A eficácia da pena e a política criminal: Do ideal dogmático à realidade forense
O abismo entre a teoria do Art. 59 e a prática punitiva
A discussão sobre a finalidade da pena é um dos pilares centrais do Direito Penal, mas para o advogado que atua na “trincheira”, há um distanciamento brutal entre o que está nos livros e o que ocorre nas salas de audiência. Teoricamente, o Código Penal Brasileiro adota, no artigo 59, uma teoria mista ou unificadora: a pena deve servir para a reprovação (retribuição) e para a prevenção do crime.
Contudo, sob a ótica da Criminologia Crítica e do realismo jurídico, o sistema opera de forma esquizofrênica. Enquanto a dogmática promete ressocialização e prevenção, a prática revela um sistema voltado preponderantemente para a neutralização seletiva e a vingança institucionalizada. O Estado, incapaz de resolver conflitos sociais complexos, utiliza o Direito Penal não como ultima ratio, mas como ferramenta de gestão da pobreza e contenção de grupos específicos.
Para o profissional do Direito, compreender essa dicotomia é vital. Não basta dominar a teoria da pena; é preciso saber como manejar esses conceitos para combater a arbitrariedade estatal. O advogado de defesa não atua apenas em um processo jurídico, mas em um campo de batalha político-criminal onde a seletividade penal dita quem é o “cliente” preferencial do sistema carcerário.
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A falácia da prevenção e a ilusão da segurança
A doutrina clássica divide a prevenção em geral (focada na sociedade) e especial (focada no indivíduo). Entretanto, a eficácia desses institutos é severamente questionada pela realidade brasileira:
- Prevenção Geral e a Impunidade: Acredita-se que a ameaça da pena intimida (prevenção negativa). Porém, Beccaria já ensinava que é a certeza da punição, e não a sua severidade, que dissuade o crime. No Brasil, com taxas de elucidação de crimes graves baixíssimas, a “certeza da punição” é uma utopia estatística. O recrudescimento das leis penais serve, muitas vezes, apenas para mascarar a incompetência investigativa do Estado.
- Prevenção Especial e a Ressocialização: A Lei de Execução Penal (LEP) promete a reintegração. A realidade entrega depósitos humanos. O advogado deve encarar a execução penal sob a ótica da redução de danos. Apostar cegamente na função ressocializadora sem lutar contra as condições degradantes é ingenuidade.
O fenômeno do Direito Penal Simbólico agrava esse cenário. Legisladores, pressionados pela mídia, aprovam leis mais duras para dar uma resposta imediata à opinião pública. Mas o simbolismo não para na lei: ele contamina o processo. Vemos a flexibilização de garantias constitucionais, como o uso desmedido de prisões preventivas como antecipação de pena, criando um verdadeiro Direito Penal do Inimigo processual.
Dosimetria da pena: O combate ao subjetivismo judicial
A aplicação da pena é vendida como um processo técnico, o sistema trifásico de Nelson Hungria. Na prática, a primeira fase da dosimetria (circunstâncias judiciais do art. 59) é frequentemente um refúgio para o subjetivismo e o “achismo” moral.
Juízes valoram negativamente a “personalidade do agente” ou a “conduta social” sem qualquer laudo técnico-psicológico ou estudo psicossocial aprofundado. O advogado criminalista de alto nível não deve apenas pedir a pena mínima; ele deve impugnar a capacidade técnica do julgador de avaliar elementos subjetivos sem a devida perícia.
A defesa técnica deve estar atenta para:
- Afastar fundamentações genéricas: Argumentos que servem para qualquer caso não servem para nenhum.
- Combater o Bis in Idem: Impedir que elementos inerentes ao tipo penal sejam usados para aumentar a pena-base.
- Exigir provas para valoração subjetiva: Questionar como o magistrado aferiu a “personalidade desajustada” sem ser psicólogo ou psiquiatra.
A Execução Penal no “Estado de Coisas Inconstitucional”
O STF reconheceu o sistema prisional brasileiro como um “Estado de Coisas Inconstitucional” (ADPF 347). Isso significa que a Lei de Execução Penal é, em muitos aspectos, uma “lei sueca para presídios medievais”.
Nesse cenário, a advocacia na execução penal não se resume a pedir progressão de regime ou livramento condicional. É uma advocacia de Garantia e Habeas Corpus. O defensor deve estar pronto para litigar contra a administração penitenciária e impetrar remédios constitucionais quando o Estado alega “falta de vagas” no regime semiaberto ou aberto. A Súmula Vinculante 56 deve ser a espada do advogado, garantindo que a ineficiência do Estado não recaia sobre a liberdade do indivíduo.
A substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (art. 44 do CP) e o estudo aprofundado sobre Penas Restritivas de Direitos e Pena de Multa são ferramentas essenciais para evitar que o cliente seja tragado pelo sistema carcerário superlotado.
Conclusão: Do “Dever-Ser” ao “Ser”
O debate sobre a impunidade e a eficácia da pena não se resolve com populismo penal. Para o advogado, o desafio é transitar entre o “Dever-Ser” (a dogmática, a lei escrita, os princípios) e o “Ser” (a realidade dura das delegacias e presídios).
A atuação jurídica combativa exige o domínio da técnica para desconstruir as arbitrariedades travestidas de justiça. É necessário preencher as lacunas da lei com a realidade crua do sistema, forçando o Judiciário a encarar as contradições da política criminal que aplica.
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Perguntas e Respostas Práticas
Pergunta 1: Como a teoria da pena influencia a defesa no dia a dia?
Resposta: Embora a teoria seja mista (retribuição e prevenção), na prática, a defesa deve focar em desconstruir a “prevenção” como justificativa para excessos. O advogado deve demonstrar que a severidade desproporcional não cumpre função social, servindo apenas como vingança estatal, o que é vedado pela Constituição.
Pergunta 2: O que é a seletividade penal e como ela afeta meu cliente?
Resposta: A seletividade é a tendência do sistema de focar sua repressão em determinados grupos sociais e tipos de crimes (geralmente patrimoniais ou tráfico varejista), enquanto ignora outros. Reconhecer isso ajuda a identificar quando seu cliente está sendo vítima de um “Direito Penal do Autor” (punido por quem é) e não pelo que fez.
Pergunta 3: Como combater a valoração negativa da personalidade na dosimetria?
Resposta: A estratégia mais eficaz é alegar a nulidade da valoração por falta de fundamentação técnica. O juiz de direito não possui habilitação em psicologia ou psiquiatria para traçar perfil de personalidade sem um laudo pericial correspondente.
Pergunta 4: O que fazer quando não há vagas no regime semiaberto?
Resposta: Deve-se invocar a Súmula Vinculante 56 do STF. A falta de vagas não pode prejudicar o apenado. A defesa deve exigir o cumprimento em regime mais benéfico (aberto ou domiciliar com monitoramento) até que surja a vaga adequada, jamais permitindo a manutenção em regime fechado por falha do Estado.
Pergunta 5: A severidade da pena reduz a criminalidade no Brasil?
Resposta: Não há dados empíricos que sustentem isso no Brasil. Pelo contrário, o encarceramento em massa em condições degradantes fortalece facções criminosas e aumenta a reincidência. A defesa deve usar argumentos de política criminal para demonstrar que a pena justa e racional é mais eficaz para a sociedade do que a pena excessiva.
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Acesse a lei relacionada em Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84)
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-05/afrouxar-penas-nao-reduz-criminalidade-afirma-messod-azulay-do-stj/.