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Repristinação

Repristinação é um termo jurídico que designa o fenômeno pelo qual uma norma legal anteriormente revogada volta a ter vigência em decorrência da revogação da norma que a havia revogado. Trata-se de um conceito ligado à dinâmica do ordenamento jurídico e à sucessão de normas no tempo. A palavra tem origem latina em “repristinatio”, que significa “restaurar ao estado original”.

No campo do Direito, a repristinação é normalmente associada ao princípio da continuidade das normas e à segurança jurídica, gerando intensos debates doutrinários e jurisprudenciais sobre sua possibilidade e seus efeitos práticos. Quando uma norma jurídica é revogada por outra, entende-se que ela perde sua vigência. No entanto, se a norma revogadora também for posteriormente revogada, surge a questão sobre a possibilidade de a norma originalmente revogada recuperar automaticamente sua eficácia.

A regra geral no ordenamento jurídico brasileiro é a de que a revogação de uma norma revogadora não implica o restabelecimento automático da norma anteriormente revogada. Isso significa que, na ausência de disposição expressa em sentido contrário, a norma revogada não volta a surtir efeitos com base apenas na revogação da norma que a substituiu. Esse entendimento está consagrado no artigo 2º, parágrafo 3º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4657 de 1942), que expressamente dispõe que, salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.

A repristinação não é vedada em absoluto. Ela pode ocorrer, sim, desde que o legislador manifeste de forma expressa a intenção de restaurar a norma anterior. Esse processo pode ser observado em alguns casos específicos de descontinuidade legislativa ou de correção de trajetórias legislativas equivocadas, nos quais o legislador entenda que a revogação da norma original não teve os efeitos esperados. Assim, ele pode considerar mais adequado retomar a vigência da norma revogada, mas deverá fazê-lo expressamente no novo diploma legislativo.

A repristinação também assume relevância no campo do Direito Constitucional, especialmente em situações de transição institucional, como ocorre nos casos de estados de exceção, processos de redemocratização ou revogação de atos normativos inconstitucionais. Nessas hipóteses, pode-se discutir se normas suspensas ou revogadas pelo regime anterior podem ou devem ser restauradas, seja por vontade do legislador, seja por decisão judicial. Contudo, mesmo nesses casos, a regra da não repristinação automática permanece a menos que haja manifestação explícita em sentido contrário.

No Direito Comparado, diferentes sistemas jurídicos adotam posições distintas quanto à repristinação. Em alguns países, como é o caso de certas tradições do Direito romano-germânico, a repristinação automática da norma revogada pode ser admitida quando a norma revogadora perde sua eficácia, justamente com base na ideia de que a revogação da revogação implica retorno ao status quo legislativo anterior. Em outros países, como no sistema de common law, não há norma geral sobre repristinação, ficando sua aplicação sujeita à interpretação dos tribunais e aos princípios do stare decisis.

Do ponto de vista doutrinário, a repristinação suscita discussões relevantes sobre sua compatibilidade com os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da irretroatividade das leis e da proteção da confiança legítima. Argumenta-se que a restauração de normas antigas pode surpreender os destinatários do Direito, comprometendo a previsibilidade do sistema jurídico. Por outro lado, admite-se que, quando expressamente autorizada, a repristinação pode servir como instrumento de correção legislativa e resgate de normas consideradas mais adequadas ou justas.

Em termos práticos, a aplicação da repristinação requer cuidado, especialmente porque pode produzir efeitos sobre situações jurídicas consolidadas ou em desenvolvimento. Por essa razão, ao tratar da extinção de uma norma revogadora, o legislador deve avaliar se o retorno da norma revogada é juridicamente desejável e compatível com os princípios constitucionais, e deve expressar sua deliberação de maneira inequívoca para evitar incertezas quanto à vigência e aplicabilidade das normas envolvidas.

Assim, a repristinação é um instrumento jurídico excepcional de ressurreição normativa, cuja aplicação depende da vontade expressa do legislador e que deve ser conduzido com rigor técnico para garantir a coerência e a estabilidade do ordenamento jurídico.

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