A Função Social dos Contratos no Direito Contemporâneo
No cenário jurídico contemporâneo, a função social dos contratos emerge como um pilar essencial que orienta a interpretação e a aplicação dos negócios jurídicos. Este princípio, profundamente enraizado nos ordenamentos jurídicos modernos, visa assegurar que os contratos não sirvam apenas aos interesses individuais das partes, mas também ao interesse coletivo e ao desenvolvimento de uma sociedade mais justa e equitativa.
Origem e Evolução do Princípio da Função Social
Historicamente, a função social dos contratos encontra suas raízes na necessidade de humanizar as relações contratuais, especialmente no contexto de um direito privado que, por muitos anos, foi rigidamente formalista e centrado na autonomia da vontade. Com o advento dos Estados modernos e o reconhecimento de direitos fundamentais, surgiu a preocupação de que os contratos respeitassem e promovam o bem-estar social.
No Brasil, por exemplo, a Constituição Federal e o Código Civil destacam a função social como um princípio norteador, refletindo um movimento global que se alinha com compromissos mais amplos em relação aos direitos humanos. As legislações contemporâneas reconhecem que, além de proteger os interesses individuais, o Direito deve atuar na promoção da dignidade humana e do bem comum.
A Função Social no Âmbito dos Contratos
A função social dos contratos sugere que o cumprimento dos acordos deve ser avaliado também em termos de sua contribuição para a sociedade. Isso significa que um contrato não pode ter validade legal se contrariar princípios e valores sociais ou se for prejudicial a determinados segmentos sociais. Essa abordagem normativa exige que advogados e juízes examinem o potencial impacto social de uma obrigação contratual, mesmo que consensuada entre as partes.
O impacto social do contrato é avaliado considerando-se diversos fatores, como justiça no equilíbrio das prestações, a eventual desigualdade entre as partes, e questões de interesse público. Por vezes, isso coloca limites à autonomia da vontade, na medida em que vincula a validade dos acordos à sua conformidade com o bem-estar social.
O Direito Constitucional à Moradia
Dentro dessa perspectiva, o direito constitucional à moradia adquire especial relevância. No Brasil, a moradia é consagrada como um direito social, inserido no artigo 6.º da Constituição Federal. Tal reconhecimento impõe ao Estado e à sociedade o dever de garantir acesso adequado à habitação a todos os cidadãos, refletindo um compromisso com a dignidade humana e a justiça social.
Contudo, a efetivação desse direito tem enfrentado desafios significativos, à medida que situações de vulnerabilidade colocam em xeque a eficácia das políticas públicas habitacionais. Contratos de financiamento e hipotecas, por exemplo, devem ser analisados não apenas sob a ótica econômica e patrimonial, mas também à luz de seu impacto sobre o direito à moradia.
As Instituições Financeiras e a Função Social dos Contratos
As instituições financeiras desempenham um papel crucial na viabilização do direito à moradia, na medida em que facilitam o acesso ao crédito para aquisição de imóveis. No entanto, os contratos firmados por estas entidades nem sempre estão alinhados com a função social esperada. Em certas ocasiões, práticas como juros abusivos e a execução indiscriminada de garantias podem resultar em violações ao direito à moradia.
A aplicação do princípio da função social impõe, portanto, uma responsabilidade adicional às instituições financeiras: a de estruturar suas operações de crédito imobiliário de forma a não apenas garantir o retorno financeiro, mas também assegurar que os direitos fundamentais dos mutuários sejam preservados.
Soluções Jurídicas e Práticas
Para equilibrar o cumprimento dos interesses individuais com a função social dos contratos, é fundamental um arcabouço jurídico sólido que enfoque a prevenção de abusos e a promoção de cláusulas contratuais justas. Isso inclui o uso de mecanismos legais como:
1. Revisão Contratual: Em face de desequilíbrios significativos, tribunais podem intervir para revisar os termos de um contrato, ajustando-o para que atenda à norma da função social.
2. Proteção ao Hipossuficiente: Especial atenção deve ser dada aos contratantes em situação de vulnerabilidade econômica, garantindo que eles não sejam prejudicados em um acordo que comprometa suas necessidades básicas, como a moradia.
3. Conduta Ética Corporativa: Instituições financeiras devem aderir a práticas de responsabilidade social corporativa, garantindo que suas atividades estejam alinhadas com o cumprimento de direitos fundamentais.
O Papel dos Operadores do Direito
Advogados, juízes, procuradores e outros operadores do Direito têm a missão de promover e assegurar o cumprimento da função social dos contratos em suas práticas profissionais. Isso envolve uma interpretação jurídica que priorize o balanceamento entre autonomia privada e a proteção de valores sociais, bem como a constante atualização e julgamento das normativas aplicáveis.
A especial atenção à natureza social dos contratos impulsiona a criação de decisões judiciais que melhor respondem aos desafios contemporâneos e que reforçam o papel do Direito como um instrumento de construção de sociedades mais justas e equilibradas.
Conclusão
A função social dos contratos desempenha um papel decisivo na promoção da justiça social e na proteção dos direitos fundamentais. No contexto do direito à moradia, é essencial que os contratos respeitem e cumpram uma função que vai além dos interesses imediatos das partes contratantes. Isto requer um compromisso contínuo de todos os segmentos da sociedade para assegurar que os princípios de equidade e dignidade prevaleçam em todas as relações contratuais.
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Acesse a lei relacionada em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
Este artigo teve a curadoria de Marcelo Tadeu Cometti, CEO da Legale Educacional S.A. Marcelo é advogado com ampla experiência em direito societário, especializado em operações de fusões e aquisições, planejamento sucessório e patrimonial, mediação de conflitos societários e recuperação de empresas. É cofundador da EBRADI – Escola Brasileira de Direito (2016) e foi Diretor Executivo da Ânima Educação (2016-2021), onde idealizou e liderou a área de conteúdo digital para cursos livres e de pós-graduação em Direito.
Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP, 2001), também é especialista em Direito Empresarial (2004) e mestre em Direito das Relações Sociais (2007) pela mesma instituição. Atualmente, é doutorando em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP).Exerceu a função de vogal julgador da IV Turma da Junta Comercial do Estado de São Paulo (2011-2013), representando o Governo do Estado. É sócio fundador do escritório Cometti, Figueiredo, Cepera, Prazak Advogados Associados, e iniciou sua trajetória como associado no renomado escritório Machado Meyer Sendacz e Opice Advogados (1999-2003).