Crime habitual é uma classificação utilizada no Direito Penal para designar determinadas condutas ilícitas que, embora constituam infrações penais em si mesmas, ganham uma conotação criminosa específica a partir da reiteração sistemática dessas ações por parte do agente. A habitualidade, nesse contexto, é um elemento essencial que caracteriza a infração penal específica. Não se trata, portanto, de um tipo penal comum, em que o crime se consuma com um único ato. Ao contrário, exige-se a prática reiterada e continuada de condutas semelhantes que demonstrem um modo de vida ou um comportamento criminoso regular.
A doutrina penal entende por crime habitual aquele que se consuma por meio da repetição de atos que, isoladamente, podem não configurar crime, mas que, quando praticados de forma constante e com certa periodicidade, revelam uma intenção contínua de transgressão e, por isso, ganham tipicidade penal. Assim, não basta a prática de um único ato para consumar esse tipo de crime. A habitualidade funciona, nesse sentido, como um núcleo essencial do tipo penal, ou seja, como um elemento que dá existência jurídica ao próprio crime. Isso diferencia o crime habitual dos crimes comuns ou dos chamados crimes continuados.
Um exemplo clássico de crime habitual é o exercício ilegal da medicina. O Código Penal Brasileiro prevê em seu artigo 282 que o exercício da medicina, arte dentária ou farmacêutica, sem estar legalmente habilitado, configura infração penal. No entanto, essa infração só se configura como crime habitual quando se demonstra que o agente pratica atos profissionais de forma reiterada, ou seja, atua regularmente como médico ou odontólogo, sem possuir a devida autorização legal. Outro exemplo é o lenocínio habitual, que consiste na exploração contínua da prostituição alheia com o intuito de lucro.
Vale ressaltar que, ao contrário da figura do crime continuado, em que o agente pratica vários crimes da mesma espécie, ligados por condições semelhantes de tempo, lugar ou forma de execução, beneficiando-se de uma redução de pena por conta da ficção jurídica de continuidade delitiva, no crime habitual a repetição de condutas é justamente o que dá origem ao tipo penal. Nesse sentido, enquanto o crime continuado consiste na reunião de várias infrações penais semelhantes para fins de dosimetria da pena, o crime habitual precisa, obrigatoriamente, da reiteração de atos para existir como crime.
O aspecto subjetivo também tem relevância no crime habitual, pois o dolo do agente deve revelar uma intenção de manter conduta constante e rotineira naquela linha de comportamento ilícito. Não se exige, todavia, um número específico de atos para a configuração da habitualidade, devendo-se considerar o caso concreto. A jurisprudência tem entendido que, para a caracterização do crime habitual, não basta a prática ocasional ou esporádica de atos típicos. É preciso que as condutas revelem uma rotina marcada por reiteração e continuidade dolosa.
Ademais, o crime habitual somente admite forma dolosa de cometimento. Não há como se configurar um crime habitual a partir de conduta culposa, uma vez que a habitualidade pressupõe uma vontade deliberada de incorrer reiteradamente no comportamento tipificado pela norma penal. Também é importante destacar que enquanto não configurada a habitualidade, os atos anteriores não podem ser considerados crime. Somente com a constatação da prática contínua é que se pode afirmar a existência do tipo penal.
Na seara processual, o crime habitual apresenta particularidades relevantes. Por exemplo, não se admite prisão em flagrante quando há apenas um ato isolado, mas é possível em caso de flagrância de ato rotineiro no contexto de habitualidade já configurada. Ademais, a prescrição do crime habitual começa a fluir a partir da cessação da prática delituosa, ou seja, do último ato que compõe a série de comportamentos repetitivos e ilícitos. Isso ocorre justamente porque a consumação do crime habitual depende da continuidade delitiva, só se completando ao término da conduta reiterada.
Portanto, o crime habitual é aquele cuja consumação exige a prática reiterada de atos semelhantes, que, considerados em conjunto, demonstram uma conduta ilícita contínua. É um tipo penal que só se forma e pode ser punido após demonstrada a constância e habitualidade da conduta criminosa, distinguindo-se nesse aspecto dos demais crimes do ordenamento jurídico penal. Seu estudo é fundamental para lidar com casos em que a ilicitude se manifesta não por um ato isolado, mas pela conduta repetitiva do agente que, deliberadamente, adota o crime como forma de vida ou meio habitual de atuação.