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Delito continuado

Delito continuado é uma figura jurídica prevista no Direito Penal que busca tratar de forma diferenciada certas situações em que uma pessoa pratica várias infrações penais que possuem entre si uma conexão objetiva e subjetiva, conferindo a essas condutas o tratamento de um crime único para fins de aplicação da pena. Essa concepção tem como fundamento a ideia de que há um nexo de continuidade nas ações praticadas pelo agente, o que permite que os fatos sejam considerados como resultado de uma só resolução criminosa, ou seja, uma única decisão delituosa que se manifesta em várias condutas semelhantes e subsequentes.

De acordo com a legislação brasileira, especificamente o artigo 71 do Código Penal, configura-se o crime continuado quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro. Essa previsão normativa impõe um critério que exige a verificação de elementos objetivos e subjetivos para a caracterização do delito continuado.

Os elementos objetivos dizem respeito à semelhança das ações quanto ao momento em que são praticadas, ao local em que ocorrem, à forma como o crime é cometido e às condições que envolvem cada fato. O critério da mesma espécie significa que os crimes devem ser puníveis sob a mesma descrição legal. Já os elementos subjetivos estão relacionados ao dolo do agente, ou seja, à sua intenção. A doutrina majoritária entende que é necessário que os crimes subsequentes tenham sido praticados com base em um único impulso volitivo, ainda que de forma fracionada no tempo.

A aplicação do conceito de crime continuado tem implicações relevantes na dosimetria da pena. Isso porque, ao reconhecer a continuidade delitiva, o juiz aplica a pena de um dos crimes, se idênticas as penas, ou a mais grave, se diversas, e pode aumentá-la de um sexto até dois terços, conforme o número de infrações e as circunstâncias judiciais. Esse tratamento favorece o réu quando comparado à aplicação cumulativa das penas para cada crime de forma isolada, o que acarretaria em sanções significativamente mais severas.

Há ainda, na prática forense, discussões sobre a sua aplicação no caso de crimes praticados contra vítimas diferentes ou quando há a presença de violência ou grave ameaça à pessoa. A jurisprudência dos tribunais superiores passou a considerar também a possibilidade de continuidade delitiva específica, especialmente em crimes patrimoniais sem violência, como o furto e o estelionato. Por outro lado, em delitos que envolvem violência de maneira reiterada ou variação considerável nas circunstâncias dos crimes, a aplicação da regra do delito continuado acaba sendo limitada ou mesmo afastada para evitar a impunidade ou para que se preserve a função retributiva da pena.

Além disso, o conceito de crime continuado não se confunde com o concurso material de crimes, que ocorre quando o agente pratica mais de uma infração penal, mas sem vínculo de continuidade entre as ações. No concurso material, as penas são somadas, o que pode resultar em punições mais severas, uma vez que a cada crime cometido corresponderá uma pena distinta e autônoma. A distinção entre essas figuras é fundamental para garantir a correta aplicação da lei penal e a proporcionalidade das sanções.

Por fim, o reconhecimento do crime continuado é uma questão que depende da análise casuística e cuidadosa dos elementos do fato pelo juiz, sendo que seu deferimento não é automático e exige a demonstração clara de que há efetivamente uma conexão entre os crimes praticados pelo agente tanto em sua forma objetiva quanto subjetiva. Trata-se, portanto, de um instituto jurídico que visa equilibrar a aplicação da pena ao grau de reprovabilidade das condutas praticadas, sem perder de vista os princípios da individualização da pena, da legalidade e da justiça penal.

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