A legítima defesa putativa é uma figura jurídica que se enquadra no campo do direito penal e está relacionada à excludente de ilicitude prevista para a legítima defesa, mas com uma particularidade importante que a distingue. Trata-se de uma situação em que o agente acredita estar sendo atacado de forma injusta e, por isso, age para se defender, embora, na realidade, esse ataque não esteja ocorrendo ou não seja injusto. Ou seja, a legítima defesa putativa se caracteriza pela percepção errônea, porém sincera, do agente quanto à existência de uma agressão iminente, atual e injusta.
No direito penal brasileiro, essa hipótese é tratada como um erro de tipo permissivo ou erro de proibição, a depender da corrente doutrinária adotada. Na visão majoritária, quando a falsa percepção é inevitável, ou seja, quando qualquer pessoa razoável, nas mesmas circunstâncias, também acreditaria estar sendo atacada, considera-se que o agente atua em erro plenamente justificado. Nesse caso, é possível que o fato seja considerado atípico, ou seja, não existe crime, pois o agente não possuía dolo nem culpa. Já se o erro for evitável, ou seja, se o agente poderia ter percebido que não havia agressão, considera-se que houve culpa, podendo haver responsabilização penal por crime culposo, se previsto na lei.
Um dos elementos fundamentais da legítima defesa putativa é a boa-fé do agente. Ou seja, sua convicção de que age para repelir uma agressão precisa ser sincera e plausível diante das circunstâncias. Não se exige que a agressão imaginada, mas não existente, tenha de fato ocorrido, mas sim que a pessoa, diante dos elementos objetivos e subjetivos disponíveis naquele momento, tenha sentido de forma concreta o risco e tenha reagido com os meios que entendia adequados e proporcionais.
É importante diferenciar a legítima defesa putativa da legítima defesa real. Na legítima defesa comum, a agressão é de fato real e injusta, e o agente atua como mecanismo de proteção imediata. Já na legítima defesa putativa, a agressão é apenas presumida, fruto de um erro na percepção da realidade. Ambas se fundamentam no princípio da necessidade de proteger um direito próprio ou de terceiro de uma ameaça atual. Contudo, na legítima defesa putativa, há um descompasso entre percepção e realidade.
Outro ponto relevante é que a legítima defesa putativa pode ocorrer em várias situações complexas, inclusive quando há uma interação recíproca de equívocos. Por exemplo, dois indivíduos armados podem acreditar mutuamente estar sendo atacados injustamente e reagirem com base nessa percepção, mesmo que nenhum deles tenha iniciado uma agressão efetiva. Nestes casos, cada um pode estar em legítima defesa putativa, configurando um cenário de amplo debate doutrinário e jurisprudencial sobre a responsabilidade penal envolvida.
Um exemplo clássico da aplicação da legítima defesa putativa se dá quando uma pessoa, ao se deparar com alguém entrando em sua casa à noite, acredita tratar-se de um assaltante e dispara contra o invasor. Posteriormente, descobre-se que se tratava de um parente ou amigo que entrou por engano ou sem anunciar sua presença. Se for demonstrado que a pessoa realmente acreditava na situação de perigo e que sua reação foi baseada nessa convicção, pode-se configurar uma legítima defesa putativa, cujo efeito jurídico dependerá da análise do erro cometido.
Por fim, a análise da legítima defesa putativa requer uma avaliação rigorosa dos elementos subjetivos que envolveram a conduta do agente. O juiz ou tribunal deve investigar se o erro foi justificável, se havia motivos para a percepção de perigo e se a resposta oferecida foi proporcional à suposta ameaça. A decisão sobre se o agente responderá criminalmente, e em que medida, dependerá da existência e da evitabilidade do erro, do contexto, e da razoabilidade da reação apresentada.
Assim, a legítima defesa putativa desempenha papel fundamental no direito penal ao levar em consideração a realidade percebida pelo agente, mesmo que equivocada, como elemento relevante para a avaliação da culpabilidade e da ilicitude de sua conduta. Ela ressalta a complexidade das situações humanas, onde erros de percepção podem ocorrer, e busca estabelecer um equilíbrio entre a proteção da sociedade e os direitos individuais frente a condutas motivadas por um sentimento honesto, ainda que equivocado, de proteção.