Abandono do lar é uma expressão jurídica utilizada para designar a situação na qual um dos cônjuges deixa voluntariamente e injustificadamente o domicílio conjugal, rompendo a convivência comum do casal. Essa conduta, no contexto do Direito de Família, pode implicar consequências legais relevantes, principalmente em ações de separação, divórcio, partilha de bens e regulamentação de guarda de filhos. Embora o Código Civil brasileiro não utilize expressamente o termo abandono do lar em seus dispositivos, a situação é reconhecida pela jurisprudência e pela doutrina como passível de análise em processos que envolvem a dissolução da sociedade conjugal.
Do ponto de vista legal, o abandono do lar pode ser entendido como uma violação dos deveres do casamento, especialmente os deveres de coabitação, fidelidade e mútua assistência, previstos no artigo 1566 do Código Civil. Quando um cônjuge abandona o lar sem motivo justificável, pode haver imputação de culpa pela separação, nos casos em que tal análise ainda seja pertinente, a depender do regime jurídico aplicado ao processo e à data dos fatos.
É importante destacar, no entanto, que o simples afastamento físico de um dos cônjuges do domicílio comum não configura, por si só, o abandono do lar. Para que a configuração do abandono seja reconhecida legalmente, é necessário que esse afastamento seja voluntário, injustificado e contínuo por um tempo relevante, ou seja, que não resulte de situações de força maior, como a necessidade de cuidar de um familiar doente, o exercício de atividade profissional que exija mudança ou mesmo fuga de situações de violência doméstica. Nesse último caso, a saída do lar pode ser considerada legítima e não acarretará prejuízos jurídicos à parte que se afastou.
No âmbito da posse de bens, o abandono do lar pode influenciar questões patrimoniais, especialmente em casos de usucapião familiar, prevista no artigo 1240-A do Código Civil, introduzido pela Lei n⁰ 12.424 de 2011. Esta forma de usucapião permite que o cônjuge abandonado adquira o imóvel em que reside com exclusividade, desde que comprove, entre outros requisitos, a posse mansa e pacífica do bem por no mínimo dois anos, o abandono do imóvel pelo outro cônjuge ou companheiro e o fato de que o imóvel tem até duzentos e cinquenta metros quadrados e serve de moradia própria da família.
Cabe ressaltar que o abandono do lar também pode influenciar em disputas pela guarda de filhos menores. Em determinadas situações, o juiz pode considerar o afastamento injustificado de um dos genitores como indicativo de negligência ou desinteresse, podendo repercutir negativamente na definição dos poderes parentais em relação à criança. No entanto, em todas essas situações, o Poder Judiciário deve analisar o caso concreto, suas circunstâncias, as provas apresentadas e a proteção ao interesse superior dos filhos.
No tocante ao direito à herança, a legislação brasileira impõe que os herdeiros necessários, incluindo o cônjuge sobrevivente, têm direito à legítima. Porém, casos extremos de abandono material podem ser discutidos judicialmente e resultar, eventualmente, em exclusão da herança por indignidade, nos termos dos artigos 1814 e seguintes do Código Civil, embora essa hipótese seja mais comumente aplicada em contextos de abandono moral de ascendentes por parte de descendentes.
Em síntese, o abandono do lar é um conceito jurídico que, embora não esteja expressamente definido na letra da lei, possui relevância prática no âmbito do Direito de Família e pode ocasionar diferentes consequências patrimoniais e pessoais, a depender do contexto específico de cada caso. Sempre será necessário avaliar os elementos fáticos relacionados à saída do cônjuge do domicílio conjugal, a motivação, a continuidade do afastamento e os impactos causados à parte remanescente e à estrutura familiar como um todo.