Crime de mão própria é uma expressão utilizada no Direito Penal para qualificar determinadas infrações penais que somente podem ser praticadas pessoalmente pelo autor, ou seja, pelo agente que detém uma qualidade específica exigida pelo tipo penal. Nessas hipóteses, a conduta criminosa exige do sujeito ativo uma atuação direta, pessoal e indelegável, sendo impossível a prática por intermédio de terceiros. Trata-se de uma classificação doutrinária destinada a delimitar situações em que a responsabilidade penal se torna exclusiva do agente que realiza, por seus próprios atos, os elementos constitutivos do crime.
A característica essencial do crime de mão própria é a intransferibilidade da ação típica. Isso significa que somente o agente que possui determinadas condições pessoais pode realizar o comportamento descrito na lei penal. Não é possível nestes casos a chamada coautoria, pois não se admite que várias pessoas participem da execução de modo conjunto e com divisão de tarefas. Da mesma forma, a figura do partícipe fica excluída da configuração típica do crime propriamente dito, uma vez que quem auxilia ou instiga a prática de um crime de mão própria não pode responder como autor, mas, no máximo, por participação acessória ou outro crime eventualmente configurado.
Um exemplo clássico de crime de mão própria é o crime de falso testemunho, descrito no artigo 342 do Código Penal Brasileiro, que consiste em fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, administrativo, inquérito policial ou em juízo arbitral. Nesse caso, apenas o sujeito que assume uma dessas funções processuais pode realizar a conduta típica. Não há possibilidade, portanto, de imputação da autoria a terceiro que eventualmente incentive ou favoreça a prática do falso testemunho por parte do agente qualificado. O mesmo raciocínio se aplica, por exemplo, ao crime de violação de sigilo profissional, previsto no artigo 154 do Código Penal. Aqui, somente a pessoa que exerce profissão que impõe o dever de sigilo pode infringir tal dever e responder pelo crime.
É importante destacar, entretanto, que embora o crime de mão própria não admita coautoria, pode haver participação por parte de terceiros, desde que preenchidos os requisitos clássicos da teoria da acessoriedade limitada da participação. Isso significa que quem instiga ou auxilia o agente principal, no limite de sua contribuição, pode responder nos termos da lei penal, ainda que a infração penal seja de autoria exclusiva do agente principal.
Em certos casos, a doutrina e a jurisprudência têm discutido a possibilidade da chamada autoria mediata em crimes de mão própria. Tal hipótese seria admissível quando o agente manipula uma pessoa que atua sem dolo ou com alguma deficiência volitiva ou cognitiva, de modo a utilizá-la como instrumento para atingir a prática típica. Porém, essa possibilidade é altamente controversa, pois colide com a natureza personalíssima da conduta exigida nos crimes de mão própria.
Diferentemente dos crimes comuns, que podem ser praticados por qualquer pessoa independentemente de qualificação subjetiva, os crimes de mão própria impõem uma restrição subjetiva à autoria, o que, por sua vez, tem reflexos importantes no campo da aplicação da pena, da imputação do fato e do concurso de pessoas. Em síntese, o crime de mão própria é aquele de prática estritamente pessoal, que só pode ser realizado pelo sujeito que tem uma posição específica ou preenche uma condição pessoal exigida pelo tipo penal, sendo vedada a transferência da conduta típica a terceiros.