O Cenário Atual da Governança Corporativa e o Papel do Administrador
A governança corporativa evoluiu substancialmente nas últimas décadas, transformando o papel dos administradores e diretores de meros gestores operacionais em figuras centrais de responsabilidade jurídica e estratégica. No entanto, para o advogado de trincheira e o consultor sênior, é necessário ir além do otimismo teórico. No Brasil, a responsabilidade civil dos administradores é um terreno minado onde a dogmática acadêmica muitas vezes colide com uma jurisprudência hostil e protecionista.
A gestão de uma sociedade empresária envolve a tomada constante de decisões que acarretam riscos. O Direito não busca eliminar o risco, inerente à atividade empresarial, mas a realidade dos tribunais exige mais do que apenas “boa intenção”. Exige uma blindagem jurídica sofisticada, capaz de resistir não apenas à análise societária estrita, mas também às armadilhas trabalhistas, tributárias e consumeristas.
Os Deveres Fiduciários e o Conflito em Grupos Econômicos
A base da responsabilidade reside na violação de deveres específicos (artigos 153 a 157 da Lei das S.A.). O dever de diligência exige que o administrador empregue o cuidado que todo “homem ativo e probo” costuma empregar. Porém, o conceito vai além: exige proatividade. A postura passiva ou a falta de monitoramento pode ser fatal.
Um ponto de tensão crítica, frequentemente ignorado, é o dever de lealdade dentro de grupos econômicos. Em estruturas de holding e subsidiárias, é comum que o interesse do grupo conflite com o da empresa controlada. O administrador da subsidiária (muitas vezes o mesmo da holding) fica em uma posição delicada. É vital compreender que o dever de lealdade é para com a companhia onde ele exerce o cargo, não necessariamente para com o acionista controlador. Transações com partes relacionadas (intercompany) mal estruturadas são hoje grandes geradoras de passivos e litígios.
Para o profissional que deseja se especializar nesta área e entender essas nuances, o aprofundamento acadêmico, como o oferecido em uma Pós-Graduação em Direito Societário 2025, é indispensável para identificar as estratégias de defesa nessas situações de conflito.
A Business Judgment Rule: Teoria vs. Prática Forense
A Business Judgment Rule (BJR) é frequentemente citada como um escudo para administradores que agiram de boa-fé e com informação adequada. Contudo, a aplicação deste conceito no Brasil possui uma certa “esquizofrenia jurisprudencial”. Enquanto a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) aplica a regra com tecnicidade (analisando o padrão de conduta), o Judiciário comum muitas vezes cai na tentação de analisar o mérito econômico da decisão com o benefício da visão retrospectiva (hindsight bias).
Para invocar a proteção da BJR, não basta ter uma ata de reunião dizendo “decidimos fazer X”. A defesa eficaz depende da construção da racionalidade econômica documentada. As atas e memorandos devem registrar:
- As informações consideradas;
- Os riscos avaliados;
- As alternativas que foram descartadas e os motivos para tal.
Sem o registro das alternativas descartadas, a tese de que houve um processo decisório diligente enfraquece, abrindo espaço para o juiz intervir no mérito do negócio.
A Armadilha da Teoria Menor e a Desconsideração da Personalidade Jurídica
O artigo 50 do Código Civil, reformado pela Lei da Liberdade Econômica, trouxe critérios mais objetivos (desvio de finalidade e confusão patrimonial) para a desconsideração da personalidade jurídica (Teoria Maior). Isso traz segurança no âmbito Cível e Empresarial.
Entretanto, o verdadeiro “calcanhar de Aquiles” do administrador brasileiro reside na Teoria Menor, aplicada massivamente na Justiça do Trabalho e nas relações de consumo (Art. 28 do CDC). Nestas esferas, um administrador diligente, técnico e honesto pode ter seu patrimônio pessoal constrito pelo simples inadimplemento da empresa ou por dívidas das quais sequer tinha ciência direta. A gestão de risco corporativo tradicional não blinda totalmente contra a Teoria Menor, exigindo do advogado uma visão sistêmica para proteção patrimonial lícita e preventiva.
Compliance e a Cegueira Deliberada
Diante de um cenário regulatório rigoroso, o compliance é essencial. Mas cuidado: ele pode ser uma faca de dois gumes. A doutrina da Cegueira Deliberada (Willful Blindness) tem ganhado força. O administrador não responde apenas pelo que fez, mas pelo que escolheu ignorar.
Se a empresa possui um departamento de compliance que gera relatórios de risco (Red Flags) e a diretoria não age sobre eles, o próprio compliance torna-se prova de acusação contra o administrador, demonstrando ciência e omissão. A defesa do gestor exige provar que o sistema de integridade não era apenas “de papel” e que houve reação aos alertas recebidos.
Seguro D&O: O Diabo Mora nas Exclusões
O seguro D&O (Directors and Officers) é vital, mas sua contratação exige “malícia” jurídica. A maioria das apólices exclui atos dolosos ou fraudes. O problema prático surge no momento do sinistro: muitas seguradoras negam o adiantamento dos custos de defesa baseando-se em meras alegações de fraude na petição inicial do terceiro prejudicado.
O advogado corporativo deve lutar por cláusulas que garantam o adiantamento das despesas de defesa, com a obrigação de reembolso (clawback) apenas se houver trânsito em julgado confirmando o dolo. Sem isso, o seguro é um “guarda-chuva que não abre na tempestade”, obrigando o executivo a custear defesas milionárias do próprio bolso.
A Ação de Responsabilidade e a Estratégia Processual
A ação de responsabilidade civil (Art. 159 da LSA) possui ritos próprios. A aprovação das contas pela assembleia geral é uma defesa comum, mas não absoluta. Se a aprovação foi obtida com erro, dolo ou simulação, ou se a matéria não foi exposta com clareza, a quitação cai por terra.
Além disso, a jurisprudência da CVM, em casos emblemáticos como o da Sadia ou Pasello, tem servido de laboratório para definir o Standard of Review. Acompanhar as decisões do colegiado da CVM é obrigatório, pois elas antecipam entendimentos que influenciam o Judiciário em litígios de alta complexidade.
Dominar a Responsabilidade Civil dos Administradores exige transitar entre a teoria limpa da Lei das S.A. e a realidade “suja” dos tribunais. É um diferencial competitivo para advogados que desejam atuar no alto nível.
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Insights Práticos sobre o Tema
- Documentação é Defesa: Não basta registrar a decisão; registre o “porquê” e as opções rejeitadas para sustentar a racionalidade econômica.
- Risco Trabalhista: A Teoria Menor ignora a boa-fé do administrador. A proteção patrimonial deve considerar esse risco “objetivo”.
- Compliance Ativo: Ignorar relatórios de compliance atrai a responsabilidade por cegueira deliberada.
- Seguro D&O: A batalha real está na cláusula de adiantamento de custos de defesa. Negocie isso exaustivamente.
Perguntas e Respostas
1. O administrador responde pessoalmente por dívidas tributárias apenas por inadimplência da empresa?
Não. A jurisprudência do STJ e o Art. 135 do CTN exigem a comprovação de atos praticados com excesso de poderes, infração de lei, contrato social ou estatuto (como a dissolução irregular) para redirecionar a execução fiscal. O mero não pagamento, por si só, não gera responsabilidade pessoal, embora o Fisco tente frequentemente essa via.
2. Como a “Business Judgment Rule” é aplicada na prática pelos tribunais brasileiros?
Ela não é aplicada automaticamente. O administrador precisa provar que o processo decisório foi informado, refletido e desinteressado. Se a ata da reunião for genérica, o juiz pode se sentir autorizado a revisar o mérito da decisão, especialmente se o resultado foi desastroso.
3. O seguro D&O garante que o administrador não terá gastos com advogados?
Nem sempre. Se a apólice não tiver uma cláusula robusta de adiantamento de custos de defesa independente da alegação de dolo, a seguradora pode negar a cobertura inicial. O administrador teria que pagar do próprio bolso e tentar o reembolso depois.
4. Qual a diferença prática entre a responsabilidade na Lei das S.A. e no Código de Defesa do Consumidor?
Na Lei das S.A., exige-se prova de culpa ou dolo (subjetiva). No CDC, aplica-se a Teoria Menor da desconsideração: basta o prejuízo ao consumidor e a insolvência da empresa para que o patrimônio do administrador seja atingido, independentemente de ele ter agido com má-fé ou não.
5. O administrador de uma subsidiária deve obediência irrestrita à holding controladora?
Não. O dever de lealdade do administrador é para com a companhia que ele dirige (a subsidiária). Se uma ordem da holding prejudicar a subsidiária para beneficiar o grupo, o administrador pode ser responsabilizado pessoalmente se acatar tal ordem (conflito de interesses e abuso de poder de controle).
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 6.404, de 15 de Dezembro de 1976
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-12/livro-com-manual-de-responsabilidade-para-diretores-sera-lancado-no-dia-17-em-sp/.