A promulgação da Emenda Constitucional nº 132 de 2023 marcou o início de uma transformação estrutural sem precedentes no Sistema Tributário Nacional. Para o profissional do Direito, este momento transcende a mera atualização legislativa. Estamos diante de uma ruptura paradigmática que redefine as bases da tributação sobre o consumo no Brasil. A substituição de cinco tributos por um modelo de Imposto sobre Valor Agicionado Dual (IBS e CBS) não apenas simplifica a arrecadação no papel, mas cria um vácuo interpretativo perigoso.
A história do Direito Tributário brasileiro é cíclica, mas o cenário atual exige mais do que paciência jurisprudencial. Não podemos apenas aguardar que o Poder Judiciário pacifique os temas; a batalha começa agora, na construção de teses desde o processo administrativo. O advogado tributarista deixa de exercer um trabalho de “arqueologia jurídica” (escavar leis antigas) para assumir um papel de “engenharia jurídica”, construindo interpretações sobre conceitos novos e fluidos em um terreno de insegurança.
A Armadilha da “Não-Cumulatividade Plena” Condicionada
Um dos pilares da reforma é a promessa da não-cumulatividade plena. O texto constitucional reformado assegura que o imposto devido em cada etapa da cadeia econômica será compensado com o montante cobrado nas etapas anteriores. Na teoria, isso eliminaria o efeito cascata. Contudo, a análise crítica revela uma armadilha: a tendência de condicionar o crédito ao efetivo pagamento do tributo na etapa anterior.
Essa sistemática, na prática, representa uma terceirização da competência fiscalizatória do Estado para o contribuinte. Transfere-se para o adquirente a responsabilidade de garantir que o seu fornecedor recolheu o imposto, sob pena de glosa do crédito. Isso fere frontalmente a capacidade contributiva e a livre iniciativa.
O contencioso aqui não será apenas sobre a natureza do insumo, mas sobre a prova do recolhimento. Estamos caminhando para uma disputa probatória complexa e para a necessidade de invocar a boa-fé do contribuinte (aplicação analógica da Súmula 509 do STJ). A batalha pelo “crédito financeiro amplo” será uma das mais duras, confrontando a lógica arrecadatória que historicamente opera com restrições físicas ao creditamento.
Para navegar essas águas turvas, a especialização é mandatória. Cursos como a Pós-Graduação em O Novo Direito Tributário com a Reforma Tributária são fundamentais para entender como fundamentar essas novas teses defensivas.
O Imposto Seletivo: Guerra Fiscal Moral e Bitributação
A criação do Imposto Seletivo, apelidado de “imposto do pecado”, introduz uma dimensão de complexidade que vai além da extrafiscalidade. Sua finalidade é desestimular o consumo de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. O problema reside na subjetividade do que é “prejudicial” e no risco real de bitributação econômica disfarçada.
Se o Imposto Seletivo incidir nas etapas iniciais de extração ou produção (como petróleo ou minério), ele se torna custo na cadeia produtiva. A incidência subsequente do IBS e da CBS sobre esse custo configura, na prática, tributo sobre tributo, violando a transparência e a não-cumulatividade real.
Além disso, a defesa técnica contra a inclusão arbitrária de produtos no rol do Seletivo exigirá uma abordagem interdisciplinar. O advogado precisará trabalhar com laudos econômicos e científicos para provar a ausência de nocividade ou a desproporcionalidade da alíquota, utilizando o princípio da vedação ao confisco como escudo contra a sanha arrecadatória travestida de preocupação sanitária ou ambiental.
O “Super-Comitê” Gestor e o Déficit Democrático
A centralização da gestão do IBS em um Comitê Gestor único tensiona o pacto federativo e cria uma nova aberração jurídica: um órgão com poderes normativos, arrecadatórios e julgadores que sofre de um grave déficit de legitimidade democrática.
Diferente das Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, este Comitê não se submete diretamente ao controle político tradicional. Seus regulamentos terão força normativa nacional, atropelando peculiaridades regionais.
- O desafio jurídico: Como impugnar um Regulamento do Comitê que uniformiza uma interpretação ilegal?
- A via de ação: A impugnação desses atos normativos será a nova fronteira do Direito Público, possivelmente ensejando o uso de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para proteger a autonomia dos entes e os direitos dos contribuintes.
O Split Payment como Confisco Temporal
O mecanismo de “split payment” é vendido como uma inovação tecnológica para combater a sonegação, retendo o imposto no momento da liquidação financeira. Sob a ótica crítica, contudo, ele representa um risco severo ao direito de propriedade e ao fluxo de caixa.
Ao reter o valor imediatamente, o Estado presume a ocorrência definitiva do fato gerador e a liquidez da empresa, ignorando a realidade comercial de devoluções, cancelamentos e inadimplência. O contribuinte acaba financiando o Estado a juro zero, sofrendo o que podemos chamar de confisco temporal de seus recursos.
A promessa de “devolução rápida” de saldos credores é vista com ceticismo por qualquer um que conheça a prática administrativa brasileira. O split payment inverte o ônus do tempo, e a tese jurídica aqui deve atacar a desproporcionalidade dessa medida e o impacto financeiro que pode inviabilizar a operação econômica. O aprofundamento nessas questões processuais pode ser encontrado na Pós-Graduação em Direito Tributário e Processo Tributário.
A “Esquizofrenia Normativa” da Transição
A transição entre os sistemas (2026-2032) não exigirá apenas uma “ginástica jurídica”, mas a gestão de uma verdadeira esquizofrenia normativa. As empresas conviverão com dois regimes que não conversam entre si, aumentando exponencialmente o risco de erros operacionais.
A grande oportunidade para a advocacia neste período talvez não esteja apenas nas teses constitucionais de fundo, mas na defesa contra multas confiscatórias decorrentes de erros de compliance. O Fisco tenderá a autuar inconsistências geradas pela própria complexidade do sistema duplo. Anular essas penalidades, demonstrando a boa-fé e a impossibilidade operacional de cumprimento perfeito em um cenário caótico, será um nicho vital.
Conceitos Indeterminados e a Segurança Jurídica
Termos como “bens e serviços”, “destino” e “plataformas digitais” exigirão um esforço hermenêutico considerável. A reforma trocou a complexidade legislativa (milhares de leis municipais) pela complexidade operacional e interpretativa.
A disputa clássica de competência (ISS vs. ICMS) dá lugar a disputas sobre o local de destino e a repartição de receitas. Se a legislação infraconstitucional não for cristalina, a insegurança jurídica prevalecerá. O advogado tributarista deverá atuar na construção de interpretações que protejam o contribuinte de exigências múltiplas e da bitributação.
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Insights sobre o Assunto
- Judicialização Imediata: Não espere a pacificação. O vácuo legislativo atual é o momento de criar precedentes. A insegurança jurídica durante o preenchimento das lacunas pela Lei Complementar exigirá uma atuação proativa.
- O Mito do Crédito Pleno: A não-cumulatividade plena está sendo desenhada para ser restritiva na prática (financeira e condicionada). A briga será para derrubar a responsabilidade solidária disfarçada do adquirente.
- Déficit Democrático: O Comitê Gestor é um “super-órgão” com poderes quase ilimitados. Questionar sua legitimidade e a constitucionalidade de seus regulamentos será essencial.
- Engenharia vs. Arqueologia: O perfil do tributarista mudou. O foco sai da busca por leis antigas e passa para a construção de teses sobre conceitos econômicos e tecnológicos novos.
Perguntas e Respostas
1. A não-cumulatividade no novo sistema garante o aproveitamento de todos os créditos?
Não. Há um risco real de que a legislação condicione o crédito ao efetivo recolhimento do tributo pelo fornecedor, criando uma barreira operacional e financeira (“não-cumulatividade condicionada”), além das restrições a bens de uso e consumo pessoal.
2. O que é o “Split Payment” e por que ele é perigoso para as empresas?
É a retenção automática do imposto na liquidação financeira. O perigo reside no “confisco temporal” do capital de giro, pois a empresa paga o imposto antes mesmo de ter a disponibilidade completa do recurso, financiando o Estado e correndo riscos em casos de devoluções ou cancelamentos.
3. O Comitê Gestor fere a autonomia dos Municípios?
Sim. Ao centralizar a normatização e o julgamento administrativo, retira-se dos entes locais o controle sobre sua política fiscal. Além disso, cria-se um órgão com déficit democrático, cujas normas uniformes podem desrespeitar peculiaridades regionais.
4. O Imposto Seletivo pode gerar bitributação?
Sim. Se incidir sobre insumos ou etapas iniciais de produção (como extração de minério), ele se incorpora ao custo do produto. Quando o IBS/CBS incidir sobre o preço final, haverá imposto sobre imposto, onerando a cadeia e ferindo a transparência.
5. Qual a maior oportunidade para advogados na fase de transição?
Além do planejamento tributário, a defesa contra multas decorrentes de erros operacionais. A “esquizofrenia normativa” de gerir dois sistemas simultâneos (2026-2032) gerará autuações que poderão ser anuladas com base na complexidade excessiva e na boa-fé do contribuinte.
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Acesse a lei relacionada em Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-09/reforma-tributaria-inicio-da-proxima-tese-do-seculo/.