Prevaricação é um crime previsto no ordenamento jurídico brasileiro, tipificado no artigo 319 do Código Penal. Trata-se de uma infração funcional cometida por servidor público no exercício de suas funções. Consiste essencialmente no ato de retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício ou praticá-lo contra disposição expressa da lei, por interesse ou sentimento pessoal.
O sujeito ativo da prevaricação é necessariamente um funcionário público, conforme definido pelo artigo 327 do Código Penal, o que inclui qualquer pessoa que, mesmo transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública. O sujeito passivo é sempre a administração pública como titular da função prejudicada, embora também possa haver reflexos negativos para terceiros interessados na prática do ato de ofício que foi omitido ou retardado.
A conduta típica da prevaricação envolve três formas distintas. A primeira é retardar um ato de ofício, ou seja, demorar deliberadamente para praticar algo que o servidor público está legalmente incumbido de fazer. A segunda forma é deixar de praticar o ato, o que se refere à omissão dolosa e injustificada. A terceira forma é praticar o ato de ofício indo contra o que a lei determina, violando os limites legais da função pública.
O elemento subjetivo do crime é o dolo específico, pois o agente deve agir motivado por interesse pessoal ou sentimento pessoal. Isso significa que não basta que o servidor público pratique o ato de forma irregular, mas é necessário que ele o faça com o intuito de beneficiar a si próprio ou a terceiros, ou ainda movido por sentimentos como vaidade, raiva, vingança ou favoritismo. A ausência desse elemento subjetivo descaracteriza a prevaricação, podendo subsistir outro tipo penal, a depender das circunstâncias do caso.
Por ser uma infração funcional, a prevaricação só se configura quando a conduta ilícita está diretamente relacionada às atribuições do cargo ocupado. A pena prevista é de detenção, de três meses a um ano, e multa. Trata-se de um crime de menor potencial ofensivo, o que permite, em tese, a aplicação dos institutos despenalizadores como a transação penal e a suspensão condicional do processo, previstos na Lei nº 9099 de 1995.
É importante diferenciar a prevaricação de outros delitos que envolvem o exercício da função pública. Por exemplo, na corrupção passiva, o servidor público pratica ou deixa de praticar um ato de ofício mediante vantagem indevida, enquanto na prevaricação não há recebimento de vantagem econômica, mas uma intenção subjetiva voltada ao interesse ou sentimento pessoal. Outra diferença relevante está na concussão, que é quando o agente exige vantagem indevida para si ou para outrem em razão da função. Já na prevaricação, não há exigência ou recebimento de nada em troca, mas apenas a prática indevida motivada por razões pessoais.
Além de ser crime, a prevaricação pode ensejar consequências disciplinares na esfera administrativa. O servidor que pratica esse ato irregular está sujeito a sanções como advertência, suspensão, demissão e outras previstas no regime jurídico ao qual está vinculado. A responsabilização nas três esferas – penal, civil e administrativa – pode ocorrer cumulativamente, considerando-se os princípios aplicáveis a cada uma, como o da independência entre as instâncias.
Em termos históricos e doutrinários, a prevaricação reflete a preocupação do Estado em assegurar a probidade administrativa e a imparcialidade na atuação do servidor público. O interesse pessoal ou o uso da função pública para satisfazer emoções ou objetivos privados distorce a finalidade do cargo público e compromete a confiança dos cidadãos na administração do Estado. Por essa razão, o tipo penal busca penalizar comportamentos que, embora por vezes sutis, minam a moralidade e a legalidade do serviço público.
Por fim, é relevante destacar que o bem jurídico protegido pela norma que tipifica a prevaricação é a administração pública e, em especial, a moralidade administrativa. A efetiva punição dos casos de prevaricação contribui para o fortalecimento das instituições estatais e para a construção de uma cultura de respeito às normas e princípios que regem a atividade pública.