Bis in idem é uma expressão em latim que significa literalmente duas vezes pela mesma coisa. No âmbito jurídico, refere-se ao princípio segundo o qual ninguém pode ser punido mais de uma vez pelo mesmo fato. Este princípio é uma das garantias fundamentais do direito penal e processual penal, estando ligado diretamente à ideia de segurança jurídica, ao devido processo legal e à proteção contra o abuso do poder punitivo do Estado.
O bis in idem possui fundamento em diversas normativas jurídicas, tanto de natureza constitucional como infraconstitucional, sendo amplamente reconhecido nos sistemas jurídicos democráticos modernos. No Brasil, por exemplo, esse princípio encontra respaldo na Constituição Federal, mais precisamente no artigo 5o, inciso XXXVI, que trata do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, e também no inciso XXXIX, que estabelece que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Além disso, este princípio também se relaciona com o inciso LIV, que assegura o devido processo legal.
A aplicação do princípio do bis in idem impede que uma mesma pessoa seja processada ou punida mais de uma vez pelo mesmo fato delituoso. Isso significa que, uma vez que uma pessoa tenha sido julgada e condenada ou absolvida com trânsito em julgado — ou seja, sem possibilidade de novos recursos —, ela não pode ser novamente submetida à persecução penal pelo mesmo comportamento, ainda que a nova provocação tenha uma roupagem distinta ou alegue uma nova classificação jurídica do mesmo fato.
O princípio também se aplica em diferentes esferas do Direito, não apenas na penal. No Direito Administrativo, por exemplo, embora uma mesma conduta possa ensejar responsabilizações distintas — penal, civil e administrativa —, tal responsabilização deve respeitar os limites do bis in idem, ou seja, não se pode impor múltiplas sanções de idêntica natureza sobre o mesmo fato. Isso tem particular importância quando se trata de sanções disciplinares em contextos como o funcionalismo público ou o direito tributário.
Importa destacar que nem sempre a ocorrência de punições em diferentes esferas constituirá violação ao princípio do bis in idem. Em muitas situações, o ordenamento jurídico admite a responsabilização simultânea por um mesmo fato desde que sejam respeitados os fundamentos legais e que não haja sobreposição indevida de sanções da mesma natureza. O que se busca evitar é que exista duplicidade punitiva ilegítima, ou seja, que o mesmo sujeito seja punido mais de uma vez por um mesmo comportamento sob fundamentos idênticos e com penalidades que se sobreponham de maneira injustificável.
No âmbito internacional, o princípio do bis in idem também é reconhecido e estabelecido em diversas convenções e tratados de direitos humanos. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecido como Pacto de San José da Costa Rica, prevê em seu artigo 8o que ninguém pode ser processado ou punido mais de uma vez pelo mesmo fato, o que demonstra a importância do respeito a esse princípio em contextos de proteção internacional dos direitos fundamentais.
Além disso, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos também tem jurisprudência consolidada nesse sentido, no qual sustenta que uma segunda punição imposta em decorrência dos mesmos fatos previamente analisados e decididos por uma autoridade competente ofende o direito ao devido processo e à segurança jurídica.
Portanto, o bis in idem representa uma salvaguarda contra abusos punitivos e assegura ao cidadão o direito de não ser penalizado repetidamente pela mesma infração. Sua observância é essencial para a preservação da dignidade da pessoa humana, do equilíbrio entre o poder estatal e as liberdades individuais, e da confiança no sistema jurídico como um todo. Seu descumprimento pode representar violação a direitos fundamentais, tornando nulas ou ilegais as decisões ou sanções impostas em duplicidade.