O incidente de arguição de inconstitucionalidade é um instrumento processual previsto na legislação brasileira que permite a suspensão do andamento de processos judiciais quando surgir, no curso do julgamento de uma causa, a dúvida sobre a compatibilidade de uma norma jurídica com a Constituição Federal. Trata-se de um mecanismo concebido para preservar a supremacia da Constituição no ordenamento jurídico e garantir a atuação controlada do Poder Judiciário diante de potenciais violações à ordem constitucional.
Esse incidente ocorre geralmente nos tribunais de segundo grau ou nos tribunais superiores, quando determinado órgão fracionário, como uma câmara ou turma de um tribunal, se depara com a necessidade de aplicar uma norma cuja constitucionalidade é questionada pelas partes ou pelo próprio colegiado. Quando isso acontece, e havendo dúvida razoável ou entendimento do colegiado de que aquela norma pode ser inconstitucional, instaura-se o incidente de arguição, o qual tem por finalidade provocar o órgão especial ou o plenário do tribunal para que este se pronuncie sobre a constitucionalidade ou não da norma impugnada.
A Constituição Federal, no artigo 97, estabeleceu o princípio da reserva de plenário, segundo o qual a declaração de inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo somente poderá ser feita pela maioria absoluta dos membros do tribunal ou de seu órgão especial, caso ele exista. Isso significa que uma câmara ou turma de um tribunal não pode declarar uma norma inconstitucional por conta própria. Antes disso, é necessário submeter a questão ao crivo do plenário ou órgão especial, por meio do incidente de arguição de inconstitucionalidade.
O procedimento do incidente está previsto no Código de Processo Civil brasileiro, nos artigos 948 a 950. A instauração do incidente pode ocorrer a requerimento das partes, do Ministério Público ou de ofício pelo próprio julgador. Uma vez instaurado formalmente, suspende-se o julgamento da matéria principal, e abre-se prazo para manifestação das partes, do Ministério Público, e eventualmente para a manifestação da Advocacia Pública, considerando que se trata de tema sensível à ordem pública e à preservação da legalidade constitucional.
A razão de ser do incidente está em duas premissas fundamentais do ordenamento jurídico. A primeira é que a Constituição Federal é a norma suprema, e todas as demais normas devem estar em conformidade com seus princípios e regras. A segunda é a necessidade de garantir segurança jurídica e uniformidade na interpretação do direito, especialmente nos órgãos colegiados. Ao submeter uma questão constitucional ao órgão máximo de um tribunal, evita-se a formação de decisões contraditórias entre os diversos órgãos internos da mesma corte.
Vale destacar que o incidente de arguição de inconstitucionalidade no controle difuso de constitucionalidade difere daquele realizado no controle concentrado, que é exercido diretamente perante o Supremo Tribunal Federal mediante ações específicas como a Ação Direta de Inconstitucionalidade, a Ação Declaratória de Constitucionalidade, entre outras. No caso do incidente, está-se diante do controle difuso, no qual se analisa a constitucionalidade da norma no contexto da resolução de um caso concreto que se encontra em apreciação judicial. Ainda assim, os efeitos do julgamento do incidente de arguição não se restringem apenas às partes da causa, pois a decisão do órgão especial sobre a inconstitucionalidade de uma norma pode influenciar o entendimento do próprio tribunal em casos futuros e orientar os demais órgãos jurisdicionais.
Em síntese, o incidente de arguição de inconstitucionalidade é uma ferramenta essencial para a defesa da Constituição, conferindo aos tribunais a possibilidade de controlar a compatibilidade das normas infraconstitucionais com os preceitos constitucionais, respeitando o devido processo legal e o princípio da colegialidade que rege as decisões judiciais de maior complexidade normativa. Ao estabelecer um rito próprio e solene para a análise da inconstitucionalidade, o ordenamento jurídico brasileiro reafirma seu compromisso com a estabilidade das decisões judiciais, a coerência sistêmica das normas e a supremacia da Constituição.