de Processo Penal (CPP) é taxativo em seu artigo 158: quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito.
A teoria é linda: sem laudo, não há materialidade. A prática é mais dura.
Muitos magistrados, buscando evitar a impunidade por falhas estatais, utilizam a “válvula de escape” do Artigo 167 do CPP, permitindo que a prova testemunhal supra a falta do exame pericial.
O advogado de defesa deve estar atento: essa substituição só é válida se os vestígios tiverem desaparecido pelo tempo. Se o vestígio existia e a perícia foi negligenciada ou anulada por erro grosseiro, a substituição por testemunhas é uma ofensa à **Teoria da Perda de uma Chance Probatória**.
Combater a materialidade exige demonstrar que a falha estatal retirou do acusado a possibilidade de provar sua inocência através da ciência.
A Decisão de Pronúncia: Onde o “In Dubio Pro Societate” Não Deve Entrar
A fase de pronúncia encerra a primeira etapa do procedimento do júri. O artigo 413 do CPP estabelece um divisor de águas que muitos ignoram.
O juiz deve estar **convencido da materialidade** do fato, embora lhe bastem “indícios suficientes” de autoria.
Note a diferença abissal no standard probatório:
- Autoria: Admite-se dúvida (indícios).
- Materialidade: Exige-se certeza (convencimento).
Aqui reside o ouro da defesa. Não se aplica o brocardo (sem base legal) do *in dubio pro societate* para a existência do crime. Se o laudo é nulo, falho ou inconclusivo, o juiz não está convencido da materialidade. Sem essa certeza técnica, não subsiste a justa causa para a pronúncia.
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Cadeia de Custódia: O Choque de Realidade com o STJ
O Pacote Anticrime (Lei 13.964/19) elevou o status da cadeia de custódia (Arts. 158-A a 158-F). Na teoria, a quebra da cadeia anula a prova.
Na “trincheira prática”, entretanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem relativizado essa nulidade. A jurisprudência atual tende a considerar a quebra da cadeia de custódia como uma nulidade relativa.
O que isso significa para o advogado?
Significa que **não basta alegar a quebra formal**. O advogado precisa ir além e demonstrar a **perda da confiabilidade epistêmica** da prova.
- O lacre rompido permitiu adulteração?
- A demora no registro contaminou a amostra?
- É impossível rastrear se a droga apreendida é a mesma periciada?
O ônus de provar a adulteração ou a incerteza científica foi invertido, na prática, para a defesa. O advogado deve atuar como um auditor, demonstrando que a falha processual gerou um laudo que é uma “falsa verdade”.
Nulidade e Prejuízo: O Princípio do *Pas de Nullité Sans Grief*
A batalha sobre a nulidade do laudo pericial esbarra frequentemente no princípio de que “não há nulidade sem prejuízo”.
Muitos juízes argumentam que, se a defesa pôde falar sobre o laudo (contraditório), o vício está sanado. Essa visão é perigosa.
O advogado deve demonstrar o prejuízo concreto através de um exercício de **supressão mental**: se retirarmos este laudo viciado dos autos, a acusação se sustenta?
Se a resposta for “não”, o prejuízo é evidente. Ser submetido a julgamento popular com base em uma prova técnica imprestável é o prejuízo supremo.
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A Atuação Estratégica do Assistente Técnico
Nesse cenário hostil, o assistente técnico (Art. 159, § 3º, CPP) não é um luxo, é uma necessidade estratégica.
Ele não serve apenas para concordar ou discordar. Sua função é **criar a dúvida razoável técnica**.
Se o perito oficial diz “A” e o assistente técnico demonstra, com base científica, que pode ser “B”, cria-se um impasse. O juiz togado ou o jurado não possuem *expertise* para decidir qual ciência está correta. Na dúvida sobre a prova técnica, a decisão deve favorecer o réu.
O parecer do assistente técnico é a munição que o advogado usará para bombardear a certeza da materialidade na pronúncia.
Reflexos na Prisão Preventiva: Uma Aposta Alta
A anulação do laudo ataca a base da prisão preventiva (a prova da existência do crime, Art. 312 do CPP).
Contudo, é uma estratégia de “tudo ou nada”. Se o Tribunal reconhecer apenas uma irregularidade sanável, a prisão é mantida. Portanto, o pedido de relaxamento da prisão baseado na nulidade do laudo deve ser robusto, acompanhado de argumentos subsidiários para a liberdade (como excesso de prazo ou condições pessoais).
Conclusão
A anulação de uma ação penal na fase de pronúncia devido a um laudo pericial errado é possível, mas exige mais do que conhecimento da lei seca. Exige estratégia processual e conhecimento de ciência forense.
O Direito Penal não tolera presunções contra o réu, mas o Judiciário muitas vezes tolera falhas estatais em nome da segurança pública. Cabe ao advogado criminalista, munido de técnica apurada, impedir que isso ocorra.
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Insights Valiosos para a Prática
- Standard de Prova: Na pronúncia, lute pela distinção: dúvida na autoria envia ao júri, mas dúvida na materialidade exige impronúncia ou absolvição.
- Cadeia de Custódia: Não confie na nulidade automática. Foque em provar a quebra da confiabilidade e a impossibilidade de contraprova (cerceamento de defesa).
- Assistente Técnico: Use o parecer técnico para gerar “dúvida científica razoável”. Se os peritos divergem, não há certeza para condenar.
- Supressão Mental: Para provar prejuízo e afastar o pas de nullité sans grief, demonstre que sem o laudo a acusação não para em pé.
- Artigo 167 CPP: Esteja pronto para combater a substituição da perícia por testemunhas, alegando a perda de uma chance probatória.
Perguntas e Respostas
1. A quebra da cadeia de custódia gera nulidade automática do laudo?
Pela letra da lei, deveria. Pela jurisprudência atual do STJ, não. A tendência é tratar como nulidade relativa. A defesa precisa demonstrar que a quebra comprometeu a integridade da prova a ponto de torná-la inconfiável ou adulterada.
2. O que é o standard probatório de materialidade na pronúncia?
Diferente da autoria, que se satisfaz com indícios, a materialidade exige que o juiz esteja convencido da existência do crime (Art. 413, CPP). Se o laudo é duvidoso, não há convencimento, logo, não deve haver pronúncia.
3. A prova testemunhal pode substituir o laudo pericial anulado?
O Art. 167 do CPP permite isso apenas quando os vestígios desapareceram. Se o vestígio existia e o Estado errou na perícia, a defesa deve arguir que a prova testemunhal não supre a ausência técnica, pois isso seria premiar a ineficiência estatal em detrimento do réu.
4. Qual o momento ideal para arguir a nulidade do laudo?
Na primeira oportunidade (Alegações Finais da primeira fase do Júri ou Resposta à Acusação). Deixar para depois pode gerar preclusão se o tribunal entender que é nulidade relativa, embora nulidades absolutas possam ser arguidas a qualquer tempo.
5. O juiz fica vinculado à conclusão do perito oficial?
Não (Art. 182, CPP). Porém, para rejeitar o laudo, o juiz precisa de fundamentação técnica forte. É aqui que entra o parecer do assistente técnico: ele dá ao juiz os argumentos técnicos necessários para desconsiderar o laudo oficial incorreto.
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Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-05/tj-pr-anula-acao-penal-ate-pronuncia-por-laudo-pericial-errado/.