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Advocacia Pública: Governança Algorítmica em Smart Cities

Artigo de Direito
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A Governança Algorítmica e o Papel da Advocacia Pública na Era das Cidades Inteligentes

A Transformação Digital da Administração Pública

A administração pública contemporânea atravessa uma mudança de paradigma que transcende a mera digitalização de documentos físicos. Estamos diante da implementação de sistemas de governança algorítmica, onde decisões administrativas, antes tomadas exclusivamente por servidores humanos, passam a ser mediadas ou totalmente executadas por sistemas automatizados e inteligência artificial. Para o profissional do Direito, compreender essa transição é vital, pois ela altera a natureza do ato administrativo e desafia princípios constitucionais basilares.

O conceito de cidades inteligentes, ou *smart cities*, depende intrinsecamente da coleta massiva de dados e do processamento dessas informações por algoritmos para otimizar serviços públicos. Isso abrange desde a gestão semafórica baseada em fluxo em tempo real até a seleção de contribuintes para fiscalização tributária ou a concessão automática de benefícios sociais. A eficiência, princípio consagrado no artigo 37 da Constituição Federal, ganha um novo contorno tecnológico.

No entanto, a busca pela eficiência não pode atropelar a legalidade. A introdução de algoritmos na esfera pública municipal exige uma atuação vigilante da advocacia pública. O procurador municipal deixa de ser apenas um defensor do ente em juízo e passa a atuar como um garantidor da juridicidade dos sistemas tecnológicos adquiridos ou desenvolvidos pelo município. É uma nova fronteira para o Direito Administrativo.

Para atuar com excelência neste cenário, o advogado precisa dominar conceitos que misturam tecnologia e regulação. Aprofundar-se em temas como a proteção de dados e a regulação de novas tecnologias é essencial. Um curso como a Pós-Graduação em Direito Digital oferece a base teórica necessária para compreender como as normas jurídicas se aplicam a esse ambiente virtualizado e automatizado.

O Ato Administrativo Algorítmico e o Dever de Motivação

Um dos pontos de maior tensão na governança algorítmica reside na teoria do ato administrativo. Tradicionalmente, todo ato administrativo, especialmente os que restringem direitos ou impõem sanções, deve ser motivado. A motivação é a exposição dos pressupostos de fato e de direito que fundamentam a decisão. Contudo, como motivar uma decisão tomada por um algoritmo de aprendizado de máquina, muitas vezes operando sob a lógica de “caixa preta” (*black box*)?

Se um sistema municipal nega automaticamente um alvará de funcionamento ou indefere uma isenção fiscal baseando-se em correlações de dados obscuras, há uma violação potencial do contraditório e da ampla defesa. O cidadão tem o direito de saber exatamente por que seu pleito foi negado para que possa recorrer de maneira eficaz. A opacidade algorítmica não pode servir de escudo para a arbitrariedade estatal.

A advocacia pública deve garantir que os contratos administrativos de aquisição de software prevejam mecanismos de explicabilidade (*explainability*). Não basta que o sistema funcione; ele deve ser auditável. A ausência de transparência sobre os critérios utilizados pelo algoritmo pode levar à anulação de milhares de atos administrativos pelo Poder Judiciário, gerando um passivo enorme para o erário e insegurança jurídica para os administrados.

Viés Algorítmico e o Princípio da Impessoalidade

O princípio da impessoalidade dita que a administração não pode agir com favoritismos nem perseguições. Teoricamente, um algoritmo seria a ferramenta perfeita para garantir a impessoalidade, pois trataria todos os dados de forma fria e objetiva. Entretanto, a prática demonstra que algoritmos podem reproduzir e até amplificar preconceitos estruturais existentes na sociedade, dependendo de como foram programados e das bases de dados utilizadas para seu treinamento.

Se um algoritmo preditivo de criminalidade direciona o policiamento ostensivo apenas para bairros periféricos baseando-se em dados históricos de prisões enviesadas, o Estado está, na prática, automatizando a discriminação. Da mesma forma, algoritmos de triagem na saúde ou na educação podem excluir grupos vulneráveis se não forem desenhados com critérios éticos e jurídicos rigorosos desde a sua concepção (*privacy by design* e *ethics by design*).

Cabe ao corpo jurídico do município realizar a análise de impacto regulatório e de proteção de dados antes da implementação dessas tecnologias. É preciso verificar se as variáveis utilizadas pelo sistema não ferem direitos fundamentais. A compreensão profunda do Direito Público Aplicado é indispensável para identificar onde a tecnologia pode estar violando princípios constitucionais sob o disfarce de neutralidade técnica.

A LGPD e o Direito à Revisão de Decisões Automatizadas

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018) trouxe um instrumento poderoso para o cidadão frente à governança algorítmica: o artigo 20. Este dispositivo garante ao titular dos dados o direito de solicitar a revisão de decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais que afetem seus interesses. Isso inclui decisões destinadas a definir o seu perfil pessoal, profissional, de consumo e de crédito.

No contexto municipal, isso se aplica diretamente. Se um sistema automatizado define o valor do IPTU ou a elegibilidade para um programa de habitação social, o município deve estar preparado para fornecer uma revisão dessa decisão. A advocacia pública deve orientar a administração para que existam canais adequados para o exercício desse direito e, mais importante, para que haja intervenção humana qualificada no processo de revisão.

A simples reprocessamento pelo mesmo algoritmo não satisfaz a exigência legal de revisão, segundo a interpretação majoritária da doutrina. É necessário que um servidor público humano, com competência para tal, analise os critérios utilizados. Isso impõe um desafio organizacional para as prefeituras, que muitas vezes buscam a automação justamente para reduzir a necessidade de mão de obra. O jurídico deve equilibrar essa equação, garantindo a conformidade com a LGPD sem inviabilizar a modernização.

Responsabilidade Civil do Estado por Erro Algorítmico

A responsabilidade civil do Estado, prevista no artigo 37, §6º da Constituição Federal, é objetiva na modalidade de risco administrativo. Isso significa que o Estado responde pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. Mas quem é o “agente” quando o erro é cometido por uma Inteligência Artificial?

Se um semáforo inteligente falha e causa um acidente grave, ou se um sistema de saúde nega erroneamente um medicamento urgente, o Município será responsabilizado. A discussão jurídica se torna complexa no âmbito da ação de regresso. O ente público poderá denunciar à lide a empresa desenvolvedora do software?

Para que o direito de regresso seja viável, o contrato administrativo e o termo de referência da licitação devem ser extremamente bem elaborados. A advocacia pública precisa prever cláusulas claras de responsabilidade técnica e níveis de serviço (SLA). Se o erro decorrer de “alucinação” da IA ou de falha de programação, o fornecedor deve responder. Se o erro decorrer de dados ruins inseridos pelos servidores municipais (o conceito de *garbage in, garbage out*), a responsabilidade recai sobre a própria administração.

O Devido Processo Tecnológico

Surge na doutrina o conceito de “Devido Processo Tecnológico”. Trata-se de uma releitura do *Due Process of Law* aplicável à era digital. Ele postula que o Estado não pode utilizar tecnologias que o cidadão não possa compreender ou contestar. A tecnologia não pode ser um oráculo inquestionável.

A advocacia pública municipal atua como guardiã desse devido processo. Isso envolve participar ativamente da fase de planejamento das contratações de TI. O advogado público não pode ser chamado apenas para assinar o parecer final de uma licitação já formatada pela área técnica. Ele deve integrar equipes multidisciplinares para assegurar que a solução tecnológica respeite o ordenamento jurídico desde o início.

Isso exige uma postura proativa e consultiva. A advocacia preventiva evita litígios futuros e garante que o dinheiro público seja investido em soluções que sejam não apenas eficientes, mas também legais e éticas. A ausência dessa análise jurídica prévia pode resultar em sistemas milionários que acabam sendo judicializados e suspensos, gerando prejuízo duplo à sociedade.

Licitações e Contratos de Inovação

A Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) e o Marco Legal das Startups trouxeram novos instrumentos como o Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI). Esses mecanismos permitem que a administração pública teste soluções em ambiente controlado antes de escalar a contratação.

Para a advocacia pública, isso representa a oportunidade de testar a governança algorítmica em pequena escala, avaliando seus riscos jurídicos antes de uma implementação total. O advogado deve saber instrumentar juridicamente esses “sandboxes regulatórios”, criando um ambiente seguro para a inovação sem descuidar do interesse público e da legalidade.

A correta aplicação desses institutos jurídicos requer um conhecimento técnico apurado, não apenas da lei seca, mas da dinâmica dos negócios digitais e da propriedade intelectual envolvida nos softwares governamentais. A soberania digital do município também entra em pauta: os dados gerados pelos cidadãos devem permanecer sob controle do ente público, e não da empresa contratada.

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Insights Jurídicos

A governança algorítmica não é o futuro, é o presente da administração pública. O profissional que ignora essa realidade corre o risco de se tornar obsoleto. A chave para a atuação jurídica nesta área não é tentar frear o avanço tecnológico, mas sim domesticá-lo através das lentes constitucionais. O algoritmo deve servir à Constituição, e não o contrário.

Um ponto crucial é a documentação da arquitetura decisória. Advogados devem exigir que a administração mantenha registros claros de como os algoritmos foram configurados e quais foram os critérios de decisão em cada versão do software. Isso é fundamental para a defesa do município em juízo e para a auditoria dos tribunais de contas. A “memória administrativa” agora reside em códigos-fonte e logs de sistema.

Por fim, a interdisciplinaridade é inevitável. O diálogo entre o Direito e a Ciência de Dados deve ser constante. Pareceres jurídicos sobre temas tecnológicos devem ser construídos com suporte técnico, traduzindo a linguagem da programação para a linguagem dos direitos fundamentais. A segurança jurídica na era digital depende dessa tradução bem-feita.

Perguntas e Respostas

1. O que é o direito à explicação em decisões administrativas automatizadas?

Resposta: É o direito do administrado de saber quais critérios e dados foram utilizados por um algoritmo para tomar uma decisão que lhe afeta. Decorre do dever de motivação dos atos administrativos e do princípio do contraditório, sendo reforçado pelo artigo 20 da LGPD, que garante o fornecimento de informações claras sobre os critérios e procedimentos utilizados na decisão automatizada.

2. O município pode ser responsabilizado por um viés discriminatório de um algoritmo?

Resposta: Sim. A responsabilidade civil do Estado é objetiva (Art. 37, §6º da CF). Se um algoritmo utilizado pela administração pública causar danos a um grupo ou indivíduo devido a viés discriminatório (racial, social, de gênero), o ente público deve indenizar a vítima. Posteriormente, o Estado pode buscar regresso contra a empresa desenvolvedora se comprovada culpa ou dolo na programação.

3. Como a Nova Lei de Licitações afeta a contratação de algoritmos pelo poder público?

Resposta: A Lei nº 14.133/2021 modernizou as contratações, permitindo modalidades como o Diálogo Competitivo, ideal para contratar soluções tecnológicas complexas onde a administração sabe o problema, mas não a solução exata. Ela exige maior rigor no planejamento e na gestão de riscos, o que inclui a avaliação de riscos jurídicos e éticos de softwares de IA.

4. A automação administrativa elimina a discricionariedade do gestor público?

Resposta: Em parte. A automação tende a transformar atos discricionários em atos vinculados a parâmetros pré-definidos no código. Isso reduz o espaço para subjetividades no momento da decisão caso a caso, mas desloca a discricionariedade para o momento da programação do sistema (discricionariedade de design). A advocacia pública deve garantir que essa vinculação algorítmica não viole a necessidade de análise das peculiaridades de casos concretos.

5. Qual o papel da advocacia pública na proteção de dados dos cidadãos nas Smart Cities?

Resposta: A advocacia pública atua como fiscal da conformidade com a LGPD. Ela deve analisar os contratos com fornecedores de tecnologia para garantir que a coleta de dados seja minimizada (princípio da necessidade), que haja segurança da informação e que a soberania dos dados permaneça com o poder público, evitando o uso comercial indevido de dados dos cidadãos por empresas privadas contratadas.

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Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-18/advocacia-publica-municipal-e-a-governanca-algoritmica-das-cidades/.

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