A Crise da Infraestrutura Carcerária e a Lei de Execução Penal: Do Idealismo à Litigância Estratégica
O sistema prisional brasileiro não é apenas um desafio de gestão; é um cenário de violação sistemática de direitos que testa os limites do Direito Penal e Constitucional. Para o advogado criminalista, tratar a infraestrutura carcerária apenas sob a ótica da “falha administrativa” é um erro estratégico. A realidade fática dos presídios — marcada pela superlotação, insalubridade e domínio de facções — transforma a pena privativa de liberdade em uma pena corporal e degradante, não prevista na sentença e vedada pela Constituição.
No entanto, transpor a teoria da Lei de Execução Penal (LEP) para a prática forense exige mais do que citar artigos de lei; exige uma atuação de “trincheira”, ciente das resistências jurisprudenciais e das armadilhas do sistema. Este artigo analisa como transformar a precariedade estrutural em teses defensivas robustas, superando o abismo entre o texto legal e o “Estado de Coisas Inconstitucional”.
A LEP e a Realidade: O “Unicórnio” do Artigo 88
A Lei nº 7.210/1984 (LEP) traz, em seu artigo 88, a previsão de celas individuais com área mínima de 6,00 m², salubres e arejadas. Na prática, para 99% da massa carcerária, esse dispositivo é letra morta. O advogado que fundamenta seus pedidos exclusivamente na metragem da cela corre o risco de ter seus pleitos indeferidos sob a justificativa da “Reserva do Possível”.
A advocacia de alta performance deve ir além. A estratégia não é alegar apenas que a cela é pequena, mas demonstrar o cúmulo de violações que configuram tratamento desumano. A falta de espaço deve ser somada à:
- Ausência de ventilação cruzada, propiciando a disseminação de tuberculose e sarna;
- Inexistência de separação entre presos provisórios e condenados (violação do art. 84 da LEP);
- Falta de saneamento básico dentro do cárcere.
O objetivo é provar que a omissão estatal na infraestrutura gera uma ilegalidade continuada na execução, transformando a prisão em um risco de vida iminente, o que abre portas para medidas cautelares e pedidos de prisão domiciliar humanitária.
O Estado de Coisas Inconstitucional: Da Retórica à Prática
O Supremo Tribunal Federal, na ADPF 347, reconheceu o “Estado de Coisas Inconstitucional” no sistema penitenciário. Contudo, essa declaração não opera efeitos automáticos no processo individual do seu cliente. O desafio do jurista é aplicar essa macrodeclaração ao caso concreto.
Não basta citar a ADPF 347. É necessário demonstrar que a manutenção daquele indivíduo específico, naquela unidade específica, viola a proibição de excesso na execução penal. A tese deve ser construída no sentido de que o Estado perdeu a legitimidade de custodiar aquele apenado nos moldes atuais, exigindo do Judiciário uma postura garantista para evitar a perpetuação da tortura institucionalizada.
Responsabilidade Civil e a “Moeda” da Liberdade
O Tema 365 de Repercussão Geral do STF fixou que o Estado é civilmente responsável pelos danos morais causados aos detentos em condições degradantes. Embora tecnicamente correta, a busca por indenização pecuniária esbarra na realidade dos precatórios, que podem levar décadas para serem pagos. No cárcere, a moeda mais valiosa não é o dinheiro, é o tempo.
Por isso, a discussão jurídica mais avançada gira em torno da Remição Ficta da Pena (ou contagem em dobro). Baseada em resoluções da Corte Interamericana de Direitos Humanos (caso do Complexo do Curado) e em precedentes ainda restritos do STJ, essa tese busca compensar o tempo de pena cumprido em condições desumanas com a redução do encarceramento.
Atenção, porém, ao pragmatismo: os tribunais ainda resistem em expandir essa tese para todas as unidades prisionais. O advogado deve estar preparado para realizar o Controle de Convencionalidade, utilizando tratados internacionais como normas supralegais para confrontar a jurisprudência interna restritiva.
A Fiscalização Defensiva e a Produção de Provas
O papel do advogado na fiscalização é vital, mas perigoso. Atuar como “auditor” das condições carcerárias exige inteligência política. Denúncias diretas e mal planejadas podem resultar em retaliações veladas ao cliente, como transferências injustificadas ou isolamentos.
A produção de prova da precariedade da infraestrutura deve ser estratégica. Como a entrada de câmeras é vedada, o profissional deve se valer de provas emprestadas e documentos oficiais:
- Relatórios de inspeção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ);
- Laudos da Vigilância Sanitária local;
- Relatórios do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura;
- Registros de óbitos e surtos de doenças na unidade.
Esses documentos possuem fé pública e corroboram a alegação de que a unidade não possui condições mínimas de abrigar seres humanos, fortalecendo pedidos de Habeas Corpus coletivos ou individuais.
Súmula Vinculante 56 e o “Limbo” Jurídico
A falta de infraestrutura atinge também o cumprimento da progressão de regime. A Súmula Vinculante 56 do STF determina que a falta de vagas em estabelecimento adequado não autoriza a manutenção do preso em regime mais gravoso. Contudo, cria-se frequentemente um “limbo”: o Estado não tem vaga no semiaberto, mas também não fornece tornozeleiras eletrônicas para a harmonização do regime.
Nesse cenário, o advogado deve ser incisivo: a falha administrativa (falta de tornozeleira ou colônia penal) não pode prejudicar o apenado. O Direito Penal não admite que o cidadão pague pela ineficiência do Estado. A tese deve focar na imediata liberação ou prisão domiciliar sem monitoramento, caso o Estado não forneça os meios de controle, sob pena de constrangimento ilegal.
O Futuro da Advocacia na Execução Penal
A crise da infraestrutura carcerária não será resolvida a curto prazo. Isso significa que o contencioso envolvendo a dignidade da pessoa humana no cárcere continuará crescendo. A advocacia criminal moderna exige uma visão que integre Direito Penal, Administrativo e Internacional. É preciso saber manusear conceitos de Improbidade Administrativa dos gestores prisionais e dominar o sistema interamericano de Direitos Humanos.
Para atuar nesse nível de complexidade, a formação continuada é indispensável. O advogado precisa de ferramentas técnicas para transformar a indignação em liberdade.
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Insights para a Prática
A infraestrutura precária é um fato notório, mas a prova judicial dessa precariedade é técnica. O advogado não deve esperar que o juiz reconheça de ofício as más condições. É dever da defesa documentar, via relatórios oficiais e pedidos de informações, a falha estatal. A aplicação da teoria do “Estado de Coisas Inconstitucional” e a busca pela contagem em dobro da pena são as fronteiras atuais da advocacia combativa, exigindo coragem para desafiar a jurisprudência defensiva dos tribunais superiores.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-04/plano-pena-justa-atua-por-melhor-infraestrutura-do-sistema-carcerario/.