Foro por prerrogativa de função, também conhecido como foro privilegiado, é uma regra de competência jurisdicional prevista na Constituição Federal e em outras normas legais que estabelece que determinadas autoridades públicas sejam processadas e julgadas criminalmente por tribunais superiores, e não pelas instâncias ordinárias da Justiça como qualquer outro cidadão. Trata-se portanto de um privilégio jurídico concedido exclusivamente em razão do cargo ocupado pela pessoa, e não por sua condição pessoal. A finalidade original desse instituto é garantir a independência e o pleno exercício das funções de Estado, evitando, por exemplo, que interesses locais, pressões políticas ou perseguições judiciais interfiram na atuação de autoridades com relevância institucional.
No ordenamento jurídico brasileiro, o foro por prerrogativa de função está delineado em diversos dispositivos constitucionais, sendo o artigo 102, inciso I, da Constituição Federal, um dos mais relevantes, ao atribuir ao Supremo Tribunal Federal a competência para processar e julgar, nos crimes comuns, o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o procurador-geral da República. Já o artigo 105 dispõe da competência do Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar governadores de Estado, membros dos Tribunais de Justiça, desembargadores e procuradores de justiça, entre outros. No âmbito estadual, as Constituições Estaduais também constantes desse mesmo mecanismo, fixando competências específicas aos Tribunais de Justiça.
Ao longo da história brasileira, o foro por prerrogativa de função tem gerado intensos debates jurídicos, políticos e sociais. Por um lado, seus defensores argumentam que ele protege a autoridade pública de acusações infundadas ou retaliações judiciais oriundas de adversários políticos, funcionando como uma salvaguarda institucional. Por outro lado, seus críticos apontam que o foro privilegiado pode comprometer os princípios da igualdade, da moralidade e da eficiência da Justiça ao criar diferentes regimes de responsabilização penal, conferindo morosidade processual e, em última medida, impunidade, uma vez que os tribunais superiores possuem uma estrutura mais complexa e recursos limitados, com menor volume de julgamentos do que as instâncias ordinárias.
O Supremo Tribunal Federal já se debruçou sobre a aplicação do foro por prerrogativa de função em inúmeras ocasiões, sobretudo ao interpretar seu alcance temporal e material. Em decisões recentes, o STF restringiu a aplicação do foro privilegiado aos atos que tenham sido cometidos durante o exercício do cargo e em razão dele. Dessa forma, se o crime for praticado antes do início do mandato ou sem relação com as atribuições do cargo ocupado, a autoridade deverá ser julgada pela primeira instância. Tal entendimento reduz significativamente a abrangência do instituto e reflete uma tentativa do Poder Judiciário de compatibilizar o foro com os princípios republicanos e garantias constitucionais, como a igualdade perante a lei e o devido processo legal.
O foro por prerrogativa de função também é objeto de diversas propostas de emenda constitucional no Congresso Nacional que visam reformar ou até extinguir completamente esse instituto, mantendo-o apenas para as mais altas autoridades do país, como o presidente da República, o vice-presidente, os presidentes dos poderes e os membros do STF. Tais propostas representam uma resposta institucional à crescente demanda da sociedade civil por maior equidade, transparência e eficácia no sistema de Justiça brasileira.
Em conclusão, o foro por prerrogativa de função é uma categoria jurídica especial dentro do direito processual penal brasileiro que visa garantir a autonomia de determinadas funções públicas ao atribuir competência criminal a tribunais superiores para processar autoridades políticas e administrativas. Embora tenha fundamentos legítimos de ordem institucional, sua amplitude e uso ao longo do tempo alimentam críticas à sua legalidade e moralidade, o que faz do foro privilegiado um tema recorrente nas discussões sobre reforma política, combate à corrupção e aprimoramento do sistema jurídico e democrático do país.