A ultratividade da lei é um conceito jurídico que remete à capacidade de uma norma legal continuar a produzir efeitos mesmo após ter sido formalmente revogada. Esse fenômeno ocorre, geralmente, devido a disposições da lei ou princípios jurídicos que determinam que a norma anterior deve permanecer em vigor para regular situações jurídicas ou relações constituídas enquanto ela ainda estava plenamente válida e eficaz.
Esse princípio é especialmente relevante no ramo do Direito Penal e do Direito Processual Penal, por conta do mandamento constitucional da retroatividade da lei penal mais benéfica. No contexto penal, uma lei que tenha sido revogada pode continuar a ser aplicada retroativamente ao caso concreto se beneficiar o réu, ou produzir efeitos para fatos e situações ocorridos durante a sua vigência. Exemplificando, se uma norma penal previa penas mais brandas ou estabelecia uma conduta como não criminosa e foi substituída por outra mais rigorosa, esta norma revogada pode ser aplicada às situações ocorridas durante o seu período de vigência, desde que seja mais favorável ao indivíduo afetado.
No campo do Direito Civil e de outros ramos do Direito, a ultratividade também pode se manifestar de forma mais restrita, sempre em respeito aos direitos adquiridos, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, garantidos pelos princípios constitucionais e legais. Nesse sentido, as regras de transição previstas no próprio texto que revoga uma norma ou disciplina situações jurídicas consolidadas na vigência da legislação anterior podem aplicar a ultratividade. O legislador, nesse caso, adota tal mecanismo para evitar a insegurança jurídica e proteger as relações jurídicas firmadas com base na confiança existente na norma vigente à época de sua formação.
Um exemplo prático da aplicação do princípio da ultratividade no Direito Civil pode ser encontrado nos contratos celebrados sob um determinado regime legal que, posteriormente, tenha sido modificado ou revogado. A ultratividade pode garantir que esses contratos sejam regidos pelas cláusulas e princípios previstos na legislação antiga, como um modo de preservar a autonomia privada e a previsibilidade das regras pactuadas.
Por outro lado, a ultratividade é um tema que frequentemente suscita debates e controvérsias nos diversos ramos do Direito. Há discussões quanto à sua extensão e limites, sendo que sua aplicação em alguns casos pode gerar aparentes conflitos com o princípio da irretroatividade da lei, que estabelece que, em regra, as normas não devem retroagir para abranger fatos ocorridos antes da sua vigência. Contudo, o ordenamento jurídico busca equilibrar ambos os princípios, geralmente através de cláusulas de transição legislativa ou pela aplicação de princípios como o da segurança jurídica e da equidade.
Em síntese, a ultratividade da lei consiste na capacidade excepcional de uma norma continuadamente reger situações passadas, mesmo após perder vigência formal, respeitando direitos adquiridos, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Trata-se de uma ferramenta jurídica que garante a estabilidade e coerência nas relações jurídicas, especialmente em contextos onde mudanças legislativas podem impactar expectativas legítimas e situações consolidadas sob o regime de normas revogadas.