Supressio e Surrectio são institutos do Direito que se inserem no campo da boa-fé objetiva e buscam equilibrar as relações contratuais e obrigacionais a partir do comportamento das partes. Esses conceitos foram desenvolvidos a partir da doutrina e da jurisprudência para tratar de situações em que o exercício de direitos é condicionado por condutas anteriores dos envolvidos na relação jurídica. Ambos se referem a mecanismos que derivam da aplicação do princípio da boa-fé objetiva, que exige lealdade, confiança, transparência e cooperação entre as partes envolvidas em uma relação jurídica.
A Supressio refere-se à extinção ou à impossibilidade de exercício de um direito em razão de seu não uso ao longo do tempo, aliado à legítima confiança gerada na outra parte de que esse direito não seria mais exercido. Ou seja, é a ideia de que o titular de um direito, ao deixar de manifestá-lo reiteradamente e por período razoável, cria uma situação de confiança na outra parte de que aquele comportamento não será alterado abruptamente. Assim, ao querer exercer este direito depois de um longo tempo sem tê-lo feito, poderá encontrar resistência, pois o ordenamento jurídico, através do princípio da boa-fé, impede a reativação repentina desse direito, que pode causar surpresa e desequilíbrio contratual. O fundamento da Supressio está na vedação do comportamento contraditório, amplamente conhecido pela expressão latina venire contra factum proprium. Este princípio veda que alguém se beneficie de uma contradição em sua conduta, isto é, que inicialmente atue de determinada forma e, posteriormente, adote postura radicalmente oposta causando prejuízo a outrem.
Um exemplo clássico de Supressio ocorre na relação entre locador e locatário. Imagine uma situação em que o locatário atrasa constantemente o pagamento do aluguel, mas o locador, por vários meses ou anos, aceita esses atrasos sem adotar qualquer medida de cobrança imediata, sem aplicar multas ou pedir a rescisão do contrato. Forma-se, assim, uma expectativa legítima do locatário de que o locador aceita tal prática de tolerância. Se, de forma inesperada e sem aviso, o locador decide aplicar uma penalidade ou rescindir o contrato com base em um atraso igual aos anteriormente tolerados, essa conduta poderá ser considerada contraditória e repelida com base na Supressio. O Judiciário poderá concluir que o locador suprimiu, pelo seu comportamento reiterado e tolerante, o direito de exigir pontualidade irrestrita no pagamento.
Já a Surrectio é o fenômeno inverso da Supressio. Ela trata do surgimento de um direito subjetivo ou de uma expectativa legítima em favor de uma das partes a partir de determinado comportamento reiterado pela outra parte. Ou seja, uma conduta contínua e sistemática, ainda que não prevista no contrato originalmente, cria uma expectativa na parte beneficiada, que passa a ter uma posição jurídica protegida justamente pela boa-fé objetiva. É, portanto, o surgimento de uma pretensão jurídica em virtude de um comportamento positivo da outra parte, mesmo que tal pretensão não esteja formalmente prevista no instrumento contratual ou no ordenamento legal aplicável.
O fenômeno da Surrectio pode ser identificado, por exemplo, quando uma empresa concede reiteradamente benefícios não obrigatórios aos seus empregados, como uma bonificação anual, por vários anos consecutivos. Mesmo que não haja obrigação legal ou contratual de pagamento dessa bonificação, o fato de a prática ser contínua pode gerar na esfera jurídica do trabalhador uma legítima expectativa de que esse benefício integra sua remuneração. Com base na Surrectio, poderá se configurar um verdadeiro direito ao recebimento desse valor, impedindo que a empresa possa cessar o pagamento de forma repentina e sem justificativa razoável.
Ambos os institutos encontram amparo e sustentação na cláusula geral da boa-fé objetiva prevista no Código Civil Brasileiro, especialmente nos artigos que tratam da função social dos contratos, da interpretação contratual e da vedação ao comportamento contraditório. São mecanismos que permitem ao julgador adaptar o formalismo legal ao conteúdo efetivo das relações empresariais ou contratuais, propiciando equilíbrio entre os sujeitos envolvidos e promovendo a justiça nas relações jurídicas.
Note-se que a aplicação da Supressio e da Surrectio exige um exame cuidadoso do caso concreto, pois sua invocação deve estar calcada na demonstração inequívoca de comportamento reiterado, na alteração da confiança recíproca e na presença da boa-fé nos atos praticados. Não se trata, portanto, de instituir obrigações ou extinguir direitos de forma arbitrária, mas sim analisar as relações com base em critérios materiais de equilíbrio e justiça, respeitando os deveres anexos aos contratos.
A doutrina destaca ainda que a Supressio e a Surrectio não são institutos autônomos previstos expressamente no Código Civil brasileiro, mas sim construções jurisprudenciais e doutrinárias que integram o sistema de proteção da boa-fé objetiva e da segurança jurídica. São mecanismos valiosos para evitar o abuso de posição jurídica, o enriquecimento sem causa e o desequilíbrio nas relações negociais.
Em resumo, Supressio é a perda da possibilidade de exercício de um direito pelo não uso prolongado e pela confiança gerada na outra parte de que ele não seria exercido. Surrectio é o surgimento de um direito ou expectativa protegida, decorrente do comportamento reiterado da outra parte, que leva a parte beneficiada a acreditar na estabilidade daquela prática. Ambos os institutos reforçam a importância do princípio da boa-fé objetiva na aplicação do Direito e na conformação justa das relações jurídicas.