Fato do príncipe é uma expressão utilizada no campo do Direito Administrativo e também no Direito Civil e Contratual, referindo-se a uma situação excepcional em que o poder público, no exercício legítimo de suas prerrogativas legais e administrativas, toma uma decisão ou pratica um ato que interfere de maneira imprevista e prejudicial na execução de um contrato previamente firmado com particulares. Tal fato gera consequências econômicas que inviabilizam ou oneram excessivamente o cumprimento das obrigações assumidas por uma das partes contratantes, normalmente a parte particular.
Essa figura jurídica é baseada na ideia de que o Estado, enquanto ente soberano, possui a competência para editar leis, decretos e normas com efeitos gerais. Contudo, quando esse exercício de poder afeta diretamente a execução de um contrato específico com uma empresa ou indivíduo, causando-lhe prejuízos decorrentes de uma alteração nas condições inicialmente pactuadas, surge a hipótese do fato do príncipe. Diferencia-se de outras formas de intervenção estatal porque não há culpa ou inadimplemento por parte do contratado e também não se trata de uma alteração acordada no contrato. O ponto central é que a medida estatal tem efeitos gerais, mas atinge particularmente o contrato em questão a ponto de alterar substancialmente suas bases originais.
No contexto da contratação administrativa, o fato do príncipe está previsto na legislação brasileira como uma das causas que podem justificar o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Isso significa que a parte lesada pela interferência da Administração Pública pode pleitear compensações, prorrogações de prazos contratuais ou ajustes no valor contratado, de maneira a restabelecer as condições iniciais do acordo, conforme princípio do pacta sunt servanda adaptado ao regime jurídico administrativo.
Exemplos típicos de fato do príncipe incluem a edição de nova norma legal ou a adoção de política pública que afete direta e substancialmente a economia do contrato. Pode-se citar como exemplo a elevação significativa de tributos incidentes sobre a atividade contratada, determinada por lei posterior à celebração do contrato, o que represente uma dificuldade financeira inesperada para o contratado. Outro exemplo clássico ocorre quando o Estado proíbe a continuidade de uma obra contratada com fundamento em interesse público superveniente, sem que a execução tenha sido culpa da empresa contratada.
Importante destacar que o fato do príncipe exige a presença de alguns requisitos cumulativos para sua caracterização. Primeiramente, deve haver um ato estatal com efeitos gerais. Em segundo lugar, esse ato deve ter ocorrido após a celebração do contrato. Em terceiro lugar, a medida administrativa deve afetar de forma direta o contrato em execução, tornando sua execução excessivamente onerosa, impraticável ou inviável. A comprovação do nexo causal entre o ato do poder público e os prejuízos sofridos também é fundamental. Por fim, o contratado não pode ter concorrido com culpa ou dolo para a ocorrência do evento prejudicial.
Ressalta-se que o simples exercício da Administração Pública de seu poder regulamentar ou normativo, sem que isso afete substancialmente a execução do contrato, não caracteriza o fato do príncipe. Além disso, o instituto não se confunde com caso fortuito ou força maior, pois nestes o evento é alheio à vontade das partes e não decorre de ato estatal específico. Também difere do fato da administração, que diz respeito a atos específicos da própria entidade contratante que impactam a execução contratual.
A doutrina e a jurisprudência consolidadas admitem que o fato do príncipe respeita princípios fundamentais do Direito Administrativo, como a supremacia do interesse público e a continuidade dos serviços públicos, mas também está sujeito a outro princípio igualmente importante que é o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Este princípio visa assegurar que um dos contratantes, normalmente o particular, não seja excessivamente penalizado por mudanças unilaterais imprevisíveis causadas pelo poder público no curso do contrato.
Por fim, o fato do príncipe representa um importante mecanismo de justiça contratual dentro do regime de contratações públicas, pois reconhece a necessidade de proteger o contratado de efeitos nocivos gerados por atos do próprio Estado, preservando a confiança legítima nas relações contratuais com o poder público e promovendo a boa-fé objetiva como valor essencial nas relações jurídicas.