Desvio de função é uma expressão utilizada no âmbito do Direito Administrativo e do Direito do Trabalho para descrever uma situação em que um servidor público ou empregado é designado para exercer atividades que não correspondem ao cargo para o qual foi legalmente investido ou contratado. Trata-se de uma ilicitude administrativa e, em alguns casos, trabalhista, que fere princípios como os da legalidade, da moralidade e da isonomia no serviço público, além de implicar em possível prejuízo ao profissional envolvido.
No setor público, o desvio de função ocorre quando um servidor, embora legalmente nomeado para determinado cargo, passa a exercer de forma habitual, contínua e com aval da administração, as atribuições típicas de outro cargo diverso daquele para o qual prestou concurso público. Essa conduta é considerada irregular porque ofende diretamente o princípio do concurso público previsto no artigo 37 da Constituição Federal, que exige a aprovação prévia em concurso como condição para investidura em cargo ou emprego público, garantindo a imparcialidade, a isonomia e a eficiência na seleção de servidores.
A jurisprudência dos tribunais superiores, notadamente do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, tem reiterado que o desvio de função não confere ao servidor o direito à reclassificação no cargo diverso ou à efetivação de promoções irregulares. No entanto, entende-se que o servidor público que desempenha funções alheias ao seu cargo originário e de maior complexidade, responsabilidade ou remuneração, faz jus à percepção da diferença remuneratória correspondente, como forma de indenização pelo trabalho prestado em desconformidade com as atribuições legais do seu cargo de origem. Tal entendimento visa evitar o enriquecimento ilícito da Administração Pública à custa do trabalho do servidor.
Já na esfera trabalhista, o desvio de função pode ser caracterizado quando um empregado é contratado para determinada função e, durante o curso do vínculo empregatício, passa a exercer, sem a correspondente contraprestação salarial, atividades de cargo diverso, geralmente de maior responsabilidade ou de maior salário previsto na convenção coletiva da categoria. Nesse contexto, o desvio pode ensejar o pagamento das diferenças salariais, bem como o reenquadramento do trabalhador, se a situação for prolongada e reiterada. Eventualmente, se o trabalhador entender que houve descumprimento contratual por parte do empregador em razão do desvio de função, pode ser ajuizada ação trabalhista pleiteando a rescisão indireta do contrato de trabalho.
É importante distinguir o desvio de função do acúmulo e da mudança de função. O acúmulo ocorre quando o empregado ou servidor exerce simultaneamente duas ou mais funções, sendo possível a concessão de adicional por acúmulo, enquanto a mudança de função ocorre quando há alteração formal das atribuições, muitas vezes acompanhada por novas responsabilidades, mas que pode estar prevista contratualmente ou autorizada por meio de ato regulamentar. Já o desvio de função pressupõe desvio involuntário da função original, ausência de respaldo legal e prejuízo direto ao profissional por não haver a devida contraprestação ou enquadramento funcional.
Portanto, o desvio de função caracteriza-se como conduta ilegal, que acarreta repercussões jurídicas tanto para o ente empregador quanto para o agente afetado. Além de comprometer a organização da Administração e a moralidade dos atos públicos, também pode resultar em consequências financeiras e indenizatórias, fruto do descumprimento das normas legais e dos princípios constitucionais aplicáveis à ordem jurídico-administrativa e trabalhista.