A Relativização da Publicidade na União Estável: Entre a Discrição e a Clandestinidade
A configuração da união estável no ordenamento jurídico brasileiro, regida pelo artigo 1.723 do Código Civil, exige a presença de convivência pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituição de família. Dentre esses requisitos, a publicidade é, sem dúvida, o elemento mais espinhoso na prática forense atual. Embora a evolução social exija uma releitura dos dogmas clássicos, o advogado deve ter cautela: a linha que separa a proteção de novos formatos familiares da validação de relações clandestinas é tênue e perigosa.
Historicamente, a exigência de que o casal usufruísse de “fama” (reputação de casados) servia como segurança jurídica para terceiros e controle da monogamia. Contudo, a jurisprudência moderna tem mitigado esse rigor, compreendendo que a ausência de ostentação social não anula, por si só, o vínculo familiar. O desafio para o operador do Direito é demonstrar, no caso concreto, que a falta de publicidade é uma escolha de discrição ou uma estratégia de sobrevivência, e não uma tentativa de ocultar impedimentos legais ou má-fé.
O Perigo do Namoro Qualificado e a Necessidade de Prova Patrimonial
Ao advogar pela relativização da publicidade, não se pode cair na armadilha de romantizar a prova, baseando-se apenas em afeto e trocas de mensagens. A ausência de notoriedade social aproxima perigosamente a união estável da figura do namoro qualificado. Neste, o casal pode ter intimidade profunda, pernoitar junto e viajar, mas não possui o animus familiae presente.
Quando a “fama” social é escassa, o elemento anímico deve ser corroborado por provas de interdependência econômica. O Direito de Família regula consequências patrimoniais. Portanto, se a sociedade não vê o casal, os extratos bancários devem ver. A confusão patrimonial, a dependência em planos de saúde ou a aquisição conjunta de bens tornam-se provas vitais. Sem publicidade e sem entrelaçamento financeiro, a tese de união estável enfraquece substancialmente frente a um alegado namoro secreto.
Para dominar essas distinções sutis, o estudo aprofundado é essencial. A Maratona União Estável explora justamente os limites entre o namoro e a entidade familiar.
O “Elefante na Sala”: Monogamia e o Tema 529 do STF
A discussão sobre a flexibilização da publicidade não pode ignorar o Tema 529 do Supremo Tribunal Federal, que vedou o reconhecimento de uniões estáveis concomitantes. A falta de publicidade é, estatisticamente, o argumento de defesa mais utilizado por espólios para descaracterizar uma união, alegando que se tratava de um concubinato impuro (amante).
Aqui reside a distinção técnica crucial que o advogado deve manejar:
- Discrição Justificada: O casal é desimpedido (solteiros, viúvos, divorciados), mas opta pelo sigilo por motivos profissionais, familiares ou para evitar preconceitos. A publicidade existe, mas é restrita a um microcosmo (porteiros, médicos, círculo íntimo).
- Clandestinidade: O sigilo visa encobrir a relação para preservar um casamento paralelo ou enganar terceiros. Neste caso, a falta de publicidade é sintoma de ilicitude ou de ausência de intuito familiae.
O profissional deve provar que a invisibilidade social não era um instrumento de traição, mas de preservação da intimidade de um casal livre e desimpedido.
O Princípio da Vedação ao Comportamento Contraditório
Um argumento principiológico robusto, muitas vezes esquecido, é o nemo potest venire contra factum proprium (a vedação ao comportamento contraditório). Este princípio é a chave para defender uniões que foram mantidas em sigilo por pressão da própria família ou da sociedade.
Se parentes ou o meio social forçaram o casal à discrição (como ocorre frequentemente em relações homoafetivas ou entre pessoas com grande diferença de idade), esses mesmos agentes não podem, posteriormente, valer-se da falta de publicidade para negar direitos sucessórios ao companheiro sobrevivente. A exclusão deliberada do parceiro de eventos sociais ou a proibição de comparecimento ao velório, por exemplo, constituem prova negativa da união: a família sabia da existência do vínculo, tanto que agiu ativamente para escondê-lo.
Redimensionando a “Posse de Estado de Casado”
A tríade clássica da posse de estado de casado — Nomen (nome), Tractatus (tratamento) e Fama (reputação) — sofre uma releitura. A Fama não é dispensada, mas redimensionada. Não se exige fama *erga omnes* (para todos), mas sim fama no núcleo de confiança.
A instrução processual torna-se um desafio de “ônus probatório diabólico” para quem alega a união sigilosa. O advogado deve buscar provas que demonstrem a realidade intra-muros:
- Coabitação: Embora a Súmula 382 do STF dispense a coabitação, em uniões sem publicidade externa, morar junto é um indício fortíssimo de estabilidade.
- Prova Técnica: Geolocalização, compartilhamento de senhas bancárias e de serviços, e dependência em clubes ou associações.
- Testemunhas Qualificadas: Em vez de vizinhos distantes, busca-se o depoimento de quem frequentava a intimidade do lar (empregados domésticos, cuidadores, amigos confidentes).
A Luta pelos Direitos Sucessórios
A batalha judicial nesses casos visa quase sempre garantir a proteção patrimonial e sucessória. Permitir que o preconceito ou a conveniência social, que impuseram o silêncio em vida, retirem a dignidade e o sustento do companheiro após a morte, seria uma injustiça irreparável. O Judiciário tem se mostrado sensível à primazia da realidade sobre as formas, desde que a boa-fé e a exclusividade da relação estejam patentes.
A atuação nesses casos exige mais do que conhecimento da lei fria; exige estratégia probatória e argumentação constitucional refinada. O advogado que não compreende a dinâmica das provas digitais e a jurisprudência do STF sobre monogamia corre o risco de perder a causa para a tese do “mero namoro”.
Aprofundamento Técnico Necessário
O Direito de Família contemporâneo não aceita amadorismo. As nuances entre uma relação discreta válida e uma aventura clandestina definem o destino de patrimônios inteiros. Para advogados que desejam dominar essas teses defensivas e proteger grupos vulneráveis, o conteúdo programático da Maratona Uniões Homoafetivas oferece as ferramentas teóricas e práticas para enfrentar esses desafios nos tribunais.
Insights para a Advocacia Prática
1. A Publicidade nunca é zero: Mesmo na relação mais discreta, alguém sabe. Identifique o “microcosmo” onde o casal era reconhecido (porteiros, prestadores de serviço, médicos). A invisibilidade total é fatal para a pretensão.
2. O Dinheiro fala mais alto que o amor: Na ausência de fotos em redes sociais, a prova de dependência econômica ou esforço comum para aquisição de bens é o que diferencia a união estável do namoro.
3. Use a discriminação a favor do cliente: Se a família do de cujus agiu para excluir o companheiro (ex: barrando no hospital ou no funeral), use isso como prova de que eles sabiam da relação. Quem esconde, esconde o que existe.
4. Cuidado com a concomitância: Antes de ajuizar a ação, verifique minuciosamente se não havia outra relação paralela pública. A falta de publicidade do seu cliente pode ser usada para caracterizá-lo como amante, atraindo a vedação do Tema 529 do STF.
Perguntas e Respostas
1. É possível reconhecer união estável se o casal nunca se apresentou socialmente como tal?
Sim, é possível, mas a prova é muito mais difícil. Será necessário provar que a falta de apresentação pública decorria de motivo justo (discrição, medo, preconceito) e que, na intimidade e financeiramente, agiam como família. Se a ocultação visava encobrir um impedimento legal, a união não será reconhecida.
2. Qual a diferença prática entre namoro qualificado e união estável sem publicidade?
No namoro qualificado, mesmo com coabitação eventual, não há o objetivo presente de constituir família, nem comunhão de vidas plena (especialmente financeira). Na união estável sigilosa, a “vida de casado” existe dentro de casa (contas conjuntas, apoio mútuo irrestrito), apenas não é exibida fora dela.
3. O que é a “Fama” restrita ou redimensionada?
É o entendimento de que a reputação de casados não precisa ser conhecida por toda a sociedade, mas deve existir pelo menos no círculo restrito de pessoas que conviviam com a intimidade do casal. A total clandestinidade (ninguém sabia) geralmente inviabiliza o reconhecimento.
4. A família do falecido pode alegar que não sabia da relação para evitar a partilha?
Podem alegar, mas o advogado deve usar o princípio da vedação ao comportamento contraditório. Se provado que a família sabia, mas pressionava pelo sigilo, eles não podem se beneficiar desse sigilo agora para negar a herança.
5. Mensagens de WhatsApp bastam para provar essa união?
Dificilmente. Mensagens provam afeto, o que também existe no namoro. Para configurar união estável sem publicidade, são necessárias provas de estrutura familiar: dependência no imposto de renda, conta conjunta, pagamento de despesas do outro, ou testamento.
Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.
Acesse a lei relacionada em Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002 – Código Civil (Art. 1.723)
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-12/requisito-da-publicidade-pode-ser-afastado-em-uniao-estavel-homoafetiva/.