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Fungibilidade recursal

Fungibilidade recursal é um princípio do direito processual que trata da possibilidade de admitir o aproveitamento de um recurso interposto de maneira equivocada, desde que observados certos requisitos. Trata-se da ideia de que, na presença de determinados pressupostos, um recurso que não é o adequado para impugnar determinada decisão judicial pode ser aceito e processado como se fosse o recurso correto, assegurando-se à parte o direito de ver seu pedido examinado pelo tribunal. Essa concepção está pautada na valorização do princípio da instrumentalidade das formas e da primazia da decisão de mérito, sendo aplicada para evitar que o excesso de formalismo prejudique direitos das partes envolvidas no processo.

No ordenamento jurídico brasileiro, a fungibilidade recursal tem fundamento na busca pela efetividade da prestação jurisdicional e pela racionalização do sistema recursal. A sua aceitação implica necessariamente a superação do rigor excessivo nas exigências técnicas, promovendo um processo mais voltado à obtenção de resultados justos e menos inclinado à rejeição por motivos meramente processuais. O princípio se concretiza quando um recurso inadequado é interposto de boa-fé, dentro do prazo previsto para o recurso cabível, e quando há dúvida objetiva ou razoável sobre qual seria o meio adequado de impugnação.

Para que a fungibilidade recursal seja admitida pelos tribunais, a jurisprudência brasileira costuma exigir a presença de três requisitos básicos. O primeiro é a existência de dúvida objetiva ou plausível quanto à forma recursal correta a ser interposta. Isso ocorre quando há insegurança jurídica, posicionamentos divergentes nos tribunais, lacunas legislativas ou mudanças recentes na interpretação das normas processuais. O segundo requisito é a interposição do recurso dentro do prazo legal estabelecido para o recurso cabível. Assim, o erro na escolha do recurso não pode acarretar em prejuízo temporal à parte contrária ou à regular tramitação do processo. O terceiro requisito é a boa-fé do recorrente. A parte deve atuar com diligência e honestidade, não utilizando o erro de maneira abusiva ou com o fim de estabelecer manobras protelatórias.

Exemplo clássico de aplicação da fungibilidade recursal ocorre quando uma parte interpõe embargos de declaração contra uma decisão judicial que, na verdade, deveria ser impugnada por agravo de instrumento. Se preenchidos os requisitos legais e jurisprudenciais já mencionados, o tribunal pode admitir os embargos como agravo, evitando prejuízos decorrentes do formalismo e permitindo o regular processamento do recurso. Isso contribui para que o direito à ampla defesa e ao contraditório seja preservado, valorizando o conteúdo do recurso em detrimento da simples forma.

Importante destacar que a fungibilidade recursal não pode ser utilizada sistematicamente como justificativa para desconhecimento das normas processuais. Os operadores do direito são esperados a agir com cuidado técnico e conhecimento adequado do sistema jurídico. Assim, erros grosseiros ou recursos manifestamente incabíveis não são passíveis de correção com base nesse princípio. Também não se aplica a fungibilidade recursal em casos em que o recurso cabível é dotado de efeitos processuais distintos do recurso interposto, como no caso de recursos com e sem efeito suspensivo, pois isso traria insegurança jurídica e violaria o devido processo legal.

Além disso, embora a doutrina e a jurisprudência venham progressivamente adotando a aplicação da fungibilidade recursal como medida de justiça e proporcionalidade, sua incidência ainda exige cautela e análise caso a caso. Tribunais superiores como o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal já manifestaram entendimento favorável à sua aplicação, mas sempre condicionada à presença conjunta dos requisitos indispensáveis e à ausência de prejuízo às partes e ao processo como um todo.

Assim, o princípio da fungibilidade recursal desempenha papel relevante no sistema jurídico brasileiro ao permitir que erros formais superáveis não obstruam o acesso ao duplo grau de jurisdição ou ao exame do mérito das controvérsias. Trata-se de mecanismo que busca o equilíbrio entre a segurança jurídica, o respeito às regras processuais e a efetividade da tutela jurisdicional.

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