A Transferência da Propriedade de Bens Móveis: Da Tradição às Armadilhas da Prática Forense
A compreensão acerca da transferência de propriedade no ordenamento jurídico brasileiro exige ir além da teoria básica. Enquanto a propriedade imobiliária se consolida mediante o registro, a dinâmica dos bens móveis opera sob a lógica da tradição. O Código Civil, em seu artigo 1.226, é claro: os direitos reais sobre coisas móveis transmitem-se com a entrega da coisa.
No entanto, para o advogado que atua no contencioso cível, aplicar essa regra exige cautela. O contrato de compra e venda gera obrigações (entregar a coisa e pagar o preço), mas a transferência do domínio ocorre apenas com o ato material da entrega. Contudo, ignorar as exceções e as exigências processuais probatórias pode ser fatal para a defesa do cliente.
A seguir, aprofundamos nos pontos críticos onde a teoria encontra a “trincheira” da prática forense.
1. O “Elefante na Sala”: A Alienação Fiduciária
A regra clássica da tradição pressupõe uma compra e venda “pura”, onde o vendedor detém a propriedade plena. Todavia, a realidade da frota brasileira é composta majoritariamente por veículos financiados. Neste cenário, a aplicação simplista do artigo 1.226 do CC é um erro técnico grave.
Em bens gravados com Alienação Fiduciária, o devedor (vendedor) possui apenas a posse direta e a expectativa de direito real, enquanto a propriedade resolúvel permanece com o credor (banco).
- A simples entrega do veículo e do carnê (“contrato de gaveta”) sem a anuência expressa da instituição financeira é ineficaz perante o credor.
- A chamada “venda de ágio” não transfere a propriedade fiduciária. O terceiro adquirente, mesmo de boa-fé, corre o risco de sofrer Busca e Apreensão caso o contrato original seja inadimplido, perdendo o bem sem ter direito real oponível ao banco.
2. A Fragilidade da Prova: O Conceito de “Data Certa”
Dizer que a tradição transfere a propriedade é o primeiro passo. O desafio real do advogado é provar quando essa tradição ocorreu, especialmente em casos de Embargos de Terceiro para evitar penhoras por dívidas do antigo dono.
Muitos profissionais falham ao instruir o processo com contratos particulares simples (“contratos de gaveta”). O Código de Processo Civil (Art. 409) e o Código Civil (Art. 221) trazem o conceito de data certa. Perante terceiros (como um exequente), um documento particular só prova a data de sua criação se houver um marco temporal público.
Portanto, a orientação técnica “implacável” deve ser:
- Reconhecimento de firma: Sem a firma reconhecida na data do negócio, a prova documental é frágil e pode ser considerada fabricada retroativamente para fraudar a execução.
- Meios de prova robustos: Na ausência de firma reconhecida, deve-se buscar provas digitais (e-mails, transferências bancárias identificadas) que comprovem inequivocamente que a posse mudou antes da constrição judicial.
Para dominar essas nuances probatórias, a Pós-Graduação em Direito Civil e Processual Civil oferece o ferramental necessário para a construção de teses sólidas.
3. A “Guerra” do IPVA e a Solidariedade Mitigada
A Súmula 132 do STJ protege o antigo proprietário em casos de responsabilidade civil (acidentes), baseando-se na guarda da coisa. Contudo, no Direito Tributário, o cenário é mais hostil. O artigo 134 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) impõe a solidariedade ao antigo proprietário que não comunica a venda.
Embora o STJ tenha precedentes que mitigam essa solidariedade para débitos de IPVA posteriores à venda comprovada, as Fazendas Estaduais resistem bravamente. O advogado deve alertar o cliente:
- A defesa administrativa raramente prospera; a judicialização é quase certa.
- Risco de Sucumbência: Pelo princípio da causalidade, mesmo que o vendedor vença a ação e anule o débito fiscal provando a venda, ele pode ser condenado a pagar os honorários do advogado do Estado, pois foi sua omissão (não comunicar a venda) que deu causa ao processo.
4. Usucapião de Bem Móvel: A Solução Cirúrgica
Uma ferramenta poderosa, frequentemente esquecida pelos generalistas, é a Usucapião de Bem Móvel (Arts. 1.260 e 1.261 do CC). Ela serve para sanar vícios em cadeias sucessórias informais, onde o veículo passou por diversos donos sem transferência registral (“pule de registro”).
- Usucapião Ordinária (3 anos): Exige justo título (o contrato, mesmo de gaveta) e boa-fé.
- Usucapião Extraordinária (5 anos): Independe de título ou boa-fé.
Esta é a via adequada para regularizar a propriedade de forma originária, “limpando” o bem de penhoras e restrições anteriores à prescrição aquisitiva. É uma tese de defesa e regularização extremamente técnica e eficaz.
5. Responsabilidade Civil e a Súmula 132 do STJ
No campo da responsabilidade civil por acidentes, a defesa técnica não se pauta apenas na “propriedade”, mas na “guarda”. A Súmula 132 do STJ estabelece que a ausência de registro da transferência não implica a responsabilidade do antigo proprietário por dano resultante de acidente que envolva o veículo alienado.
O nexo causal da responsabilidade aquiliana, aqui, deriva da condução e da guarda do bem. Se o advogado comprova a tradição anterior ao evento danoso, rompe-se o nexo causal, pois o antigo dono não tinha mais poder de ingerência sobre a coisa. Novamente, a qualidade da prova da data da tradição será o divisor de águas entre a condenação e a absolvição.
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Conclusão: O Dever de Diligência
A regularização da propriedade móvel é um dever instrumental, mas a existência do direito de propriedade é factual. O advogado moderno não pode confiar cegamente no documento do DETRAN (presunção juris tantum), nem subestimar a burocracia estatal. Deve-se atuar com visão tridimensional: protegendo a posse fática, garantindo a prova da data certa (“data da tradição”) e antecipando os riscos fiscais e fiduciários que o simples aperto de mãos não resolve.
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Acesse a lei relacionada em Código Civil – Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-06/propriedade-de-moto-nao-depende-de-transferencia-registral/.