Crime preterdoloso é uma espécie de crime que se caracteriza pela combinação de dolo em relação à conduta inicial e culpa quanto ao resultado mais grave que dela decorre. Em outras palavras, trata-se de uma infração penal em que o agente deseja ou assume o risco de produzir um determinado resultado, mas acaba provocando um resultado mais grave do que o pretendido, sem, entretanto, intenção de produzi-lo. O termo preterdoloso deriva da junção de dois elementos técnicos do direito penal: dolo e culpa, sendo que o prefixo preter indica algo que vai além do que foi inicialmente intencionado. Por isso, o crime preterdoloso também é conhecido como crime além da intenção.
No crime preterdoloso, o agente pratica voluntariamente uma conduta típica prevista na legislação penal, ou seja, com dolo, mas acaba gerando um resultado mais severo por imprudência, negligência ou imperícia, típicas modalidades da culpa. O exemplo clássico de crime preterdoloso é o crime de lesão corporal seguida de morte. Nesse caso, o agente agride a vítima com a intenção de causar uma lesão, mas, de forma não intencional, acaba provocando sua morte. Ou seja, ele teve dolo na ação inicial – lesionar – mas não teve a intenção de ceifar a vida da vítima; o resultado morte decorreu de culpa.
Do ponto de vista dogmático, os crimes preterdolosos constituem uma terceira categoria entre os crimes dolosos e os crimes culposos, representando uma figura intermediária. A doutrina penal frequentemente discute as peculiaridades dessa classificação, pois trata-se de um conjunto de crimes que não se enquadram perfeitamente nas categorias tradicionais. Devido à sua natureza híbrida, o crime preterdoloso exige a análise de dois elementos subjetivos distintos no mesmo fato – o dolo na conduta e a culpa no resultado – o que pode tornar sua interpretação e aplicação desafiadora.
A identificação de um crime preterdoloso envolve, portanto, a verificação de que o agente não desejava o resultado mais grave, mas esse acabou ocorrendo por sua falta de cuidado. Isso afasta a aplicação da regra geral dos crimes dolosos, em que o resultado precisa ser querido ou assumido pelo agente. Também se distingue dos crimes puramente culposos, pois nestes tanto a conduta quanto o resultado são marcados pela ausência de dolo. Por isso, a responsabilização penal nos crimes preterdolosos só se justifica quando estiver comprovada a existência de dolo na ação inicial e de culpa no desdobramento do resultado.
No aspecto legal, os crimes preterdolosos são tipificados expressamente no Código Penal brasileiro. O legislador prevê tais crimes em tipos penais específicos, como é o caso da lesão corporal seguida de morte e do roubo qualificado pelo resultado morte. Exatamente por se tratarem de crimes de resultado e possuírem previsão legal específica, não se admite a tentativa nos crimes preterdolosos, uma vez que o resultado final, não sendo intencional, não pode ser antecipado ou pretendido pelo agente. Além disso, a pena aplicada em um crime preterdoloso é geralmente mais grave do que a de um crime doloso simples, refletindo a gravidade do resultado final, mesmo que este tenha ocorrido por culpa.
O estudo do crime preterdoloso é de grande importância no campo do direito penal, especialmente para a correta aplicação da sanção penal e para a compreensão do grau de reprovabilidade da conduta do agente. Ele demonstra a complexidade da ação humana sob análise jurídica e a necessidade de distinguir claramente os elementos subjetivos do tipo penal para assegurar a aplicação justa e proporcional da norma penal. Assim, a caracterização do crime preterdoloso serve como instrumento de responsabilização penal que busca equilibrar o dolo da conduta praticada e a culpa pelo resultado mais grave, dentro dos padrões de justiça e razoabilidade exigidos pelo ordenamento jurídico.