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Compliance Jurídico: Riscos Atuais e Futuro da Advocacia

Artigo de Direito
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A Evolução do Conceito de Integridade nas Corporações: Da Teoria à Prática Forense

O Direito Empresarial contemporâneo atravessa uma fase de profunda transformação axiológica e estrutural. A conformidade, ou compliance, deixou de ser um mero apêndice burocrático destinado a cumprir formalidades regulatórias para se posicionar como o sistema nervoso central da governança corporativa. No entanto, para o operador do Direito, compreender essa mudança exige ir além da superfície.

Não se trata apenas de evitar sanções, mas de estruturar a continuidade da atividade empresarial em um ambiente onde as instâncias administrativas, cíveis e penais são independentes e, muitas vezes, conflitantes. A Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) introduziu a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas, mas trouxe consigo o desafio do “efeito bumerangue”: informações cedidas em uma esfera administrativa podem municiar o Ministério Público em uma ação penal.

O advogado deixa de ser apenas um bombeiro ou um arquiteto; ele se torna um estrategista processual. A advocacia preventiva de alto nível exige a construção de programas de integridade que resistam ao escrutínio judicial, servindo como barreira de contenção contra a expansão punitiva do Estado.

Os Pilares de um Programa de Compliance Efetivo e o Ônus Probatório

A eficácia de um programa de compliance, regulamentada pelo Decreto nº 11.129/2022, é o critério central para a mitigação de penas. Contudo, na prática forense, o “papel aceita tudo”. O desafio jurídico não é provar que as políticas existem formalmente, mas demonstrar materialidade e autonomia.

O Suporte da Alta Administração: Mais do que atas e comunicados, o suporte deve ser traduzido em dotação orçamentária e independência funcional. Juridicamente, a ausência de autonomia financeira do departamento de compliance pode ser interpretada como uma simulação, agravando a responsabilização da pessoa jurídica.

O Risco do Compliance Officer (CCO): Um ponto crítico frequentemente ignorado é a responsabilidade penal do próprio gestor de compliance. Há uma crescente discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a posição do CCO como “garantidor” (art. 13, § 2º, do CP), podendo responder por omissão imprópria caso falhe em seu dever de agir para evitar o resultado ilícito. O advogado deve estruturar o programa protegendo também o CPF do profissional responsável.

Para profissionais que buscam entender a dogmática por trás dessa estruturação e a proteção jurídica necessária, o estudo aprofundado na Iniciação a Compliance Empresarial oferece a base técnica para transformar teoria em blindagem jurídica real.

Investigações Internas: O Conflito Constitucional

A condução de investigações corporativas é um campo minado. O texto legal exige mecanismos de denúncia, mas a prática esbarra no princípio constitucional do nemo tenetur se detegere (o direito de não produzir provas contra si mesmo).

O advogado corporativo enfrenta o dilema entre o dever de colaboração do empregado (vínculo trabalhista) e o direito ao silêncio (garantia penal). Uma entrevista corporativa conduzida sem as devidas cautelas — similar a um Miranda Warning adaptado — pode contaminar a prova, tornando-a imprestável em juízo ou gerando passivos trabalhistas por assédio e danos morais. A validade da prova depende de uma cadeia de custódia rigorosa e do respeito às garantias fundamentais, sob pena de nulidade.

A Intersecção com a Proteção de Dados e Novas Tecnologias

A conformidade não ocorre em um vácuo analógico. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) adicionou complexidade ao compliance. O tratamento de dados tornou-se uma atividade de risco. O desafio para o advogado moderno é integrar o programa anticorrupção com a governança de dados, onde violações podem ensejar responsabilidade civil e administrativa perante a ANPD.

Além disso, o uso de Inteligência Artificial e algoritmos de decisão traz à tona novas responsabilidades civis e éticas, exigindo que o compliance digital preveja respostas a incidentes de segurança que estejam alinhadas aos princípios da necessidade e adequação.

O Fenômeno ESG: Quando o Soft Law vira Hard Law

A sigla ESG (Environmental, Social and Governance) representa uma evolução necessária, mas juridicamente perigosa se mal compreendida. Estamos vivenciando a judicialização de compromissos voluntários. O que antes era Soft Law (normas voluntárias e compromissos de marketing) está sendo convertido pelo Judiciário em Hard Law (obrigações vinculantes).

  • Ambiental (E): Remete à Lei de Crimes Ambientais e à responsabilidade civil objetiva e solidária.
  • Social (S): Envolve a vigilância da cadeia produtiva para evitar trabalho análogo à escravidão e discriminação, sob risco de responsabilização direta da contratante.
  • Governança (G): A publicidade de metas de sustentabilidade que não correspondem à realidade pode caracterizar greenwashing. Isso gera riscos de ações civis públicas por publicidade enganosa e danos morais coletivos, além de litígios com investidores (climate litigation).

O advogado deve alertar que, no momento em que uma meta ESG é publicada, ela pode se tornar uma confissão de dívida ou uma obrigação contratual perante o mercado e a sociedade.

A Criminalização da Atividade Empresarial e a Defesa Técnica

O cenário de conformidade está intrinsecamente ligado à expansão do Direito Penal Econômico. A teoria da Cegueira Deliberada (Willful Blindness) tem sido importada do direito anglo-saxão e aplicada por tribunais brasileiros, muitas vezes de forma controversa, para responsabilizar gestores que criam barreiras para não tomar conhecimento de ilícitos.

Embora a compatibilidade dessa teoria com o dolo eventual do nosso sistema penal seja objeto de intenso debate acadêmico, na prática, ela é utilizada pela acusação. O advogado deve orientar seus clientes de que a alegação de “não sabia” é cada vez menos aceita. Nesse contexto, o programa de compliance documentado serve como a principal evidência de boa-fé e de ausência de dolo, fundamental para descaracterizar a responsabilidade subjetiva dos dirigentes.

Desafios Institucionais e Insegurança Jurídica

Apesar dos avanços, a insegurança jurídica é um risco palpável. O Brasil vive um conflito de competência entre órgãos de controle (TCU, CGU, AGU, MPF e CADE) sobre a legitimidade para celebrar e revisar acordos de leniência.

O profissional deve navegar nesse terreno movediço sabendo que um acordo celebrado em uma instância pode não garantir a imunidade em outra. A estabilidade das relações jurídicas depende de uma interpretação coerente, mas, enquanto ela não se consolida, a estratégia de defesa deve considerar o pior cenário em todas as frentes. Programas de fachada (sham compliance) são rapidamente identificados e utilizados como agravantes de pena, demonstrando dolo qualificado da organização.

M&A e a Nova Lei de Licitações

Nas operações de fusões e aquisições (M&A), a due diligence de compliance é mandatória devido à sucessão da responsabilidade objetiva por multas e atos lesivos. Ignorar passivos éticos pode contaminar o patrimônio do adquirente.

Adicionalmente, a Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) tornou a implementação de programas de integridade obrigatória para contratações de grande vulto com a Administração Pública. O compliance deixou de ser um diferencial de mercado para se tornar uma condição de habilitação jurídica para contratar com o Estado.

O Papel Estratégico do Advogado no Novo Cenário

O advogado corporativo deixa de ser apenas um consultor de leis para se tornar um gestor de riscos complexos. A capacidade de traduzir normas em processos que protejam a empresa e seus executivos — sem paralisar o negócio — é uma competência rara.

O futuro da advocacia nesta área exige uma visão holística que integre Direito Penal, Administrativo, Trabalhista e Societário. A interpretação da norma à luz dos princípios constitucionais e a defesa técnica intransigente são as únicas ferramentas capazes de equilibrar a balança diante do poder punitivo do Estado.

Quer dominar a implementação técnica de programas de integridade e entender as nuances jurídicas que separam um programa efetivo de um risco processual? Conheça nosso curso Iniciação a Compliance Empresarial.

Insights Jurídicos

  • A conformidade efetiva é uma tese de defesa indispensável, mas deve ser comprovada com materialidade (orçamento e autonomia), não apenas documentalmente.
  • O “efeito bumerangue” entre instâncias administrativas e penais exige uma estratégia de defesa unificada para evitar que a colaboração em uma esfera gere condenação na outra.
  • A responsabilidade do Compliance Officer por omissão imprópria é um risco real; o programa deve blindar também o profissional de conformidade.
  • Compromissos ESG voluntários (Soft Law) podem se transformar em obrigações legais (Hard Law) através do Direito do Consumidor e Civil, gerando riscos de litígio por greenwashing.

Perguntas e Respostas

1. O programa de compliance garante imunidade penal para os sócios?

Não. A responsabilidade penal é subjetiva. O programa de compliance auxilia a demonstrar a boa-fé e a ausência de dolo da empresa e de seus gestores, servindo como forte elemento de defesa para afastar a acusação de cegueira deliberada ou omissão, mas não concede imunidade automática.

2. Qual é o risco jurídico de um programa de compliance “de papel”?

O risco é duplo: além de não proteger a empresa, o programa de fachada pode ser utilizado pelo Ministério Público ou órgãos de controle como prova de má-fé e dolo, agravando significativamente as sanções aplicadas e a responsabilidade dos dirigentes.

3. Como a Nova Lei de Licitações impacta o compliance?

A Lei nº 14.133/2021 exige a implementação de programas de integridade para licitações de grande vulto (acima de R$ 200 milhões). Isso torna o compliance um requisito legal de habilitação, e não mais apenas uma boa prática, para empresas que atuam no setor de infraestrutura e grandes obras.

4. O Compliance Officer pode ser responsabilizado criminalmente?

Sim. Se o Compliance Officer tiver poder de gestão e o dever jurídico de evitar o resultado (posição de garantidor), ele pode responder penalmente por omissão imprópria caso tenha ciência do ilícito e não atue para impedi-lo ou reportá-lo, conforme sua autonomia e as normas da empresa.

5. As investigações internas podem ser usadas contra os funcionários?

Sim, mas com ressalvas jurídicas importantes. Se a investigação não respeitar garantias fundamentais, como a não autoincriminação, a prova pode ser anulada em juízo. Há uma tensão constante entre o dever trabalhista de colaborar e o direito constitucional de não produzir prova contra si.

Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.

Acesse a lei relacionada em Lei nº 12.846/2013

Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-12/compliance-em-2025-inovacoes-e-retrocessos/.

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