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Desvio de finalidade

Desvio de finalidade é um conceito jurídico amplamente utilizado no âmbito do direito administrativo e, em alguns casos, no direito civil e penal, que se refere ao uso irregular de um poder, ato ou instrumento legal para alcançar um objetivo ou resultado diverso daquele para o qual ele foi concebido ou autorizado pela norma jurídica. É considerado uma das modalidades do abuso de poder, sendo este um ato ilícito praticado por agentes públicos no exercício de suas funções ou, em algumas situações, por particulares que tenham recebido encargos ou prerrogativas da Administração Pública.

No direito administrativo, o desvio de finalidade ocorre quando a autoridade competente realiza um ato administrativo cuja finalidade não está de acordo com o interesse público ou com o objetivo específico delimitado pela lei. Nesse sentido, a finalidade é um elemento essencial do ato administrativo, que deve necessariamente ser norteado pelo interesse público, que é o princípio basilar que rege a atuação da Administração Pública. Caso contrário, o ato será considerado inválido e poderá ser objeto de anulação, enunciando assim sua incompatibilidade com os preceitos da legalidade e moralidade administrativa.

O desvio de finalidade tem duas vertentes principais. A primeira é a inobservância do fim genérico, que é o interesse público. Isso ocorre quando o agente público age buscando atender interesses particulares ou objetivos pessoais, desprezando o dever de zelar pelo bem comum. A segunda é a inobservância do fim específico, ou seja, quando o agente se desvia do objetivo previsto pela norma ou determinação legal que regulamenta um determinado ato. Um exemplo clássico é a transferência de um servidor público sob o pretexto de necessidades administrativas, quando, na verdade, o real objetivo da medida é retaliação ou perseguição a esse servidor.

Para que haja o reconhecimento do desvio de finalidade, é necessário que fique comprovado que o agente público agiu com desvio de conduta, sendo essencial demonstrar subjetivamente a intenção de alcançar um objetivo diverso do previsto. Diferentemente de outras formas de irregularidades administrativas, aqui não se discute a competência do agente nem a legalidade formal do ato administrativo, já que o foco recai exclusivamente sobre o propósito ou objetivo que motivou a sua prática.

No âmbito do controle jurisdicional, o desvio de finalidade pode ser questionado judicialmente por meio de ações judiciais, como mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, entre outras. O Poder Judiciário é responsável por analisar a legalidade do ato e se houve a quebra do princípio da finalidade. Eventualmente, em caso de procedência do pedido, o ato será invalidado e o agente público responsável poderá ser submetido a sanções administrativas, civis ou mesmo penais, dependendo da gravidade da conduta e de suas consequências. Essas sanções podem incluir a perda do cargo ou função pública, o pagamento de indenizações ou multas e até mesmo a prisão, nos casos em que configurar crime previsto no ordenamento jurídico.

O princípio da moralidade administrativa, previsto na Constituição Federal de 1988, reforça a necessidade de observância da finalidade pública nos atos da Administração. Ele exige que a prática administrativa tenha sempre como norte os valores éticos e o interesse coletivo, impedindo condutas que busquem beneficiar interesses individuais, ainda que travestidos de situações aparentemente legais. Além disso, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) estabelece punições específicas para agentes públicos que se desvirtuarem da finalidade pública, causando dano ao erário ou enriquecimento ilícito.

Na esfera penal, o desvio de finalidade pode estar associado à prática de crimes como peculato, prevaricação, concussão ou corrupção, dependendo da situação fática. Nesses casos, o agente comete uma infração penal ao utilizar de prerrogativas públicas em busca de objetivos pessoais ou alheios ao interesse coletivo, configurando grave lesão à ética pública e à confiança social depositada nas instituições do Estado.

Portanto, o desvio de finalidade se apresenta como uma prática incompatível com os valores fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro, pois subverte o princípio da legalidade, esvazia a proteção do interesse público e impacta negativamente a credibilidade e legitimidade das ações administrativas. A atuação contra esse tipo de abuso é essencial para a consolidação de uma administração pública transparente, eficiente e alinhada aos princípios republicanos e democráticos que fundamentam o Estado de Direito. O combate ao desvio de finalidade se dá, primordialmente, através do fortalecimento de mecanismos de controle interno e externo, da ampla vigilância social e do devido recurso ao Poder Judiciário, em busca da responsabilização daqueles que insistem em violar os princípios constitucionais que regem a Administração Pública.

1 comentário em “Desvio de finalidade”

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