O Direito de Preferência no Agronegócio: Uma Análise Técnica e os Riscos da Simplificação
O Direito Agrário brasileiro atravessa um momento de intensa tensão dialética. De um lado, institutos clássicos concebidos sob a égide do Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964), de caráter eminentemente protetivo; de outro, a dinâmica veloz e contratualista do agronegócio moderno. O direito de preferência (preempção) do arrendatário é o epicentro dessa colisão.
A compreensão desse instituto exige abandonar simplificações. Não se trata apenas de uma “vantagem” do arrendatário, mas de um direito potestativo de aquisição que, se mal manejado, gera insegurança jurídica, nulidade de negócios milionários e passivos ocultos para proprietários e investidores.
A seguir, dissecaremos a dogmática jurídica por trás da preferência, enfrentando as zonas cinzentas que a doutrina comercial muitas vezes ignora.
A Natureza de Ordem Pública e o Risco da Renúncia Antecipada
O Estatuto da Terra é regido por normas de ordem pública, visando a proteção do hipossuficiente e a função social da propriedade. Historicamente, isso tornou nula qualquer cláusula contratual onde o arrendatário renunciasse antecipadamente ao seu direito de preferência.
Contudo, o cenário mudou. Hoje, vemos contratos entre grandes players, onde não há vulnerabilidade fática. Surge a tese da “flexibilização” baseada na qualificação das partes.
Cuidado técnico: Embora existam sinalizações do STJ admitindo a validade da renúncia em cenários de paridade de armas (grandes produtores), a jurisprudência ainda é vacilante. Tratar a cláusula de renúncia como garantia absoluta é um erro estratégico.
Sem uma alteração legislativa clara, a cláusula de renúncia permanece sendo um ponto de fragilidade processual. O Judiciário pode, casuisticamente, invocar a supremacia da norma cogente para anular a renúncia, especialmente se houver mudança na situação econômica das partes ao longo do contrato.
Requisitos Estritos: “Tuto in Unum” e a Notificação
O exercício da preferência impõe a regra da estrita igualdade de condições (tuto in unum). A notificação enviada pelo proprietário deve ser completa, e a aceitação do arrendatário, um espelho da oferta.
Pontos de atenção crítica para advogados:
- Vedação à Contraproposta: Se o terceiro oferece pagamento à vista, o arrendatário não pode exigir prazo, mesmo que ofereça juros. Qualquer tentativa de alterar as condições configura recusa tácita.
- Capacidade Econômica: Diferente do que sugerem análises superficiais, o proprietário não pode usar uma suposta “falta de capacidade econômica prévia” do arrendatário para deixar de notificá-lo. A capacidade deve ser demonstrada no momento do exercício do direito (pagamento ou depósito). Transformar a solvência em requisito subjetivo de admissibilidade da notificação é convite certo para o litígio.
A Armadilha das Holdings e a Teoria da Aparência
A “pejotização” do imóvel rural trouxe o debate: a venda de cotas da Holding proprietária da terra aciona a preferência?
A regra técnica é negativa: alienação de participação societária não se confunde com alienação do imóvel. A propriedade continua na esfera da pessoa jurídica; muda-se apenas o controle político.
O Risco da Fraude: O advogado diligente deve atentar para a estruturação do negócio. A criação de Sociedades de Propósito Específico (SPEs) visando exclusivamente a transferência do imóvel através da venda de cotas pode ser interpretada como simulação ou fraude à lei para burlar o direito de preferência.
Nesses casos, tribunais podem aplicar a Teoria da Aparência e desconsiderar a estrutura societária para garantir o direito do arrendatário. Em operações de M&A (Fusões e Aquisições), a due diligence deve investigar se a estrutura societária preexistia ou se foi montada ad hoc para evitar a preempção.
Leilões Judiciais: A Publicidade Ficta vs. Intimação Pessoal
Quando o imóvel vai a leilão judicial, a tese de que a publicação do edital supre a notificação do arrendatário é amplamente difundida, mas perigosa.
Embora o CPC/2015 privilegie a publicidade registral, confiar apenas no Diário Oficial é uma economia processual temerária. O arrendatário que não foi intimado pessoalmente pode ajuizar ação anulatória da arrematação, travando a imissão na posse por anos.
A recomendação de excelência para o advogado do exequente ou do arrematante é inequívoca: requeira a intimação pessoal do arrendatário nos autos da execução antes da hasta pública. Isso blinda a arrematação contra nulidades futuras.
Temas Avançados e Polêmicos
Para o especialista, as verdadeiras batalhas ocorrem nas zonas de silêncio legislativo:
1. Dação em Pagamento
Prevalece o entendimento de que não cabe direito de preferência na dação em pagamento, pois não há preço, mas sim a solvência de uma dívida específica (solutio). Contudo, se a dação for simulada (encobrindo uma compra e venda), o direito de preferência subsiste.
2. Recuperação Judicial (RJ)
A venda de ativos (UPIs – Unidades Produtivas Isoladas) na Recuperação Judicial do produtor rural segue rito próprio (Lei 11.101/2005). Há forte debate se a venda livre de ônus na RJ afastaria a preferência do arrendatário. A tendência é privilegiar a preservação da empresa e a maximização dos ativos, mas o conflito de normas é real.
3. A Necessidade de Registro (Averbação)
Para exercer o direito de preferência contra terceiros (efeito erga omnes), inclusive pleiteando a adjudicação, a averbação do contrato de arrendamento na matrícula do imóvel é fundamental?
Embora o Estatuto da Terra não exija o registro para a validade do direito entre as partes, o STJ (aplicando analogia à Súmula 84 e à Lei do Inquilinato) tende a proteger o terceiro adquirente de boa-fé que não tinha como saber da existência do arrendamento. A ausência de registro enfraquece drasticamente a posição do arrendatário perante terceiros, podendo converter seu direito real de aquisição em meras perdas e danos contra o arrendador.
Ação de Adjudicação: O Filtro Financeiro
Se o direito foi violado, resta a ação de adjudicação compulsória. O artigo 92, § 4º do Estatuto da Terra impõe uma barreira de entrada severa: o depósito do preço.
Este depósito deve ser realizado dentro do prazo decadencial de 6 meses (contados da transcrição da venda) e deve incluir o valor do imóvel mais despesas de transferência, devidamente atualizados. Depósitos parciais ou condicionados levam à improcedência liminar. É o momento onde a capacidade econômica deixa de ser retórica e se torna requisito processual.
Conclusão
O direito de preferência não é um instituto estático. Ele flutua entre a proteção social histórica e a complexidade empresarial contemporânea. Para advogados e consultores, não basta ler a lei; é preciso navegar a jurisprudência defensiva e antecipar riscos de nulidade.
A especialização técnica é a única via para mitigar riscos em operações que envolvem o principal ativo do país: a terra.
Para profissionais que buscam domínio sobre essas complexidades, o aprofundamento acadêmico e prático é indispensável. Conheça as opções de Pós-Graduação em Direito do Agronegócio e Direito Imobiliário para elevar o padrão de sua atuação jurídica.
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Acesse a lei relacionada em Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964)
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-04/o-mito-da-preferencia-absoluta-quando-a-realidade-fatica-do-condominio-pro-diviso-supera-o-registro-imobiliario/.