Guerra fiscal é uma expressão utilizada para descrever a competição entre diferentes entes federativos, como estados e municípios, com o objetivo de atrair investimentos e empresas por meio da concessão de benefícios fiscais, geralmente relacionados à redução ou isenção de tributos, particularmente do ICMS, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. Essa prática é recorrente no sistema federativo brasileiro, em que os estados possuem autonomia para legislar sobre tributos dentro de certos limites previstos na Constituição Federal. No entanto, a guerra fiscal tem sido alvo de intensos debates jurídicos e econômicos, uma vez que seus efeitos práticos provocam distorções na concorrência e comprometem a harmonia tributária entre os entes federados.
A principal motivação para a guerra fiscal é o desejo de fomentar o desenvolvimento econômico regional por meio da atração de empreendimentos privados, geração de empregos e aumento da arrecadação a longo prazo. Para isso, os estados muitas vezes concedem unilateralmente incentivos fiscais sem a devida autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária, o Confaz, contrariando o princípio da legalidade e da uniformidade que deve reger a tributação nacional. Essa concessão sem aprovação formal é considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, uma vez que desrespeita o pacto federativo e causa desequilíbrios no sistema tributário.
Os incentivos fiscais oferecidos na guerra fiscal podem assumir diversas formas, como a redução de alíquotas do ICMS, a concessão de crédito presumido, isenções e diferimentos no pagamento de tributos. Embora benéficos para as empresas que os recebem, esses mecanismos resultam em perda de arrecadação para os estados que não conseguem competir oferecendo contrapartidas semelhantes e, assim, enfraquecem suas capacidades de investir em políticas públicas. Além disso, pode ocorrer a realocação artificial de empresas, que se transferem para locais onde os incentivos são mais vantajosos, independentemente de critérios logísticos ou estratégicos, o que gera ineficiências econômicas e um uso distorcido da política tributária.
Do ponto de vista jurídico, a guerra fiscal viola princípios constitucionais como o da isonomia, da livre concorrência e da cooperação entre os entes da federação. Os incentivos concedidos sem a aprovação unânime do Confaz têm sido objeto de judicialização frequente, culminando em inúmeros julgamentos no Supremo Tribunal Federal. A jurisprudência da Corte tem reiterado que benefícios fiscais relacionados ao ICMS somente podem ser legalmente instituídos se houver consenso dos estados por meio de convênio celebrado no âmbito do Confaz. Ainda assim, a prática persiste, impulsionada pela busca por competitividade e pelas desigualdades regionais que caracterizam a realidade brasileira.
Nos últimos anos, a guerra fiscal tem levado à proposta de reformas no sistema tributário nacional, como a Proposta de Emenda Constitucional que prevê a unificação de tributos sobre o consumo e estabelece mecanismos de repartição mais equitativos de receitas. A Lei Complementar número 160 de 2017, por exemplo, buscou regularizar incentivos fiscais anteriormente concedidos ilegalmente, permitindo sua convalidação por meio da celebração de convênios entre os estados. Embora tenha trazido certa estabilidade, a norma foi criticada por legalizar benefícios que contrariam decisões judiciais anteriores, o que gerou insegurança jurídica e desestímulo ao cumprimento das regras estabelecidas.
Em síntese, a guerra fiscal representa um dos maiores desafios à construção de um sistema tributário mais equilibrado e justo no Brasil. Embora compreensível diante das disparidades econômicas entre as regiões do país, sua prática irregular compromete a racionalidade da tributação, mina o princípio da leal concorrência entre os entes federativos e acentua problemas estruturais históricos. Superar esse fenômeno requer não apenas alterações normativas, mas também vontade política e cooperação federativa, de forma a construir um modelo de desenvolvimento econômico sustentável, com respeito aos limites constitucionais e à segurança jurídica necessária a todos os envolvidos.