A Impenhorabilidade de Salários e Aposentadorias: Análise Estratégica e Jurisprudencial no Processo de Execução
A execução civil e trabalhista no ordenamento jurídico brasileiro vive um eterno tensionamento entre dois vetores constitucionais. De um lado, a tutela jurisdicional efetiva, que garante ao credor a satisfação de seu crédito. Do outro, o princípio da dignidade da pessoa humana e o conceito de mínimo existencial, que protegem o patrimônio indispensável à subsistência do devedor.
Embora o Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 833, inciso IV, estabeleça a impenhorabilidade de vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações e proventos de aposentadoria, a prática forense contemporânea exige uma leitura muito além da literalidade da lei. Compreender as nuances do cumprimento de sentença é vital para não navegar às cegas em um mar de exceções jurisprudenciais.
O Divisor de Águas: A Relativização da Regra pelo STJ e o EREsp 1.582.475/MG
Durante muito tempo, vigorou o entendimento de que a impenhorabilidade de salários e aposentadorias só poderia ser afastada nas hipóteses expressas do § 2º do artigo 833: pagamento de prestação alimentícia ou valores excedentes a 50 salários-mínimos mensais.
Contudo, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) promoveu uma mudança paradigmática no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial (EREsp) nº 1.582.475/MG. Neste leading case, relatado pelo Ministro Og Fernandes, consolidou-se o entendimento de que a regra da impenhorabilidade pode ser mitigada mesmo para verbas inferiores a 50 salários-mínimos, desde que a medida não comprometa a subsistência digna do devedor e de sua família.
Isso significa que o advogado do credor não deve se limitar ao teto legal. É possível pleitear a penhora de percentuais (como 10%, 15% ou 20%) da verba salarial ou previdenciária, desde que se demonstre, no caso concreto, que aquela constrição não fere o mínimo existencial.
O “Mínimo Existencial” e a Analogia com o Empréstimo Consignado
O conceito de mínimo existencial é indeterminado, mas os tribunais têm buscado parâmetros objetivos para sua aplicação. Uma das analogias mais frequentes na fundamentação de decisões que autorizam a penhora parcial é a utilização da Lei nº 10.820/2003 (Lei do Empréstimo Consignado).
O raciocínio judicial muitas vezes segue a seguinte lógica: se o devedor pode, voluntariamente, comprometer até 30% ou 35% de sua renda com empréstimos, por que o Judiciário não poderia constringir percentual semelhante para quitar uma dívida inadimplida?
Para a defesa do executado, o combate a essa analogia é crucial. Deve-se argumentar que a contratação voluntária pressupõe planejamento financeiro, enquanto a constrição judicial forçada ignora despesas ocultas (medicamentos não fornecidos pelo SUS, aluguel informal, apoio a familiares) que compõem a realidade fática do devedor, muitas vezes já superendividado.
Matéria de Ordem Pública e a Questão da Preclusão
Um ponto de frequente equívoco técnico diz respeito ao momento de arguição da impenhorabilidade. O artigo 854, § 3º, do CPC estipula o prazo de 5 dias para o executado comprovar que as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis.
No entanto, a impenhorabilidade absoluta prevista no art. 833 é considerada pela doutrina majoritária e jurisprudência como matéria de ordem pública. Isso implica que, em tese, ela não sofre preclusão temporal e pode ser arguida a qualquer momento antes da transferência dos valores ao credor, podendo inclusive ser conhecida de ofício pelo juiz.
O STJ (ex: AgInt no AREsp 1.340.276) já se manifestou no sentido de admitir a alegação tardia, dada a natureza alimentar da verba. Contudo, a estratégia processual segura não deve contar com a benevolência judicial: o advogado diligente deve apresentar a defesa no prazo legal para evitar tumulto processual e a liberação indevida do alvará.
A Rigidez da Justiça do Trabalho e as Medidas Atípicas (Art. 139, IV)
Na esfera trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) mantém uma postura mais conservadora, refletida na Orientação Jurisprudencial nº 153 da SDI-II. A tendência é vetar a penhora de salários para dívidas que não sejam estritamente alimentares, a menos que ultrapassem os 50 salários-mínimos.
Porém, diante da frustração da penhora de bens clássicos, ganha força o debate sobre as Medidas Executivas Atípicas, baseadas no Art. 139, inciso IV, do CPC. O Supremo Tribunal Federal, na ADI 5941, validou a constitucionalidade de medidas como a apreensão de CNH e passaporte, bem como bloqueio de cartões de crédito, desde que respeitados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Assim, se a penhora do salário for barrada pela OJ 153, o credor trabalhista (e cível) possui em seu arsenal o pedido de medidas coercitivas indiretas para pressionar o devedor ao pagamento.
Ônus da Prova: Do “Snapshot” ao “Filme” Financeiro
Para vencer a batalha sobre a impenhorabilidade, a produção probatória deve ser cirúrgica:
- Para o Devedor: Não basta juntar o extrato do dia do bloqueio. É necessário demonstrar a essencialidade da verba. Planilhas de gastos, receitas médicas, contratos de aluguel e a demonstração de que aquele valor bloqueado é consumido integralmente pela sobrevivência são indispensáveis para configurar a proteção do patrimônio mínimo.
- Para o Credor: A estratégia deve ir além do bloqueio via Sisbajud. Deve-se requerer a análise do fluxo financeiro (extratos pretéritos) para identificar se há acumulação de capital (poupança) ou desvio de finalidade. Se o devedor acumula meses de salário sem utilizar, essa “sobra” perde o caráter alimentar e torna-se penhorável. Além disso, a quebra de sigilo pode revelar movimentações atípicas que denotem fraude à execução.
Para aprofundar-se nas técnicas recursais necessárias quando o juízo de piso nega ou defere essas medidas, recomenda-se o estudo das táticas de Advocacia Cível e Recurso Especial, visto que a uniformização desses temas ocorre nas cortes superiores.
Conclusão
A impenhorabilidade de salários e aposentadorias deixou de ser uma regra matemática e absoluta para se tornar um campo de batalha probatório e argumentativo. O sucesso na execução ou na defesa depende menos da letra fria da lei e mais da capacidade do advogado de demonstrar, no caso concreto, a presença (ou ausência) do comprometimento do mínimo existencial, utilizando precedentes qualificados como o EREsp 1.582.475/MG.
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Perguntas e Respostas Rápidas
1. O banco pode descontar 100% do meu salário para cobrir o cheque especial?
Não. O STJ (Súmula 603) veda a retenção integral do salário para cobrir saldo devedor de cheque especial, considerando a prática abusiva. O banco deve buscar a via judicial ou o acordo, respeitando a natureza alimentar da verba.
2. O que decidiu o STJ no EREsp 1.582.475/MG?
A Corte Especial decidiu que a regra da impenhorabilidade pode ser relativizada mesmo para quem ganha menos de 50 salários-mínimos, permitindo penhoras parciais se preservada a dignidade do devedor e o mínimo existencial.
3. Posso perder a impenhorabilidade se perder o prazo de 5 dias?
Embora seja arriscado, a impenhorabilidade é matéria de ordem pública. Isso significa que, em tese, ela não preclui e pode ser alegada posteriormente, desde que o dinheiro ainda não tenha sido levantado pelo credor. Contudo, a melhor técnica recomenda obediência ao prazo do art. 854, § 3º do CPC.
4. O que é o “Mínimo Existencial” na prática?
Não é um valor fixo. É um conceito subjetivo que o juiz preenche analisando as despesas vitais do devedor (saúde, moradia, alimentação). Muitas vezes, os juízes usam por analogia a margem de 30% dos empréstimos consignados (Lei 10.820/2003) como limite do que seria “disponível” para penhora.
5. A poupança feita com dinheiro de salário é penhorável?
Sim. A jurisprudência entende que a proteção recai sobre a verba destinada à subsistência mensal. Valores acumulados em conta ou aplicados em investimentos, mesmo que oriundos de salário, perdem o caráter alimentar imediato e podem ser penhorados (respeitado o limite de 40 salários-mínimos especificamente para caderneta de poupança, conforme art. 833, X).
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil)
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-07/tst-afasta-penhora-de-aposentadoria-em-cobranca-contra-procurador/.