O decreto-lei é uma espécie normativa que integra o sistema jurídico brasileiro, tendo sido um instrumento importante durante determinados períodos da história constitucional do país. Trata-se de um ato normativo com força de lei, editado pelo chefe do Poder Executivo em situações excepcionais, normalmente quando há autorização constitucional para tal, especialmente em regimes de exceção ou durante momentos em que o Poder Legislativo se vê impossibilitado de atuar de forma plena. Ao longo do tempo, a natureza e a aplicação do decreto-lei passaram por várias transformações, refletindo os diferentes contextos políticos e institucionais do Brasil.
Historicamente, o decreto-lei teve papel de destaque durante o Estado Novo, regime instaurado por Getúlio Vargas a partir de 1937, quando o Congresso Nacional foi dissolvido e o Poder Executivo passou a concentrar a função legislativa. Nesse período, os decretos-leis supriram a ausência do processo legislativo ordinário, sendo editados unilateralmente pelo Presidente da República e possuindo eficácia imediata de lei, sem necessidade de aprovação prévia do Parlamento. Embora essa prática tenha sido estabelecida sob a justificativa de atender às necessidades urgentes do país, sua adoção consolidou uma forma centralizada e autoritária de legislar.
Após esse período, a Constituição de 1946 manteve o instrumento do decreto-lei, mas limitou seu uso a matérias específicas e urgentes. O instituto continuou vigente até a promulgação da Constituição Federal de 1988, que extinguiu expressamente o decreto-lei como espécie legislativa no âmbito do direito ordinário. A partir dessa nova ordem constitucional, toda iniciativa com força de lei por parte do Poder Executivo passou a se dar por meio de medidas provisórias, que obedecem a um regime jurídico próprio, exigindo apreciação pelo Congresso Nacional em prazo determinado.
Os decretos-leis editados antes da Constituição de 1988 continuam válidos até que sejam revogados expressamente ou que percam eficácia por decurso de tempo ou incompatibilidade com a nova ordem constitucional. Dessa forma, muitos dispositivos legais em vigor atualmente ainda têm como origem decretos-leis antigos, especialmente nas áreas de direito civil, penal, comercial e tributário. Exemplos notáveis incluem decretos-leis que modificaram o Código Civil anterior, introduziram normas tributárias específicas ou instituíram regras sobre a organização administrativa do Estado.
Do ponto de vista conceitual, faz-se necessário distinguir o decreto-lei de outros atos normativos similares, como os decretos simples, os decretos regulamentares e as medidas provisórias. O decreto-lei era dotado de natureza legislativa plena, tendo a mesma hierarquia de uma lei ordinária, enquanto os decretos simples ou regulamentares têm função meramente executiva, destinando-se à aplicação prática das normas legais já vigentes. Já as medidas provisórias, que substituíram o decreto-lei após 1988, são editadas em casos de relevância e urgência, mas exigem análise e aprovação pelo Congresso Nacional em prazo curto, sob pena de perda de eficácia.
A extinção do decreto-lei como forma de produção legislativa reflete o ideal democrático de separação de poderes, buscando assegurar que a função legiferante permaneça prioritariamente nas mãos do Poder Legislativo, expressão legítima da soberania popular. No entanto, o estudo do decreto-lei ainda se faz imprescindível na formação jurídica, tanto pela sua relevância histórica quanto pela aplicação prática de normas editadas sob essa forma que ainda permanecem em vigor.
Portanto, o decreto-lei pode ser compreendido como um tipo de norma legal, com caráter legislativo e força de lei ordinária, que, embora extinto pela Constituição de 1988, desempenhou papel central nas fases autoritárias do Brasil e continua a influenciar o ordenamento jurídico atual por meio de dispositivos normativos ainda válidos. Seu legado é um importante ponto de reflexão sobre os limites do poder normativo do Executivo e o equilíbrio institucional entre os poderes da República.