Confiança legítima é um princípio jurídico amplamente reconhecido, especialmente no âmbito do Direito Administrativo e Constitucional, que visa proteger os indivíduos da arbitrariedade e da imprevisibilidade nas relações com o poder público. Trata-se de um mecanismo que busca garantir a preservação das expectativas legítimas e razoáveis criadas nos administrados com base no comportamento da Administração Pública, bem como nas normas ou atos oficiais por ela emitidos. Este princípio tem como fundamento principal a segurança jurídica, que é essencial para a estabilidade das relações jurídicas e para a consolidação do Estado de Direito, pois confere previsibilidade às ações dos entes estatais.
No contexto prático, a confiança legítima protege o indivíduo contra mudanças abruptas, surpresas legislativas ou administrativas, ou a alteração de entendimentos e práticas que foram estabelecidos por longo tempo e legitimamente confiados pelos particulares. Em outras palavras, se o Estado ou qualquer ente governamental cria, por meio de seus atos, normas ou práticas, uma expectativa razoável de continuidade ou de manutenção de determinada situação, pode-se dizer que a confiança dos indivíduos que se basearam nessas condutas é protegida como legítima. O descumprimento ou a ruptura inesperada desta expectativa sem justificativa razoável ou sem transição adequada pode causar insegurança e, até mesmo, injustiças, o que torna necessário o recurso à observância do princípio.
A ideia central reside no equilíbrio entre o interesse público e os direitos dos particulares. Enquanto o Estado, por razões de sua soberania e do bem coletivo, pode alterar normas, práticas e entendimentos, é essencial que essa mudança leve em consideração a confiança que os cidadãos depositaram em situações anteriormente consolidadas. Nesse sentido, a confiança legítima proporciona uma espécie de limite ao poder discricionário dos entes públicos, exigindo que suas decisões respeitem os direitos adquiridos, as situações jurídicas constituídas e a estabilidade das relações, salvo quando houver forte fundamentação para legitimar uma alteração ou sua imediata aplicação.
Embora originado em tradições jurídicas europeias, principalmente no Direito Alemão, o princípio de confiança legítima tem sido incorporado e adaptado por diversos ordenamentos jurídicos, incluindo os países de tradição romano-germânica, nos quais se insere o Brasil. Em território nacional, o princípio está intimamente relacionado ao princípio da segurança jurídica, sendo frequentemente mencionado pela doutrina e jurisprudência. Ele não está positivado de forma expressa na Constituição Federal de 1988, mas é deduzido de preceitos constitucionais como o Estado Democrático de Direito e os princípios que regem a Administração Pública, notadamente a legalidade e a moralidade administrativa.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm reconhecido a confiança legítima como um norte interpretativo indispensável em casos que abarcam prerrogativas e limitações da Administração Pública. Em situações concretas, os tribunais frequentemente analisam circunstâncias onde o particular foi induzido a acreditar na continuidade de determinada decisão, política pública ou interpretação normativa, oferecendo, por vezes, reparação ou proteção contra os efeitos de alterações inesperadas que prejudiquem aqueles que agiram de boa-fé com base nessa expectativa.
Um aspecto igualmente relevante da confiança legítima está em sua ligação com a ideia de boa-fé objetiva, que exige que tanto o Estado quanto os administrados pautem seus comportamentos pela lealdade, pela transparência e pelo respeito mútuo. A boa-fé opera, assim, como um contraponto fundamental quando se discute a legitimidade da confiança depositada no Estado. Para que uma expectativa de confiança seja considerada legítima, é necessário que o indivíduo tenha agido de forma ética e que sua interpretação do comportamento estatal seja razoável.
Ainda que o princípio da confiança legítima seja um importante balizador das relações entre o Estado e os cidadãos, ele não é absoluto. Isto significa que, em algumas situações excepcionais, pode ser necessário que o interesse público prevaleça sobre a expectativa individual ou coletiva. Nesses casos, a Administração está obrigada a justificar adequadamente suas escolhas e a evitar medidas que resultem em danos arbitrários ou desproporcionais aos administrados. Em muitas ocasiões, para mitigar os efeitos prejudiciais, recorre-se a mecanismos como a transição gradual ou a concessão de prazos de adaptação para aqueles impactados por mudanças introduzidas pelo Estado.
Portanto, o princípio da confiança legítima se apresenta como um elemento indispensável para preservar a credibilidade das instituições públicas, a estabilidade das relações jurídicas e o respeito aos cidadãos em suas interações com o Estado. Ele não apenas protege direitos, mas também contribui para a previsibilidade das ações estatais, fortalecendo o pacto de confiança recíproco entre governantes e governados.