O Crime de Tortura no Direito Penal Brasileiro: Conceito, Tipificação e Implicações Práticas
A tortura, como crime e problema social, desafia há décadas o Sistema de Justiça. Reconhecida pela gravidade e reprovabilidade, sua repressão exige dos operadores jurídicos domínio apurado do tema. Este artigo examina a fundo os aspectos legais do crime de tortura, suas formas típicas e as nuances de sua aplicação, essenciais para profissionais que atuam tanto na acusação quanto na defesa.
Fundamentos Legais: A Lei de Tortura e o Artigo 1º da Lei nº 9.455/1997
O núcleo do tratamento jurídico da tortura no Brasil está na Lei nº 9.455/1997, que define os crimes de tortura e estabelece penas específicas. O artigo 1º dispõe sobre as diversas modalidades, abrangendo uma série de condutas que envolvem constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, causando sofrimento físico ou mental.
O texto legal assim tipifica:
“I – com o emprego de violência ou grave ameaça, com finalidade de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; submeter pessoa, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.”
A abrangência do dispositivo permite que a conduta seja perpetrada por particulares ou agentes estatais — com agravamento de pena neste último caso. O legislador, atento à proteção integral da dignidade humana, buscou contemplar distintas formas do dolo do agente: seja para obter confissão, como castigo pessoal, por discriminação ou pretexto de prevenção.
Elemento Subjetivo do Tipo: Finalidade Específica
Diferente de delitos dolosos genéricos do Código Penal, a tortura exige finalidade especial. Não basta a ocorrência de sofrimento físico ou mental provocado por violência: é imprescindível constatar que tal conduta visou obter informação/confissão, aplicar castigo, realizar discriminação, dentre outras finalidades previstas. Por isso, a análise do dolo específico é etapa inafastável na subsunção do fato à norma.
O Sujeito Ativo: Qualquer Pessoa pode Cometer o Crime de Tortura?
A doutrina dominante reconhece a chamada “tortura própria” (finalidade probatória ou punitiva) como crime comum: pode ser praticado por qualquer pessoa (inclusive particulares). Já a “tortura imprópria” (ocorrida em contexto de relação de guarda, poder ou autoridade, como lares, instituições de ensino etc.) demanda relação especial entre autor e vítima. A posição de poder ou autoridade constitui elemento objetivo do tipo.
O profissional do Direito precisa analisar o vínculo da vítima com o autor do fato. A condição de guardião, tutor, responsável legal ou assemelhado, atrai a incidência da Lei de Tortura quando demonstrado sofrimento intenso e propósito de castigo.
O Sujeito Passivo: Titular da Dignidade Protegida
Qualquer pessoa pode ser vítima do crime de tortura. A Lei, entretanto, impõe especial rigor se o crime recai sobre crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência ou sob cuidado do agente por dever legal. Nestes casos, além de pena agravada, há possibilidade de perda da guarda, tutela ou curatela, e a suspensão dos direitos políticos do autor.
Tortura e Lesão Corporal: Distinções Cruciais para a Prática Penal
A distinção entre tortura e lesão corporal, ainda alvo de equívocos práticos, exige atenção. Enquanto o crime de lesão corporal tutela a integridade física ou psíquica diante de resultados naturalísticos de agressão, a tortura é crime formal e de dolo específico, não exigindo resultado concreto de dano. O sofrimento imposto prepondera sobre a ocorrência de lesão objetiva.
A jurisprudência, de modo uniforme, orienta: lesão corporal se caracteriza pelo dolo de atingir a saúde física/mental. Tortura, por sua vez, exige intenção de obter confissão/informação, castigar, discriminar ou outra finalidade expressa. Assim, são tipos autônomos, sendo possível concurso material caso haja lesão grave decorrente da tortura (art. 1º, §3º, Lei 9.455/97).
Modalidades e Formas Qualificadas
Além das modalidades já citadas, a Lei de Tortura abrange:
– Tortura-discriminação: constranger alguém por motivação racial, religiosa, étnica ou orientação sexual (art. 1º, §2º).
– Tortura-omissão: incide sobre aquele que, com possibilidade de agir para evitar o crime, se omite dolosamente.
A pena é agravada se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou morte (art. 1º, §§ 3º e 4º), podendo, no caso de morte, chegar de 8 a 16 anos. O crime é inafiançável e insuscetível de anistia, graça ou indulto, conformando significativo rigor legislativo.
Tortura no Contexto Doméstico e Institucional
A tortura enquanto delito não se limita à atuação estatal ou institucional. Situações de violência extrema em lares, escolas, creches e similares são igualmente tipificadas na legislação. O conceito de “guarda, poder ou autoridade” permite a responsabilização penal em situações envolvendo relações privadas, quando há abuso de superioridade e vítimas vulneráveis.
A responsabilização de cuidadores, funcionários de instituições e responsáveis legais é prevista tanto na Lei de Tortura quanto em normas complementares, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Estatuto do Idoso, configurando tutela penal qualificada sobre pessoas vulneráveis.
Procedimento, Competência, e Impactos Processuais
O processo por crime de tortura obedece rito ordinário do Código de Processo Penal. Sendo crime de ação pública incondicionada, independe de representação da vítima. Caso haja coautoria ou participação de agente estatal, a competência será do juízo criminal comum, salvo se envolver prerrogativa de foro, quando a competência pode ser do tribunal competente.
Há relevância prática na apuração: a materialidade pode ser demonstrada por exame médico-legal, laudos psicológicos, testemunhos, gravações etc. O depoimento da vítima, especialmente quando vulnerável, requer abordagem diferenciada, resguardando princípios do contraditório e ampla defesa.
A gravidade do crime impõe particular rigor nas cautelares: prisão preventiva é possível, dada a natureza hedionda (Lei 8.072/90). Ressalta-se que a Lei proíbe liberdade provisória para autores de tortura.
Reflexos na Esfera Cível e Administrativa
A condenação por tortura pode desencadear, além da sanção penal, repercussões administrativas (perda de cargo/função pública ou guarda/tutela) e civis (dever de indenizar por danos morais e materiais). O trânsito em julgado penal constitui título executivo para ação cível reparatória.
Para advogados que queiram aprofundar-se no tema, especialmente de defesa ou acusação, o estudo avançado do Direito Penal é indispensável, abrangendo as interseções com normas especiais e jurisprudência atualizada. Uma formação robusta, tal como a proporcionada pela Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal, é uma ferramenta estratégica para quem deseja atuação diferenciada.
Nuances na Jurisprudência: Análise de Casos e Desafios Probatórios
O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal enfrentam frequentemente discussões sobre suficiência de provas, configuração do dolo específico e delimitação entre tortura e outros delitos violentos. A comprovação de sofrimento intenso e da finalidade exigida pela lei se mostra, muitas vezes, o ponto nevrálgico para juízes e tribunais.
Há divergências pontuais sobre a prova pericial: embora não seja indispensável para a tipificação, pode ser decisiva quando questionado o grau de sofrimento causado. A posição majoritária admite, em certos contextos, a condenação com base no conjunto probatório quando o exame de corpo de delito não for possível pela natureza dos fatos.
Estratégias de Atuação Profissional no Enfrentamento da Tortura
Na atuação penal, tanto acusação quanto defesa devem manter atenção redobrada à tipicidade subjetiva e à criteriosa produção probatória. Eventual erro na definição da finalidade da conduta pode resultar em desclassificação do crime de tortura para lesão corporal ou maus tratos. Por outro lado, a correta qualificação atrai sanções rigorosíssimas e repercussões interdisciplinares.
É fundamental dominar temas como concurso de crimes, causas de aumento e diminuição de pena, além das consequências cíveis e administrativas da condenação. O profissional deve ainda manter-se atualizado sobre as tendências jurisprudenciais, que frequentemente orientam a formação de novos entendimentos.
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Insights
O crime de tortura simboliza o esforço do Direito Penal na defesa da dignidade humana contra a barbárie, exigindo do operador conhecimentos teóricos e habilidades práticas acima da média. O enfrentamento da matéria demanda atualização constante, análise exata do caso concreto e compreensão fina de seus desdobramentos, tanto na esfera criminal quanto em outras áreas do direito.
Perguntas e Respostas Frequentes
1. O crime de tortura pode ser praticado por qualquer pessoa, ou apenas por agentes públicos?
Resposta: O crime pode ser praticado por qualquer pessoa, inclusive particulares, dependendo da modalidade. Se cometido por agente público no exercício da função, há agravamento da pena.
2. É preciso que ocorra lesão corporal para que haja crime de tortura?
Resposta: Não. A tortura é crime formal, sendo a imposição de sofrimento intenso (físico ou mental) suficiente para sua configuração, ainda que não haja lesão concreta.
3. O depoimento da vítima é suficiente para a condenação?
Resposta: Depende do contexto. O depoimento pode ser suficiente, desde que corroborado por outros elementos de prova, dado o princípio do livre convencimento motivado.
4. Há possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade em crime de tortura?
Resposta: Não. A Lei nº 9.455/1997 veda a concessão de anistia, graça, indulto e liberdade provisória, dada a gravidade da conduta.
5. Qual a diferença central entre tortura e maus tratos?
Resposta: A tortura exige dolo específico e sofrimento físico ou mental intenso, enquanto os maus tratos demandam exposição a situação vexatória, constrangedora ou penosa, mas sem o rigor ou finalidade própria da tortura.
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Acesse a lei relacionada em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9455.htm
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-set-28/tj-rs-mantem-condenacao-de-baba-por-crime-de-tortura-contra-bebe-de-oito-meses/.