Estado de necessidade é uma excludente de ilicitude prevista no ordenamento jurídico brasileiro por meio do artigo 24 do Código Penal. Trata-se de uma situação em que uma pessoa, para salvar um bem próprio ou de terceiro de um perigo atual e iminente, inevitável pelas vias ordinárias, comete um fato tipicamente previsto como crime, porém se isenta de ilicitude em razão das circunstâncias específicas do caso. O fundamento dessa excludente repousa sobre o princípio da inexigibilidade de conduta diversa e da legítima proteção de bens jurídicos relevantes quando em confronto com outros também tutelados pelo direito penal.
O estado de necessidade ocorre quando há um conflito entre dois bens jurídicos protegidos, sendo necessário sacrificar um deles para preservar outro considerado de valor igual ou superior. Por exemplo, uma pessoa que invade uma casa para se proteger de uma tempestade intensa, colocando em risco sua própria vida, poderá alegar estado de necessidade, pois seu intuito foi preservar um bem maior, no caso sua integridade física ou sua vida. A conduta praticada, embora típica, não é considerada ilícita por ausência do elemento antijuridicidade, já que foi realizada para evitar um mal mais grave.
Para que se configure o estado de necessidade, é necessário o preenchimento de certos requisitos legais. O primeiro é a existência de um perigo atual, real e inevitável aos olhos do agente, ou seja, deve haver uma situação de emergência concreta, não meramente hipotética ou futura. O segundo requisito é que esse perigo ameace direito próprio ou alheio, não importando quem seja o titular do bem ameaçado. O terceiro elemento essencial é que a ação realizada seja a única meio razoável e eficaz para afastar o mal iminente, e que o bem sacrificado seja de valor inferior ou igual ao bem protegido.
O estado de necessidade pode ser classificado como justificante ou exculpante. Na forma justificante, o bem salvaguardado é de igual ou maior valor comparado ao bem lesado, e há consentimento do titular do bem sacrificado ou a lei autoriza essa escolha. Já no estado de necessidade exculpante, ocorre quando o bem protegido é de menor valor, mas por circunstâncias emocionais e psicológicas, não era exigível do agente outra conduta. Neste caso, embora o fato continue sendo ilícito, há exclusão da culpabilidade, resultando na não aplicação da pena.
A doutrina e a jurisprudência enfatizam que não se pode invocar o estado de necessidade para justificar ações que afrontem valores absolutos, como a vida humana em detrimento de interesses econômicos, por exemplo. Além disso, o estado de necessidade não pode ser utilizado se existia alternativa legal viável de evitar o mal, como pedir ajuda às autoridades. O agente deve também agir com moderação, utilizando o meio menos ofensivo possível para salvaguardar o bem ameaçado.
Importante também destacar a distinção entre o estado de necessidade e a legítima defesa. Ambos são excludentes de ilicitude, mas enquanto na legítima defesa existe a presença de uma agressão injusta do ser humano, que é repelida de forma proporcional, no estado de necessidade o agente age contra um bem jurídico para salvaguardar outro diante de uma situação emergencial que prescinde da ação de um terceiro agressor. Portanto, o agente em estado de necessidade lesiona um bem de forma justificada por um interesse superior em jogo.
Em resumo, o estado de necessidade representa uma circunstância de exceção no Direito Penal, em que o ordenamento reconhece que determinadas condutas formalmente típicas não devem ser punidas quando forem praticadas com o objetivo de evitar um mal maior ou equivalente, desde que obedecidos os pressupostos legais. Trata-se de mecanismo de justiça material dentro do sistema jurídico penal, que busca equilibrar a rigidez da norma legal diante das complexidades da vida real.