Plantão Legale

Carregando avisos...

Transferências Especiais: Riscos, Controle e Fiscalização

Artigo de Direito
Getting your Trinity Audio player ready...

A Natureza Jurídica das Transferências Especiais: Da Teoria à Crise Institucional

O ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no âmbito do Direito Financeiro e Constitucional, atravessa um momento de tensão sem precedentes.

Uma das alterações mais significativas da última década diz respeito à execução do orçamento público e à relação entre os Poderes Legislativo e Executivo: a introdução das “transferências especiais”, popularmente conhecidas como “Emendas Pix”.

Inserida na Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 105/2019, essa modalidade prometia desburocratizar o repasse de verbas federais.

No entanto, o que se observa na prática forense atual não é apenas uma nova dinâmica de repasse, mas um verdadeiro campo minado jurídico que culminou em uma crise institucional entre os poderes.

Para o advogado e o gestor público, compreender esse mecanismo deixou de ser uma questão de atualização legislativa para se tornar uma necessidade de sobrevivência processual.

A análise a seguir foge do lugar-comum teórico para enfrentar os problemas reais: a competência jurisdicional, a fungibilidade do dinheiro na conta única e o recente “terremoto jurídico” provocado pelas decisões do Supremo Tribunal Federal.

O Regime Constitucional e o “Fator Flávio Dino”

A Emenda Constitucional nº 105/2019 acrescentou o artigo 166-A à Constituição, criando duas vias de execução para emendas individuais: a transferência com finalidade definida e a transferência especial.

Na transferência especial, o recurso é repassado diretamente ao ente federado, independentemente de convênio.

A Constituição estabelece que tais recursos “pertencem” ao ente federado no ato da efetiva transferência financeira.

Essa redação gerou, inicialmente, a ilusão de que tais verbas estariam imunes ao rigoroso controle federal.

Contudo, o cenário mudou drasticamente em agosto de 2024.

Na análise da ADI 7695, o Ministro Flávio Dino (STF) suspendeu a execução dessas emendas, condicionando a liberação dos recursos à total transparência e rastreabilidade.

Não se trata mais de um “dilema” entre agilidade e controle.

A transparência deixou de ser apenas um princípio norteador (art. 37 da CF) para se tornar um requisito de eficácia e validade do repasse.

Hoje, a ausência de cadastro prévio e detalhamento no sistema Transferegov.br não gera apenas uma irregularidade administrativa, mas bloqueia o fluxo financeiro e atrai a presunção de inconstitucionalidade na execução.

Para atuar com segurança neste novo cenário, o aprofundamento técnico é indispensável. A Pós-Graduação em Direito e Processo Constitucional oferece a base para entender como o STF está reescrevendo a prática orçamentária em tempo real.

O Campo Minado da Competência: Justiça Federal ou Estadual?

Um dos pontos mais críticos e menos compreendidos pelos profissionais diz respeito à competência para processar e julgar eventuais ilícitos.

A letra fria da lei diz que o recurso “pertence” ao Município ou Estado ao entrar nos cofres. Isso levaria, em tese, à competência da Justiça Estadual e dos Tribunais de Contas locais (TCEs/TCMs).

Porém, a prática jurisprudencial é muito mais complexa e perigosa para a defesa técnica.

O advogado deve estar atento ao conflito aparente entre as Súmulas do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

  • Súmula 209: Diz que compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal.
  • Súmula 208: Estabelece que compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal.

Apesar da incorporação ao patrimônio municipal, o Tribunal de Contas da União (TCU) mantém o entendimento firme de que a origem federal dos recursos e o dever de prestar contas (ainda que de forma simplificada) atraem a incidência da Súmula 208.

Na prática, isso significa que o Ministério Público Federal (MPF) frequentemente avoca a competência, levando o caso para a Justiça Federal, onde o rigor processual e as penas tendem a ser mais severos.

Ignorar essa nuance pode ser fatal para a estratégia de defesa.

A Fungibilidade do Dinheiro e a Prova Diabólica

O ponto nevrálgico da defesa e da acusação reside na rastreabilidade e na natureza fungível do dinheiro.

Quando o recurso da “Emenda Pix” entra na conta única do tesouro municipal, ele se mistura com receitas de IPTU, ISS e FPM.

Cria-se, assim, uma confusão patrimonial.

Aqui, a estratégia jurídica deve se bifurcar:

  • No Direito Penal: A fungibilidade joga a favor da defesa. O ônus da prova é da acusação. Se o MP não conseguir provar, através de perícia contábil robusta, que aquele real específico gasto irregularmente veio da verba federal, a materialidade do crime de desvio fica comprometida.
  • Na Improbidade Administrativa e no TCU: A lógica se inverte. Cabe ao gestor o dever constitucional de prestar contas. A impossibilidade de demonstrar o nexo causal entre a verba recebida e a obra realizada pode gerar condenação por omissão ou dano ao erário, exigindo o ressarcimento dos valores.

Essa distinção processual é vital. O que absolve no crime pode condenar no cível.

Para dominar essas interseções entre as esferas de responsabilidade, a Pós-Graduação Social em Direito Público prepara o jurista para lidar com a complexidade da defesa do gestor público moderno.

Improbidade Administrativa, Dolo e Compliance Defensivo

A Nova Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 14.230/2021) trouxe a exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo.

Isso alterou profundamente a defesa em casos de Transferências Especiais.

Muitos órgãos de controle tentam equiparar a “falta de transparência” ou a desorganização contábil ao dolo.

O advogado combativo deve sustentar que a ausência de “carimbo” no dinheiro decorre, muitas vezes, da própria natureza constitucional do instituto — criado para simplificar —, e não de uma vontade livre e consciente de fraudar.

A mera desorganização, caracterizada como culpa grave, não configura mais improbidade administrativa.

A Solução Prática: Compliance Bancário

Diante desse cenário de incerteza, a advocacia preventiva torna-se essencial.

A recomendação de ouro para gestores é a implementação de um compliance defensivo:

  • Abrir uma conta bancária específica para cada Emenda Pix recebida, mesmo que a legislação local não obrigue explicitamente.
  • Evitar a todo custo a entrada desses recursos na conta única (caixa geral) do município.
  • Realizar o cadastro prévio e detalhado no Transferegov.br, alinhando-se às exigências recentes do STF.

Essa segregação contábil é a única forma de garantir a rastreabilidade que blinda o gestor tanto na esfera penal quanto na administrativa.

Perspectivas e o Papel do Advogado Especialista

O futuro das transferências especiais pende para um endurecimento das regras de controle.

A judicialização da política orçamentária colocou o Supremo Tribunal Federal como o grande moderador da execução financeira, e a tendência é que as exigências de accountability se tornem cada vez mais rígidas.

O advogado que atua nessa área não pode ser ingênuo.

A defesa técnica exige não apenas conhecimento da lei, mas domínio de contabilidade pública, entendimento das súmulas de competência e uma leitura atenta do cenário político-jurídico em Brasília.

Dominar o Direito Administrativo sancionador e suas conexões com o orçamento é o diferencial competitivo neste mercado.

Quer se aprofundar e se destacar na advocacia pública e privada de alto nível? Conheça nosso curso Pós-Graduação em Direito Administrativo e transforme sua carreira.

Insights sobre o Tema

  • Jurisdição: A origem federal do recurso costuma prevalecer sobre a titularidade municipal para fins de atrair a competência da Justiça Federal (Súmula 208/STJ), criando um risco maior para o réu.
  • Constitucionalidade Condicionada: Após a ADI 7695, a transparência não é mais opcional; sem rastreabilidade comprovada em sistema federal, a execução da verba é inconstitucional.
  • Defesa Penal vs. Cível: A “mistura” do dinheiro na conta única dificulta a prova da acusação no penal, mas pode ser fatal para o gestor na prestação de contas e na ação de improbidade.
  • O Dolo na LIA: A defesa deve lutar para diferenciar a desorganização administrativa (culpa) do dolo específico de fraudar, especialmente em um sistema desenhado originalmente para ser menos burocrático.

Perguntas e Respostas

1. Com a decisão do STF na ADI 7695, as transferências especiais acabaram?

Não acabaram, mas sua execução foi suspensa até que sejam estabelecidos mecanismos robustos de rastreabilidade. Na prática, a “liberdade total” acabou: agora, o repasse exige transparência prévia e vinculação a objetos específicos no sistema Transferegov.br.

2. O dinheiro caiu na conta da Prefeitura. Quem julga o Prefeito por desvio?

Embora haja controvérsia, a tendência majoritária, impulsionada pelo MPF e pelo TCU, é atrair a competência para a Justiça Federal, sob o argumento de que a fiscalização da verba federal atrai a Súmula 208 do STJ.

3. Posso usar a “Emenda Pix” para pagar folha de pagamento?

Não. O artigo 166-A, § 5º, inciso I, da CF veda expressamente o uso para despesas com pessoal e encargos sociais. Fazer isso não é apenas irregularidade, é um “batom na cueca” probatório que facilita muito a condenação por improbidade.

4. Como o advogado deve orientar o Prefeito para evitar problemas futuros?

A orientação principal é o compliance defensivo: abrir uma conta bancária exclusiva para cada emenda recebida, jamais misturar o recurso no caixa único e documentar cada etapa da despesa (licitação, empenho, liquidação) vinculando-a àquela conta específica.

5. A falta de transparência gera automaticamente condenação por improbidade?

Pela nova Lei de Improbidade (14.230/21), não deveria ser automático, pois exige-se o dolo específico. Contudo, a falta de transparência inverte o ônus político e administrativo, forçando o gestor a provar sua inocência em um cenário de presunção de irregularidade.

Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.

Acesse a lei relacionada em Emenda Constitucional nº 105, de 12 de dezembro de 2019

Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-08/dino-determina-envio-de-relatorio-sobre-emendas-pix-para-investigacao-da-pf/.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *