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Incidente de desconsideração da personalidade jurídica

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica é um instrumento processual previsto no ordenamento jurídico brasileiro que tem como objetivo permitir que os efeitos de determinadas obrigações recaiam diretamente sobre os bens dos sócios ou administradores de uma pessoa jurídica, nos casos em que houver abuso da personalidade jurídica caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Trata-se de uma medida excepcional, aplicável apenas quando a utilização da pessoa jurídica tenha sido realizada de forma a encobrir atos irregulares, fraudulentos ou que visem a prejudicar terceiros, especialmente credores.

A personalidade jurídica é uma ficção legal que confere autonomia patrimonial aos entes coletivos, permitindo que esses se tornem sujeitos de direitos e obrigações distintos de seus sócios. Essa autonomia é fundamental para o desenvolvimento das atividades econômicas e empresariais, pois limita a responsabilidade dos sócios ao valor das quotas que eles subscreveram. No entanto, quando essa autonomia é utilizada de maneira abusiva, o ordenamento jurídico brasileiro admite a sua desconsideração, buscando impedir o uso fraudulento ou desvirtuado da pessoa jurídica.

Antes da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, a desconsideração da personalidade jurídica era aplicada de maneira mais informal, muitas vezes determinada de ofício pelo juiz sem garantir o direito de defesa dos sócios ou administradores envolvidos. Com a promulgação do novo CPC, o legislador passou a disciplinar o tema de forma mais rigorosa, prevendo expressamente o procedimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, que deve ser instaurado nos autos da ação principal ou do cumprimento de sentença.

De acordo com os artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil, a instauração do incidente pode ser requerida pela parte, pelo Ministério Público ou determinada de ofício pelo juiz sempre que houver indícios de uso indevido da personalidade jurídica. Uma vez instaurado, o juiz determinará a citação da pessoa física contra quem se pretende estender os efeitos da obrigação, garantindo-lhe o contraditório e a ampla defesa. Somente após o devido processamento é que o magistrado poderá decidir pela desconsideração, caso estejam presentes os requisitos legais.

É importante destacar que o incidente de desconsideração pode ser aplicado tanto no caso de sociedades empresárias quanto de associações civis, fundações e outras pessoas jurídicas de direito privado. Além disso, o instituto não se confunde com a responsabilização direta dos sócios por atos próprios, pois sua finalidade é estender a responsabilidade originária da pessoa jurídica aos seus administradores ou sócios nas hipóteses em que essa personalidade foi usada para acobertar práticas ilícitas.

O incidente pode ocorrer tanto na chamada desconsideração direta, em que se busca atingir os bens dos sócios em razão de dívida contraída inicialmente pela pessoa jurídica, quanto na desconsideração inversa, situação em que os bens da pessoa jurídica são atingidos para responder por obrigações pessoais do sócio, quando este utilizar o patrimônio da empresa de forma indistinta ou confundir seu próprio patrimônio com o da pessoa jurídica.

A inclusão do procedimento no Código de Processo Civil teve como principais objetivos resguardar os princípios do contraditório e da ampla defesa, conferir maior segurança jurídica às partes envolvidas e evitar decisões arbitrárias ou sem o devido amparo legal. A necessidade de instauração de um incidente específico impõe um ônus argumentativo à parte que pretende a desconsideração e permite o debate sobre os fundamentos e as provas que sustentam o pedido.

Por fim, a desconsideração da personalidade jurídica, por meio do incidente previsto no CPC, representa um ponto de equilíbrio entre a preservação da autonomia patrimonial dos entes coletivos e a repressão ao uso fraudulento dessa prerrogativa. Assim, pretende-se preservar a credibilidade do sistema jurídico e assegurar que a proteção conferida pela personalidade jurídica não seja utilizada de maneira contrária ao princípio da boa-fé, da função social da empresa e da justiça nas relações jurídicas.

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