Flagrante preparado é uma expressão jurídica utilizada para descrever uma situação em que a prática de um crime é artificialmente provocada por um agente do Estado ou por um terceiro com o intuito de flagrar o suposto autor em flagrante delito. Trata-se de um tipo específico de flagrante que ocorre quando alguém instiga ou induz outra pessoa à prática de um delito com o objetivo de aplicar-lhe uma punição ou de realizar sua prisão imediata como se o crime tivesse ocorrido espontaneamente.
A doutrina e a jurisprudência brasileiras majoritariamente reconhecem que o flagrante preparado é ilegal e inválido. Isso acontece porque a preparação do crime por parte do agente provocador fere princípios fundamentais do direito penal e do processo penal, como o princípio da legalidade, da imparcialidade e da ampla defesa. O papel do Estado em matéria penal deve ser o de reprimir e prevenir delitos, sem, no entanto, instigar sua prática. Quando um agente público ou colaborador instiga ou cria artificialmente as condições para que alguém cometa um crime, está afastando-se da função constitucional de proteger o cidadão e garantir a legalidade.
No flagrante preparado, há um desvio de finalidade e violação do chamado princípio do devido processo legal. Ao criar a situação criminosa, o agente do Estado não está evitando a prática do crime, mas sim participando ativamente de sua execução. Nesses casos, entende-se que não há voluntariedade pura por parte do infrator, pois este foi conduzido ou influenciado de maneira determinante a agir como agiu.
É importante destacar que o flagrante preparado se distingue do flagrante esperado. No flagrante esperado, a autoridade policial tem a expectativa fundamentada de que o delito ocorrerá naturalmente e limita-se a observar e intervir no momento da sua consumação, sem interferência direta na vontade do agente. Já no flagrante preparado, há uma ação direta e invasiva dos agentes na formação do dolo do suposto criminoso. Essa diferença é essencial para a validade e legalidade da prisão em flagrante.
A Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal reflete esse entendimento ao estabelecer que não há crime quando a preparação do flagrante torna impossível sua consumação. Isso significa que a provocação deliberada da conduta típica por parte das autoridades torna o fato atípico e, consequentemente, a prisão em flagrante é nula e não produz efeitos jurídicos.
Além da ausência de tipicidade penal, outro aspecto relevante é a responsabilidade do agente provocador. Se constatado que a conduta da autoridade pública ou do terceiro colaborador foi abusiva ou ilegal, caberá apuração de responsabilidade administrativa, civil ou penal do mesmo, dependendo do caso concreto.
O flagrante preparado levanta, ainda, importantes reflexões sobre os limites da atuação do Estado no combate à criminalidade. A provocar uma infração penal para prender alguém, o Estado ultrapassa os limites éticos e legais do controle social, transformando-se de agente fiscalizador em verdadeiro coautor do delito. Isso compromete a legitimidade do sistema penal e alimenta práticas autoritárias e inconstitucionais, ferindo gravemente os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.
Portanto, o flagrante preparado é, no ordenamento jurídico brasileiro, uma figura repudiada por representar uma armadilha jurídica, vedada pelos princípios do Estado Democrático de Direito, e cujo reconhecimento no âmbito judicial tem como consequência a nulidade da prisão e a possibilidade de responsabilização dos envolvidos na preparação do flagrante.