A Prescrição Intercorrente no Processo Administrativo Sancionador: O Embate entre a Lei Federal e o Decreto 20.910/32
O exercício do poder punitivo pelo Estado, conhecido doutrinariamente como jus puniendi, não é absoluto nem atemporal. Em um Estado Democrático de Direito, a segurança jurídica impõe limites claros à atuação da Administração Pública, impedindo que cidadãos e empresas fiquem sujeitos à ameaça de sanção indefinidamente. É neste contexto que surge a figura da prescrição, um instituto fundamental para a estabilização das relações jurídicas.
Dentro do espectro prescricional, a modalidade intercorrente gera os debates mais técnicos e desafiadores nos tribunais superiores. Diferente da prescrição ordinária, que fulmina a pretensão punitiva antes da instauração do processo, a prescrição intercorrente ocorre no curso do procedimento administrativo. Ela se manifesta quando o processo permanece paralisado por tempo excessivo, revelando uma ineficiência estatal que viola a garantia constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF).
No âmbito federal, a regra é clara: a Lei nº 9.873/1999 estabelece, em seu artigo 1º, § 1º, que incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho. Contudo, a advocacia prática enfrenta seu maior desafio quando a discussão se desloca para Estados e Municípios.
O “Elefante na Sala”: O Decreto nº 20.910/1932 e a Jurisprudência do STJ
A grande controvérsia reside na aplicabilidade da Lei nº 9.873/1999 aos entes subnacionais. Muitos advogados argumentam pela aplicação automática ou analógica da lei federal na ausência de lei local. Entretanto, essa é uma visão otimista que esbarra em um obstáculo jurisprudencial robusto: o Decreto nº 20.910/1932.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui entendimento consolidado de que, dada a autonomia federativa, a Lei nº 9.873/1999 não se aplica diretamente a Estados e Municípios. Na ausência de lei local específica regulando a prescrição intercorrente, a jurisprudência dominante tende a aplicar o prazo geral de cinco anos previsto no Decreto nº 20.910/32.
O problema prático é severo: historicamente, o Decreto de 1932 regula a prescrição do fundo de direito, e muitos tribunais entendem que ele não prevê a figura da prescrição intercorrente. Isso cria um cenário perigoso onde a Fazenda Pública argumenta que, sem lei local expressa, o processo administrativo poderia, em tese, durar cinco anos entre cada ato sem prescrever, ou que a intercorrente sequer existiria.
Para enfrentar essa “pedreira” processual, o advogado não pode se limitar a citar a lei federal. É necessário construir teses baseadas em princípios constitucionais e normas modernas, como a Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), que reforça a vedação ao comportamento abusivo da administração.
Dominar essas distinções entre a aplicação do Decreto de 1932 e as teses de defesa baseadas na Lei 9.873/99 é essencial. Para profissionais que desejam aprofundar-se nessas nuances, a Pós-Graduação Prática em Direito Administrativo oferece o embasamento necessário para não ser surpreendido pela jurisprudência defensiva dos tribunais.
O Que Configura a Inércia: Rigor Técnico na Análise dos Atos
Para a caracterização da prescrição intercorrente, não basta o simples transcurso do tempo. É necessário comprovar a inércia injustificada da Administração. A lei federal menciona a paralisação “pendente de julgamento ou despacho”. Mas o que qualifica um ato como interruptivo?
A jurisprudência exige que o ato seja inequívoco na apuração do fato. Despachos de mero expediente não interrompem a prescrição. O advogado deve auditar os autos em busca de “falsos movimentos” que a Administração utiliza para tentar maquiar a inércia.
Não interrompem o prazo prescricional atos como:
- Meros encaminhamentos de autos (“ao setor competente”, “aguarde-se”);
- Reiteração de ofícios já expedidos sem novidade fática;
- Pareceres opinativos que não agregam novos elementos de prova ou decisão;
- Despachos que apenas deferem pedidos de dilação de prazo feitos pela defesa.
É crucial notar também a responsabilidade pela demora. Se a paralisação decorre de atos protelatórios exclusivos da defesa ou de incidentes provocados pelo administrado, não se configura a prescrição intercorrente.
Microssistemas: Cuidado com a Generalização
Outro erro comum é tratar o “Direito Administrativo Sancionador” como um bloco monolítico. A estratégia de defesa muda conforme o microssistema jurídico da infração.
- Trânsito (CTB): Possui regramento próprio e resoluções do CONTRAN sobre prazos;
- Ambiental: Segue o Decreto Federal nº 6.514/2008, que replica a lógica da Lei 9.873/99, mas possui especificidades sobre a conciliação ambiental;
- Improbidade Administrativa: A nova Lei nº 14.230/2021 trouxe regras rígidas e específicas de prescrição intercorrente que não se confundem com o processo administrativo comum.
Portanto, antes de alegar a analogia da lei federal geral, verifique se não há um estatuto específico (estadual ou municipal) ou uma lei nacional setorial que regule a matéria.
Estratégias de Defesa e a Ausência de Lei Local
No cenário onde o Município ou Estado não possui lei de processo administrativo (o que é comum), o conflito se estabelece: Aplicação analógica da Lei 9.873/99 (3 anos) em favor do réu versus Aplicação do Decreto 20.910/32 (5 anos) em favor do Fisco.
A defesa técnica deve:
- Prequestionar a matéria constitucional da razoável duração do processo e da segurança jurídica desde a via administrativa;
- Demonstrar que a aplicação pura do Decreto 20.910/32 sem reconhecer a prescrição intercorrente geraria a imprescritibilidade prática da sanção, o que é vedado pelo STF (RE 636.886 – Tema 899, por analogia);
- Utilizar a Lei de Liberdade Econômica para argumentar que o silêncio administrativo não pode prejudicar o administrado.
O Poder Judiciário tem atuado como garantidor, mas a vitória não é automática. Exige-se um manejo preciso de ações como o Mandado de Segurança ou a Ação Anulatória. Para advogados que buscam especialização no contencioso, cursos como o de Advocacia Cível – Recurso Especial são vitais para entender como levar essas teses ao STJ, superando as barreiras de admissibilidade.
Em suma, a prescrição intercorrente é um terreno de disputa intenso. A tese da “aplicação automática” da lei federal é um ponto de partida, mas não o ponto de chegada. O advogado de excelência deve estar preparado para o embate contra a aplicação subsidiária do Decreto de 1932.
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Insights sobre o Tema
A análise crítica demonstra que a “lacuna legislativa” local é uma faca de dois gumes. Enquanto a defesa busca a analogia in bonam partem da lei federal (3 anos), a Procuradoria buscará a aplicação do Decreto de 1932 (5 anos). O insight crucial para o advogado é não confiar cegamente na tese da isonomia, mas sim focar na natureza do ato interruptivo e na impossibilidade constitucional de sanções perpétuas. Além disso, a auditoria dos autos deve focar em diferenciar atos de impulsionamento real de meros “carimbos” burocráticos.
Perguntas e Respostas
1. O STJ aceita pacificamente a aplicação da Lei 9.873/99 para Estados e Municípios?
Não. A jurisprudência predominante no STJ respeita a autonomia federativa e, na ausência de lei local, tende a aplicar o Decreto nº 20.910/1932 (prazo de 5 anos), muitas vezes rejeitando a prescrição intercorrente trienal se não houver previsão local expressa.
2. O que é o Decreto nº 20.910/1932 e por que ele é importante?
É a norma geral que regula a prescrição das dívidas da Fazenda Pública (União, Estados e Municípios). Ele prevê o prazo de 5 anos. É a principal “arma” dos entes públicos para afastar a aplicação do prazo de 3 anos da lei federal em processos locais.
3. Um despacho dizendo “Encaminhe-se para parecer” interrompe a prescrição?
Em regra, não. A jurisprudência entende que despachos de mero expediente ou ordinatórios, que não possuem conteúdo decisório nem apuram fatos novos, não têm o condão de interromper o curso do prazo prescricional.
4. Existe prescrição intercorrente em processos de trânsito ou ambientais?
Sim, mas cuidado: eles são microssistemas. Processos de trânsito seguem o CTB e resoluções específicas. Processos ambientais federais seguem o Decreto 6.514/08. Sempre verifique a legislação setorial antes de aplicar a regra geral.
5. A Lei de Liberdade Econômica ajuda na tese da defesa?
Sim. A Lei nº 13.874/2019 reforça princípios de proteção ao administrado contra a morosidade estatal, servindo como argumento moderno para combater a tese de que a ausência de lei local permite processos eternos.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 9.873/1999
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-15/norma-federal-nao-resolve-prescricao-intercorrente-para-estados-e-municipios-diz-stj/.