O Papel da Discricionariedade Judicial no Estado Democrático de Direito
A interpretação e a aplicação da legislação no âmbito judicial são temas centrais para a advocacia e para o aprimoramento do sistema de justiça no Brasil. O princípio da legalidade, embora fundamental, frequentemente se depara com o desafio prático da discricionariedade judicial – ou seja, o espaço de liberdade que os juízes possuem para decidir à luz da lei. Este artigo mergulha nas bases, nos limites e nas controvérsias da discricionariedade judicial, tema de profunda relevância tanto para operadores do Direito quanto para docentes interessados no aperfeiçoamento da técnica jurídica.
Princípio da Legalidade e Discricionariedade: Relação e Tensão
No Estado Democrático de Direito, prevalece o princípio da legalidade (art. 5º, II, da Constituição Federal), segundo o qual ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Contudo, a aplicação da lei está sempre atrelada à atuação humana: a interpretação. E a natureza da linguagem legislativa, quase invariavelmente, implica zonas de indeterminação.
Neste cenário, emerge a discricionariedade judicial. Ela consiste na liberdade — sempre relativa — que o julgador possui para escolher, dentre várias interpretações possíveis, aquela que considera mais ajustada ao caso concreto. Não se trata de poder absoluto; trata-se, sim, de uma margem dentro dos limites da lei.
Fundamentos Constitucionais e Legais da Atuação Judicial
A atividade jurisdicional encontra fundamento principal no artigo 93, IX, da Constituição Federal, que exige que todas as decisões sejam fundamentadas, sob pena de nulidade. O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), por sua vez, em seu art. 489, reforça a obrigatoriedade de fundamentação, detalhando quais elementos mínimos uma decisão deve conter.
A obrigação de fundamentar é um freio à discricionariedade irrestrita e uma garantia para a sociedade, pois permite o controle das decisões judiciais. Dessa forma, a liberdade decisória do magistrado nunca é absoluta; ela é balizada pela lei, pela Constituição e pelos precedentes obrigatórios.
Jurisprudência e Precedentes: O Papel do Artigo 927 do CPC
A introdução do sistema de precedentes vinculantes pelo Novo Código de Processo Civil brasileiro trouxe importantes consequências para a discricionariedade judicial. O art. 927 do CPC determina que juízes e tribunais devem observar as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e de outros tribunais em determinadas situações.
O objetivo é promover maior uniformidade, segurança jurídica e previsibilidade. Ao mesmo tempo em que reduz a margem de discricionariedade em temas já sedimentados, o sistema estimula o uso criterioso da interpretação em casos novos, ainda não enfrentados pelos tribunais superiores.
Limites da Discricionariedade Judicial
A discricionariedade não autoriza o magistrado a inovar no ordenamento jurídico nem a desprezar a literalidade ou a mens legis das normas. Sob o prisma do art. 489, §1º, do CPC/2015, não se considera fundamentada a decisão que:
– Se limita à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem relacioná-lo ao caso concreto;
– Emprega conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo do enquadramento no caso concreto;
– Invoca precedentes ou enunciados de súmula sem identificar seus fundamentos determinantes ou demonstrar que o caso segue ou diverge daquilo que foi decidido anteriormente.
Dessa forma, a motivação deve ser precisa, o magistrado deve demonstrar relação entre os fatos e o direito aplicável, justificando de modo transparente sua decisão diante das múltiplas possibilidades interpretativas.
Discricionariedade e Justiça: Argumentos Prós e Contras
O debate sobre a extensão da discricionariedade judicial é intrínseco à busca pelo equilíbrio no sistema de justiça.
Defensores da discricionariedade destacam que nenhuma legislação cobre por completo todos os possíveis casos concretos. Logo, a abertura interpretativa permite que o juiz adapte normas gerais a situações específicas, promovendo justiça material.
Por outro lado, críticos apontam que a discricionariedade exacerbada pode gerar insegurança jurídica, violações à isonomia e subjetivismo nas decisões, comprometendo o próprio princípio da legalidade. Juristas como Lenio Streck defendem o papel hermenêutico do magistrado, mas alertam contra o risco do decisionismo.
A Importância do Estudo Aprofunado da Interpretação Judicial
Para o profissional do Direito, entender os contornos da discricionariedade judicial não é apenas relevante do ponto de vista acadêmico, mas absolutamente essencial para a prática forense. Dominar as técnicas de argumentação, saber identificar hipóteses de aplicação (ou de afastamento) de precedentes e construir fundamentações sólidas são habilidades que impactam diretamente o êxito das demandas judiciais.
Cursos de pós-graduação como a Pós-Graduação em Direito Civil e Processual Civil aprofundam o estudo dessas ferramentas interpretativas e fornecem aos operadores do direito a segurança teórica e prática para atuar com excelência.
Discricionariedade, Princípios e Precedentes: O Triângulo Fundamental
Quando a legislação é omissa ou aberta, cabe ao magistrado recorrer aos princípios jurídicos. O art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) determina que, em caso de omissão, o juiz deve decidir o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Além disso, a busca pelo precedente judicial adequado (art. 926 e 927 do CPC) exige análise fina do tema de fundo, da ratio decidendi e da distinção (distinguishing), sempre com o compromisso da motivação clara.
O desafio está em evitar uma aplicação mecânica dos precedentes, que pode conduzir à injustiça, e uma abertura excessiva à criatividade judicial, que pode conduzir ao arbítrio.
Discricionariedade Judicial e Controle Social
Há também o importante papel do controle social sobre as decisões judiciais. O duplo grau de jurisdição, os recursos, as ações autônomas de impugnação e até mesmo instrumentos como as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) permitem o escrutínio das decisões e protegem contra excessos.
A transparência, possibilitada pela fundamentação das decisões, e o acesso ao inteiro teor das sentenças são conquistas do Estado Democrático de Direito. Estes mecanismos equilibram a necessidade da criatividade judicial com a imprescindibilidade do controle e da responsabilidade.
Onde a Discricionariedade é Mais Marcante?
Alguns ramos do Direito, como o direito civil, o direito administrativo e o próprio processo civil, apresentam alta incidência de conceitos abertos ou cláusulas gerais (ex: boa-fé, razoabilidade, interesse público), ampliando o campo da discricionariedade.
De igual modo, a tutela provisória (arts. 294 e seguintes do CPC), a apreciação de provas e a fixação de multas cominatórias são exemplos do cotidiano forense onde o poder de escolha do magistrado exige profundo domínio doutrinário e jurisprudencial para correto manejo pelos advogados.
A Discricionariedade como Ferramenta e Desafio para a Advocacia
Entender a natureza, os limites e as possibilidades da discricionariedade judicial permite ao profissional do direito preparar peças processuais melhores fundamentadas, antecipar linhas de decisão plausíveis do julgador e manejar recursos de modo mais estratégico.
A crescente valorização da argumentação jurídica densa e do domínio de precedentes e princípios aponta para a necessidade da qualificação técnica e teórica continuada. A Pós-Graduação em Direito Civil e Processual Civil oferece abordagem aprofundada sobre estes temas, conectando teoria avançada e práticas forenses atualizadas.
Considerações Finais
A discricionariedade judicial permanece como um dos temas mais desafiadores – e ao mesmo tempo instigantes – do estudo do direito contemporâneo brasileiro. O equilíbrio entre criatividade judicial, lealdade à norma e respeito aos princípios norteadores do sistema é condição para a realização da ordem jurídica justa.
Aprofundar-se nesse campo é pré-requisito para construir estratégias eficazes, dialogar com a jurisprudência dominante e atuar preventivamente na defesa de direitos e interesses dos clientes diante do Poder Judiciário.
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Insights para Profissionais do Direito
A compreensão das fronteiras da discricionariedade judicial potencializa não só a atuação em processos judiciais, mas também o aconselhamento estratégico no âmbito consultivo e extrajudicial. O domínio do tema permite antecipar tendências, sugerir soluções inovadoras com respaldo dogmático e construir argumentos persuasivos mesmo em cenários incertos.
Perguntas e Respostas Frequentes
1. O juiz pode decidir além do que está previsto na lei?
Não. A discreticionariedade judicial existe nos limites da lei. O juiz não pode inovar no ordenamento jurídico, mas deve interpretar e aplicar a lei conforme o caso concreto, fundamentando adequadamente sua decisão.
2. O que acontece quando o juiz não fundamenta sua decisão?
A ausência de fundamentação torna a decisão judicial nula, conforme o art. 93, IX, da Constituição Federal e o art. 489 do CPC/2015, podendo ser objeto de recurso pelas partes.
3. Os precedentes obrigatórios restringem completamente a discricionariedade?
Eles reduzem, mas não eliminam a discricionariedade. O julgador deve observar precedentes obrigatórios, mas há espaço para distingui-los quando o caso concreto justificar.
4. Em quais situações a discricionariedade judicial é mais comum?
Em hipóteses de cláusulas gerais ou conceitos indeterminados, apreciação de provas, concessão de tutelas provisórias, arbitramento de valores e decisões sobre razoabilidade ou proporcionalidade.
5. É possível recorrer de uma decisão judicial fundamentada em discricionariedade?
Sim. Qualquer decisão pode ser objeto de recurso caso se entenda que o magistrado exorbitou dos limites da discricionariedade ou que a motivação não se adequou ao caso concreto.
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Acesse a lei relacionada em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-set-09/justica-conforme-a-lei/.