Trespasse é um instituto jurídico presente principalmente no âmbito do Direito Empresarial, representando a transferência do estabelecimento empresarial de um titular a outro. O estabelecimento, nesse contexto, é entendido como o complexo de bens organizado para o exercício da empresa pelo empresário ou sociedade empresária. Em termos práticos, o trespasse envolve a alienação da totalidade ou da maior parte dos elementos que compõem esse estabelecimento, permitindo que o adquirente dê continuidade à atividade econômica desenvolvida.
O trespasse pode englobar tanto bens materiais como instalações, mobiliário, mercadorias e máquinas quanto bens imateriais, como marcas, patentes, nome empresarial, ponto comercial, carteira de clientes e direitos contratuais. É importante destacar que, para haver o trespasse, não é necessário que todos esses elementos sejam transferidos integralmente. No entanto, é preciso que o conjunto formado por esses bens possibilite a continuidade da exploração empresarial, mantendo sua função econômica.
Do ponto de vista jurídico, o trespasse transfere ao adquirente não apenas os bens tangíveis e intangíveis que compõem o estabelecimento, mas também faculta a sucessão na atividade empresarial, podendo o novo titular dar prosseguimento ao mesmo ramo de negócio, no mesmo local e com os mesmos instrumentos, técnicas e até métodos de gestão utilizados anteriormente.
A legislação brasileira que trata diretamente do trespasse é o Código Civil, em seu artigo 1.144, que estabelece a necessidade de consentimento escrito dos credores do alienante para que o devedor cedente seja liberado das dívidas relativas ao estabelecimento. Caso contrário, permanecerá solidariamente responsável com o adquirente pelo prazo de até um ano após a publicação do trespasse, desde que os créditos estejam vencidos ou venham a vencer dentro do referido prazo. Isso significa que há uma preocupação legal com a proteção dos credores perante a operação de trespasse, impedindo que a mudança de titular do estabelecimento cause prejuízos aos seus interesses.
Além do aspecto contratual e sucessório, o trespasse também possui natureza negocial, sendo realizado através de um contrato entre as partes. Este contrato deve observar os princípios gerais dos contratos empresariais, como autonomia da vontade, boa-fé objetiva e função social da empresa. Embora não exista uma forma legal obrigatória para o contrato de trespasse, recomenda-se que ele seja feito por escrito, especialmente quando envolver registro público, como em casos que exijam averbação na Junta Comercial.
Sob o ponto de vista tributário e trabalhista, a operação de trespasse também possui importantes reflexos. No campo tributário, o adquirente poderá ser responsabilizado pelos tributos devidos pelo alienante caso tenham ligação com a atividade do estabelecimento, nos termos do Código Tributário Nacional. Já na esfera trabalhista, o adquirente do estabelecimento pode ser considerado sucessor do anterior empregador, assumindo obrigações decorrentes de contratos de trabalho vigentes à época do trespasse.
Outro ponto relevante diz respeito à necessidade de publicação do ato de trespasse na imprensa oficial, medida que visa dar publicidade ao negócio jurídico e garantir a segurança jurídica perante terceiros, incluindo fornecedores, credores e clientes.
Em resumo, o trespasse consiste na transferência onerosa ou gratuita do conjunto de bens que formam o estabelecimento empresarial, de um empresário ou sociedade empresária para outro, com a função de permitir a continuidade da atividade econômica. Trata-se de um instituto complexo que abrange aspectos contratuais, trabalhistas, fiscais, societários e de direito obrigacional, sendo essencial que as partes envolvidas estejam cientes das implicações legais para que a operação seja feita de forma segura e eficaz tanto do ponto de vista jurídico quanto econômico.