A arquitetura constitucional brasileira foi desenhada sob a égide do sistema de freios e contrapesos. Contudo, a prática forense recente demonstra que a teoria clássica nem sempre sobrevive ao campo de batalha dos tribunais superiores.
Para o advogado que atua na trincheira da defesa de agentes políticos, não basta conhecer a literalidade do artigo 53 da Constituição.
Vivemos um momento de mutação constitucional e de realismo jurídico, onde as imunidades parlamentares colidem frontalmente com novas interpretações sobre a defesa do Estado Democrático de Direito.
Quando o Poder Judiciário determina a prisão de um parlamentar e o Legislativo reage, não estamos apenas diante de uma aplicação de regras, mas de uma disputa hermenêutica sobre o alcance da jurisdição e a soberania do mandato popular.
Compreender a profundidade dessas tensões — e o que não está escrito nos manuais básicos — é essencial para atuar em casos de alta complexidade.
O “Elefante na Sala”: A Mutação do Flagrante Delito
A doutrina clássica ensina que a imunidade formal protege o parlamentar da prisão, salvo em flagrante de crime inafiançável.
No entanto, a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal, especialmente no contexto do Inquérito das Fake News (Inq. 4781), introduziu conceitos disruptivos que desafiam a visão tradicional.
O conceito de “flagrante permanente” ou continuado em crimes digitais e de opinião mudou a regra do jogo.
Segundo esse entendimento, um vídeo com conteúdo criminoso postado na internet mantém o estado de flagrância enquanto estiver disponível para acesso, permitindo a prisão do parlamentar dias após a publicação, sem a necessidade de perseguição física imediata.
Essa “elasticidade hermenêutica” é o verdadeiro desafio da defesa técnica atual: combater ou sustentar a tese de que o crime se prolonga no tempo através do meio digital.
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A Inafiançabilidade como Construção Processual
A Constituição lista taxativamente os crimes inafiançáveis (racismo, tortura, tráfico, terrorismo, hediondos e ação de grupos armados).
Porém, na prática de alta performance, a inafiançabilidade tornou-se um conceito mais aberto.
O Judiciário tem se valido do artigo 324, inciso IV, do Código de Processo Penal para construir a inafiançabilidade no caso concreto.
O dispositivo estabelece que não será concedida fiança quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva.
Logo, crimes que em tese seriam fiançáveis tornam-se inafiançáveis pela presença dos requisitos da cautelar extrema (garantia da ordem pública, por exemplo), viabilizando, assim, a prisão em flagrante do parlamentar.
O advogado precisa estar atento: a barreira da inafiançabilidade hoje é transponível via interpretação processual casuística.
ADPF 5526 e as Zonas Cinzentas das Cautelares
O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5526 foi um marco ao definir que medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do CPP) também devem ser submetidas ao crivo da Casa Legislativa se impactarem o exercício do mandato.
Contudo, a tensão reside na definição prática: quem define o que impacta o mandato?
- O uso de tornozeleira eletrônica impede o exercício da função?
- A proibição de uso de redes sociais, hoje ferramenta vital de comunicação com a base eleitoral, fere a representatividade?
Essas são as zonas cinzentas onde a batalha jurídica real acontece.
O Supremo Tribunal Federal tem aplicado restrições severas, como o banimento digital, sob o argumento da proteção da ordem pública, enquanto a defesa deve argumentar que tais medidas, na prática, equivalem a uma cassação branca do mandato sem o devido processo político.
Precisão Técnica: O Papel do Juiz de Primeira Instância
Um erro comum é imaginar que um juiz de primeira instância “decreta” a prisão de um parlamentar federal.
Devido ao foro por prerrogativa de função, a competência para decretar prisões cautelares (preventiva ou temporária) é exclusiva do STF.
Quanto à prisão em flagrante, ela não é decretada pelo juiz, mas efetuada pela autoridade policial (ou qualquer do povo).
Ao receber o Auto de Prisão em Flagrante (APF) de um Deputado Federal ou Senador, o juiz de piso não possui jurisdição decisória para relaxar a prisão ou conceder liberdade provisória.
Seu papel é de mero trâmite burocrático: deve remeter os autos imediatamente ao Supremo Tribunal Federal.
Qualquer ato decisório de mérito sobre a liberdade do parlamentar federal emanado da primeira instância é uma usurpação de competência da Corte Suprema.
Simetria Federativa e a Extensão aos Estados
Apesar das controvérsias federais, um ponto pacífico é a aplicação do princípio da simetria.
O artigo 27, § 1º da Constituição estende aos Deputados Estaduais as mesmas garantias de inviolabilidade e imunidade.
Isso significa que as Assembleias Legislativas possuem a prerrogativa de revogar a prisão de seus membros decretada por Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais.
O STF já sedimentou que as Constituições Estaduais não podem inovar, mas devem replicar o modelo federal, garantindo a autonomia dos entes federados frente ao Poder Judiciário local.
A Natureza Híbrida da Deliberação Parlamentar
Quando a Casa Legislativa recebe os autos da prisão, ela exerce um controle político sobre um ato jurídico.
A decisão de revogar a prisão (pelo voto da maioria dos membros) não se confunde com absolvição.
- Revogação da Prisão: Restitui apenas a liberdade de locomoção (status libertatis). O processo continua.
- Sustação da Ação Penal (Art. 53, § 3º): É uma medida distinta e mais drástica, que suspende o andamento do processo e a prescrição durante o mandato.
Confundir esses dois institutos é fatal para a estratégia de defesa. A sustação exige iniciativa de partido político, enquanto a revisão da prisão é um rito automático imposto pela Constituição.
O Choque: Artigo 53 vs. Defesa da Democracia
Por fim, o advogado moderno deve compreender o limite atual da imunidade material (inviolabilidade por opiniões, palavras e votos).
A jurisprudência atual não tolera o uso da tribuna ou das redes sociais para a prática de atos que atentem contra o Estado Democrático de Direito.
Discursos de ódio ou incitação à ruptura institucional não estão mais abarcados pelo manto protetor do Artigo 53.
A blindagem do parlamentar está sendo perfurada pela aplicação da Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito e pela Lei de Segurança Nacional (revogada em partes, mas cujos conceitos ecoam).
Atuar nesse cenário exige uma advocacia de elite, capaz de navegar entre o Direito Penal, o Processo Constitucional e a Teoria Política.
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Insights sobre o tema
A tese do “flagrante permanente” em crimes digitais transformou a imunidade prisional em um conceito relativo, permitindo prisões dias após a conduta.
A inafiançabilidade deixou de ser apenas um rol constitucional taxativo para se tornar uma construção processual via Art. 324, IV do CPP.
Medidas cautelares que afetam o mandato, como banimento de redes sociais, geram conflitos sobre quem define o impedimento do exercício parlamentar.
O juiz de primeira instância jamais decreta prisão preventiva de parlamentar federal; ele atua apenas remetendo o flagrante ao STF.
A imunidade material não é um salvo-conduto para atentados contra a democracia; o “abuso de direito” é a chave para a responsabilização penal do parlamentar.
Perguntas e Respostas
1. A Casa Legislativa pode revogar qualquer tipo de prisão decretada contra um parlamentar?
A Constituição prevê o controle sobre a prisão em flagrante. No entanto, com a extensão do entendimento para medidas cautelares (ADI 5526), a Casa pode rever atos que impactem o mandato. A prisão preventiva decretada ilegalmente (fora do flagrante inafiançável) deve ser combatida via Habeas Corpus no Judiciário, mas a Casa também exerce pressão política.
2. Um juiz de primeira instância pode mandar soltar ou prender um Deputado Federal?
Não. Ele não tem competência para decretar a preventiva (reserva de jurisdição do STF) e, no caso de flagrante, ele não tem competência para decidir sobre a liberdade. Seu dever é remeter os autos imediatamente ao Supremo Tribunal Federal.
3. O vídeo postado na internet justifica a prisão em flagrante dias depois?
Segundo a jurisprudência recente do STF (Inq. 4781), sim. Prevalece a tese do crime permanente enquanto o conteúdo estiver acessível, estendendo o estado de flagrância para além da perseguição física imediata.
4. A proibição de uso de redes sociais precisa passar pelo crivo da Câmara ou Senado?
É uma zona de disputa. A defesa deve argumentar que, na era digital, as redes sociais são extensão do mandato parlamentar. Se a medida cautelar inviabiliza o exercício da representação, aplica-se o entendimento da ADI 5526, exigindo aval da Casa Legislativa.
5. Deputados Estaduais têm as mesmas garantias?
Sim, por força do princípio da simetria e do Art. 27, § 1º da CF. As Assembleias Legislativas têm o poder de rever prisões de seus membros decretadas por desembargadores ou juízes, salvo se houver intervenção de competência federal específica.
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Acesse a lei relacionada em Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-08/alerj-contraria-alexandre-e-revoga-prisao-de-rodrigo-bacellar-presidente-da-casa/.