O Consensualismo e a Responsabilidade Objetiva na Lei Anticorrupção
A Evolução da Atuação Estatal: Da Imperatividade à Consensualidade
O Direito Administrativo brasileiro passou por profundas transformações nas últimas décadas, afastando-se de uma visão puramente autoritária e unilateral. Tradicionalmente, a Administração Pública impunha sua vontade baseada na supremacia do interesse público sobre o privado, utilizando o poder de império como ferramenta principal. No entanto, a complexidade das relações sociais e econômicas modernas exigiu uma mudança de postura.
Surge, nesse contexto, o princípio da consensualidade administrativa. Esse conceito representa uma nova forma de agir do Estado, privilegiando o diálogo, a cooperação e a negociação para alcançar o interesse público de forma mais eficiente. A solução negociada de conflitos deixa de ser uma exceção para se tornar um instrumento fundamental na gestão pública.
A eficiência administrativa, consagrada no artigo 37 da Constituição Federal, ganha força com o consensualismo. Muitas vezes, um acordo bem estruturado traz resultados mais rápidos e efetivos para a sociedade do que um longo processo litigioso. A celeridade na reparação de danos ao erário e a implementação imediata de medidas corretivas são exemplos claros dessa vantagem.
No âmbito do direito sancionador, essa mudança é ainda mais sensível. A possibilidade de substituir uma sanção pura e simples por compromissos de ajustamento de conduta reflete uma justiça mais restaurativa e menos retributiva. É dentro desse cenário que a Lei 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, deve ser interpretada e aplicada.
A Responsabilidade Objetiva da Pessoa Jurídica na Lei 12.846/2013
A Lei Anticorrupção representou um marco no ordenamento jurídico ao instituir a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas por atos lesivos contra a administração pública. Isso significa que a responsabilização da empresa independe da comprovação de culpa ou dolo de seus dirigentes. Basta a demonstração do ato ilícito e do nexo causal entre a conduta e a pessoa jurídica beneficiada.
Essa responsabilidade objetiva abrange tanto a esfera civil quanto a administrativa. O artigo 5º da lei elenca uma série de atos lesivos, que vão desde a promessa de vantagem indevida a agentes públicos até fraudes em licitações e contratos. A severidade da norma visa incentivar as empresas a adotarem posturas preventivas rigorosas.
A apuração desses ilícitos ocorre por meio do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR). Este procedimento deve garantir o contraditório e a ampla defesa, mas opera sob a lógica da responsabilidade objetiva. A empresa não pode alegar desconhecimento das ações de seus funcionários para se eximir das sanções.
Para os advogados que atuam na defesa corporativa, entender as nuances do PAR é essencial. A estratégia de defesa não pode se limitar a negar a intenção; ela deve focar na descaracterização do ato lesivo ou na comprovação da inexistência de benefício para a entidade. O domínio técnico sobre esses procedimentos é uma competência que pode ser aprimorada em cursos como a Pós-Graduação Prática em Direito Administrativo, que prepara o profissional para lidar com a complexidade dos órgãos de controle.
O Acordo de Leniência como Instrumento de Defesa e Colaboração
O ponto alto do consensualismo na Lei Anticorrupção é o instituto do acordo de leniência, previsto no artigo 16. Esse mecanismo permite que a pessoa jurídica que cometeu ilícitos colabore com as investigações em troca de benefícios na dosimetria das sanções. É uma ferramenta inspirada no direito antitruste e adaptada para o combate à corrupção.
Para celebrar um acordo de leniência, a empresa deve cumprir requisitos estritos. O primeiro deles é ser a primeira a se manifestar sobre o interesse em cooperar, quando tal circunstância for relevante. Além disso, deve cessar imediatamente o envolvimento na infração investigada a partir da propositura do acordo.
A colaboração deve ser plena e permanente. A pessoa jurídica deve admitir sua participação no ilícito e fornecer informações e documentos que comprovem a infração sob apuração. A cooperação efetiva é a moeda de troca para a redução das penalidades, que pode incluir a isenção de certas multas e da proibição de contratar com o poder público.
É crucial notar que o acordo de leniência não exime a empresa da obrigação de reparar integralmente o dano causado. A indisponibilidade do interesse público impede que o prejuízo ao erário seja objeto de transação. O foco da negociação recai sobre as sanções punitivas e não sobre o ressarcimento.
A Importância dos Programas de Integridade (Compliance)
A Lei 12.846/2013 conferiu um papel central aos programas de integridade, popularmente conhecidos como *compliance*. A existência de mecanismos internos de auditoria, incentivo à denúncia de irregularidades e aplicação efetiva de códigos de ética é considerada um fator atenuante no cálculo da multa.
O artigo 7º, inciso VIII, da lei estabelece que a existência desses mecanismos será levada em consideração na aplicação das sanções. Mais do que uma exigência formal, o programa de integridade deve ser efetivo. A autoridade administrativa avaliará se o programa é capaz de prevenir, detectar e remediar os atos lesivos.
Durante as negociações de acordos ou no curso do PAR, a demonstração de um *compliance* robusto é uma das principais teses de defesa. A empresa que prova ter feito esforços genuínos para evitar a corrupção pode obter reduções significativas nas penalidades aplicadas.
Profissionais que desejam atuar nessa área precisam compreender não apenas a lei, mas a estruturação desses programas. O conhecimento técnico sobre como implementar e monitorar essas políticas é um diferencial competitivo. O curso de Iniciação a Compliance Empresarial oferece a base necessária para que o advogado oriente seus clientes na criação de uma cultura ética corporativa.
A Sinergia entre a LINDB e a Solução Consensual
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) foi alterada em 2018 para incluir dispositivos que reforçam a segurança jurídica e a eficiência na administração pública. O artigo 26 da LINDB é particularmente relevante para o tema, pois autoriza expressamente a celebração de compromissos para eliminar irregularidades.
Esse dispositivo ampliou o espectro do consensualismo para além da Lei Anticorrupção. Ele permite que as autoridades administrativas, em diversas esferas, busquem soluções negociadas que atendam ao interesse geral. O “compromisso processual” torna-se uma realidade transversal no Direito Administrativo.
A aplicação da LINDB exige que a autoridade considere as consequências práticas da decisão. Ao optar por um acordo em vez de uma sanção unilateral, o gestor público deve motivar sua escolha demonstrando que aquela é a solução mais vantajosa para o erário e para a sociedade.
Isso cria um ambiente mais propício para a advocacia consultiva e negociadora. O advogado deixa de ser apenas um litigante para se tornar um arquiteto de soluções jurídicas, capaz de dialogar com a administração pública em busca de termos de ajustamento de conduta e outros instrumentos consensuais.
Cálculo da Multa e Dosimetria na Esfera Administrativa
A multa prevista na Lei Anticorrupção pode variar de 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa. A definição desse percentual não é aleatória; ela segue critérios objetivos de dosimetria estabelecidos em regulamento, atualmente o Decreto nº 11.129/2022.
Existem fatores agravantes e atenuantes. Entre os agravantes, estão a continuidade da infração ao longo do tempo, a tolerância da alta direção e a reincidência. Já entre os atenuantes, destacam-se a não consumação da infração, a colaboração com a investigação e, como mencionado, o programa de integridade.
O cálculo preciso da multa é um dos pontos mais sensíveis da negociação de acordos. A defesa técnica deve trabalhar minuciosamente na apresentação de provas que justifiquem a aplicação das atenuantes. Erros nessa fase podem custar milhões de reais à empresa e comprometer sua viabilidade econômica.
A regulamentação federal trouxe maior clareza sobre como esses percentuais são somados ou subtraídos. No entanto, a aplicação prática ainda gera debates, especialmente quando há sobreposição de competências entre diferentes órgãos de controle, o que exige do advogado uma visão sistêmica do ordenamento.
Desafios na Multiplicidade de Instâncias Sancionadoras
Um dos maiores desafios para a efetividade do consensualismo no Brasil é a multiplicidade de instâncias de controle. Uma mesma conduta pode ser investigada pelo Ministério Público, pela Controladoria-Geral, pelo Tribunal de Contas e pelas agências reguladoras. A falta de coordenação entre esses entes pode gerar insegurança jurídica.
O fenômeno do bis in idem, ou dupla punição pelo mesmo fato, é um risco constante. Embora a lei tente delimitar competências, na prática, as fronteiras são tênues. Uma empresa pode celebrar um acordo de leniência com um órgão e, posteriormente, ser acionada por outro pelos mesmos fatos.
A jurisprudência e a doutrina têm avançado no sentido de buscar uma atuação coordenada, muitas vezes através de “balcões únicos” de negociação. A cooperação interinstitucional é vital para garantir que o acordo celebrado tenha estabilidade e que a empresa não seja surpreendida com novas sanções após colaborar com o Estado.
O advogado deve estar atento a essa teia institucional. A estratégia de defesa deve contemplar a blindagem da empresa em todas as frentes possíveis, buscando a adesão ou a anuência dos diversos órgãos envolvidos no acordo principal.
A Execução e o Monitoramento dos Acordos
A assinatura do acordo não encerra o processo; ela inicia uma nova fase de execução e monitoramento. As obrigações assumidas pela empresa, sejam elas pecuniárias ou de fazer (como a implementação de novas regras de governança), devem ser rigorosamente cumpridas.
O descumprimento do acordo acarreta consequências graves, como a perda dos benefícios pactuados e o retorno do processo sancionador original. Além disso, a empresa fica impedida de celebrar novos acordos por um determinado período. O monitoramento por parte da administração pública é constante e rigoroso.
Muitas vezes, os acordos preveem a figura de um monitor externo ou a obrigação de relatórios periódicos de conformidade. A gestão desse pós-acordo é tão crítica quanto a negociação em si. A empresa precisa demonstrar, de forma contínua, que rompeu com as práticas do passado e que está comprometida com a ética.
Para o profissional do Direito, isso abre um campo de atuação na consultoria de acompanhamento. Garantir que o cliente cumpra cada cláusula e documente suas ações é fundamental para evitar a rescisão do acordo e a retomada das sanções suspensas.
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Principais Insights do Artigo
A mudança de paradigma no Direito Administrativo privilegia o consensualismo em detrimento da imposição unilateral, buscando maior eficiência na gestão pública.
A responsabilidade da pessoa jurídica na Lei Anticorrupção é objetiva, dispensando a prova de culpa, mas exigindo a demonstração do ato lesivo e do benefício auferido.
O acordo de leniência é o principal instrumento de defesa colaborativa, permitindo a redução de sanções em troca de informações e provas, sem excluir a reparação do dano.
Programas de *compliance* efetivos são essenciais não apenas para a prevenção, mas funcionam como importantes atenuantes no cálculo das multas administrativas.
A atuação coordenada entre diferentes órgãos de controle é um desafio atual para evitar o *bis in idem* e garantir a segurança jurídica dos acordos celebrados.
Perguntas e Respostas Frequentes
1. A empresa precisa admitir a culpa para celebrar um acordo na Lei Anticorrupção?
Embora a responsabilidade seja objetiva, a celebração do acordo de leniência exige que a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito administrativo investigado e coopere plenamente com as apurações.
2. O acordo de leniência isenta a empresa de reparar o dano ao erário?
Não. A reparação integral do dano causado é um requisito inafastável para a celebração do acordo. A negociação recai sobre as sanções, como multas e proibições de contratar, mas o prejuízo aos cofres públicos deve ser ressarcido.
3. Qual a diferença entre a responsabilidade subjetiva e a objetiva na Lei 12.846/2013?
Na Lei Anticorrupção, a responsabilidade da pessoa jurídica é objetiva, ou seja, independe da prova de dolo ou culpa dos dirigentes. Já a responsabilização individual dos dirigentes ou administradores permanece subjetiva, dependendo da comprovação de culpabilidade.
4. Como a existência de um programa de compliance afeta a multa?
A existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades é considerada um fator atenuante na dosimetria da multa, podendo reduzir significativamente o percentual aplicado sobre o faturamento.
5. O que acontece se a empresa descumprir o acordo celebrado?
O descumprimento do acordo resulta na perda dos benefícios pactuados, impedimento de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 anos e a retomada do processo administrativo sancionador ou da execução das sanções que haviam sido suspensas ou atenuadas.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-18/acordo-no-processo-de-responsabilizacao-e-o-consensualismo-na-lei-anticorrupcao-no-rj/.