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Legítima defesa da honra

Legítima defesa da honra é uma expressão jurídica polêmica e historicamente utilizada no contexto do Direito Penal brasileiro como tentativa de justificar ou atenuar a responsabilidade penal de agentes que cometeram crimes passionais, sobretudo homicídios envolvendo casos de infidelidade conjugal. A expressão se refere à tese segundo a qual o autor de um crime, movido por uma ofensa à sua honra pessoal, familiar ou moral, teria atuado em legítima defesa dessa honra, buscando preservar sua dignidade ou reputação social, especialmente quando esta é supostamente ameaçada por comportamentos amorosos de seu cônjuge, companheiro ou companheira.

O fundamento da tese de legítima defesa da honra baseava-se na interpretação de que a honra pessoal era um bem jurídico de tamanha importância que sua proteção poderia justificar até mesmo ações extremas, como o homicídio. Em sua aplicação mais comum, especialmente durante o século vinte, esta tese foi frequentemente invocada por homens acusados de assassinarem suas esposas ou parceiras sob o argumento de que haviam sido traídos e, por isso, teriam sofrido um abalo moral tão intenso que o ato criminoso seria compreensível ou justificável. Em muitos casos, a tese era aceita total ou parcialmente pelos tribunais, o que resultava em redução da pena, absolvição ou tratamento mais brando dos autores dos crimes.

Contudo, com o passar do tempo, críticas severas foram dirigidas a essa justificativa, sobretudo por parte de movimentos feministas, juristas, acadêmicos e organizações de direitos humanos, que passaram a considerar a legítima defesa da honra como uma forma de perpetuar a violência de gênero, a desigualdade nas relações conjugais e a impunidade de agressões contra mulheres. Argumentava-se que a sua aplicação refletia uma mentalidade patriarcal que naturalizava comportamentos misóginos e mantinha estruturas sociais discriminatórias, ao tratar as mulheres como propriedade dos homens ou como detentoras da obrigação de manter incólume a imagem pública masculina.

A Constituição Federal de 1988, que consagrou valores como a igualdade, a dignidade da pessoa humana e a vedação a qualquer forma de discriminação, passou a servir de base para a crítica e a rejeição jurídica da tese de legítima defesa da honra. A construção de uma nova hermenêutica constitucional e penal orientada por princípios democráticos e igualitários levou os tribunais a revisar sua jurisprudência, afastando-se progressivamente de argumentos que pudessem reproduzir ou reforçar práticas violentas e discriminatórias contra mulheres.

O marco definitivo para a superação da legítima defesa da honra como tese jurídica aceitável ocorreu em 2021, quando o Supremo Tribunal Federal, por decisão unânime, considerou inconstitucional o uso dessa tese no julgamento de crimes praticados contra mulheres. O STF entendeu que tal argumento viola princípios constitucionais fundamentais, como o direito à vida, à dignidade humana, à igualdade de gênero e à não discriminação. A Corte determinou que juízes e tribunais não podem admitir em processos essa linha de defesa, vedando que ela seja apresentada ao júri como argumento para excluir a ilicitude ou a culpabilidade do réu.

Assim, atualmente, a legítima defesa da honra é considerada uma tese incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro. Sua invocação não é mais aceita como causa excludente de ilicitude ou como elemento capaz de justificar ou reduzir a pena de crimes dolosos contra a vida. Essa mudança representa um avanço significativo na proteção dos direitos das mulheres e no combate à violência de gênero, reafirmando que nenhum comportamento afetivo ou sexual pode justificar a prática de homicídio ou qualquer outra violência.

A superação da legítima defesa da honra também simboliza o compromisso do Direito Penal contemporâneo com valores voltados à equidade, à promoção dos direitos fundamentais e à responsabilização efetiva daqueles que atentam contra a vida e a integridade física de outras pessoas, especialmente em contextos marcados por desigualdades e opressões históricas.

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