O direito aduaneiro brasileiro opera em uma zona de alta tensão entre a necessidade de controle fiscal e a liberdade econômica. Para advogados e operadores do direito, um dos temas mais desafiadores — e estrategicamente valiosos — é a aplicação da prescrição intercorrente nos processos administrativos sancionadores. Embora a segurança jurídica imponha limites à pretensão punitiva do Estado, a prática revela um campo de batalha onde a jurisprudência dos tribunais superiores colide frontalmente com a resistência administrativa da Receita Federal.
A Constituição Federal assegura a razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII), mas transformar esse princípio em realidade prática exige do advogado não apenas conhecimento teórico, mas uma leitura cínica e realista dos ritos processuais. Não basta saber que o processo não pode ser eterno; é preciso saber como forçar o Estado a reconhecer sua própria inércia.
O Conflito de Ritos: Decreto 70.235/72 vs. Decreto-Lei 1.455/76
Uma das maiores armadilhas para quem atua na defesa aduaneira é a confusão entre os ritos processuais. O texto legal não é uniforme, e a estratégia de defesa muda conforme a base normativa da autuação.
- Rito do Decreto nº 70.235/1972: Geralmente aplicado para a exigência de tributos e multas aduaneiras lançadas em auto de infração. Aqui, a Administração tende a aplicar a lógica do Código Tributário Nacional, resistindo à ideia de prescrição intercorrente.
- Rito do Decreto-Lei nº 1.455/1976: Utilizado especificamente para a pena de perdimento de mercadorias, veículos e moedas. Trata-se de um rito sumário, muitas vezes de instância única ou com revisão simplificada.
O advogado deve compreender que, embora os ritos sejam distintos, a natureza da sanção (seja multa ou perdimento) atrai a incidência da Lei nº 9.873/1999. Contudo, a aplicação dessa lei não é automática na via administrativa. É vital identificar qual rito está sendo seguido para antecipar os prazos e a autoridade coatora em um eventual Mandado de Segurança.
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A Batalha da Lei 9.873/1999 e a Súmula CARF nº 11
A Lei nº 9.873/1999 estabelece que prescreve em três anos a ação punitiva da Administração Pública Federal no processo paralisado pendente de julgamento ou despacho. No Judiciário, especialmente no Superior Tribunal de Justiça (STJ), consolidou-se o entendimento de que esta lei se aplica às sanções administrativas, inclusive as aduaneiras.
No entanto, a realidade dentro do contencioso administrativo é hostil. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) possui a Súmula nº 11, que dispõe: “Não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal”.
Isso cria um cenário dúbio:
- No CARF/DRJ: A tendência é a manutenção da multa ou perdimento, sob o argumento de que o processo fiscal segue o Decreto 70.235/72 e que a prescrição seria regida pelo CTN (que exige 5 anos de paralisação apenas na execução, e não no curso do processo administrativo).
- No Judiciário: A tese da defesa ganha força. O advogado deve realizar um distinguishing (distinção) claro: a Súmula 11 pode até se aplicar à cobrança do tributo (crédito), mas jamais à sanção (penalidade), pois esta deve obedecer ao estatuto punitivo da Lei 9.873/99.
Distinção Ontológica: Tributo vs. Sanção
O coração da tese defensiva reside na separação cirúrgica entre o que é arrecadação e o que é punição.
1. Tributo: Receita derivada, sem caráter de sanção. Sua cobrança busca carrear fundos aos cofres públicos. O STJ entende que, impugnado o lançamento, a exigibilidade fica suspensa, não correndo prazo prescricional contra a Fazenda (tese tradicional).
2. Multa e Perdimento: Sanções administrativas decorrentes do poder de polícia. Visam punir o ilícito. Aqui, o Estado não tem o “direito eterno” de punir. A inércia estatal por mais de três anos fulmina a pretensão punitiva.
Em um mesmo auto de infração aduaneiro, é comum haver a cobrança do tributo não pago e uma multa qualificada. A estratégia do advogado deve ser isolar a multa e aplicar a prescrição intercorrente sobre ela, ainda que a discussão sobre o tributo principal permaneça viva.
O que é “Ato Inequívoco” de Apuração?
Para a contagem do prazo trienal da Lei 9.873/99, é crucial entender o que interrompe a prescrição. A lei fala em “ato inequívoco que importe apuração do fato”.
A Administração frequentemente tenta mascarar a inércia com despachos de mero expediente (ex: “encaminhe-se”, “aguarde-se”, “junte-se”). Estes atos não interrompem a prescrição.
Para zerar o cronômetro, o ato processual precisa ter conteúdo decisório ou instrutório real. Exemplos de atos que interrompem:
- Despacho saneador que delimita a controvérsia;
- Intimação exigindo documentos novos relevantes para o mérito;
- Parecer técnico que analisa as provas;
- Julgamento em primeira instância.
O advogado deve construir uma “linha do tempo” rigorosa, desconsiderando carimbos e movimentações burocráticas que não agregam valor à apuração da infração. Se entre dois atos de conteúdo real decorreram mais de três anos, a prescrição deve ser alegada.
Estratégia Processual: Da Via Administrativa ao Judicial
Diante da resistência administrativa, a alegação de prescrição intercorrente deve ser feita na primeira oportunidade de defesa ou recurso, por ser matéria de ordem pública. Contudo, o advogado deve preparar o cliente para um provável indeferimento na esfera administrativa (devido à Súmula CARF nº 11 e pareceres da PGFN).
A “vitória” dessa tese geralmente ocorre na judicialização. A impetração de Mandado de Segurança ou Ação Anulatória torna-se o caminho natural para reverter a decisão administrativa viciada, invocando a jurisprudência pacífica do STJ que sobrepõe a Lei 9.873/99 às normas internas da Receita Federal quando o assunto é sanção.
A segurança jurídica, nesse contexto, não é dada de presente; é conquistada. Ela impede que empresas fiquem com passivos ocultos ou mercadorias apreendidas deteriorando-se indefinidamente enquanto o Estado “dorme” sobre o processo.
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Insights para a Advocacia de Ponta
A prescrição intercorrente no direito aduaneiro não é uma tese mágica, mas uma ferramenta técnica de controle da eficiência estatal. O advogado de sucesso não apenas alega a prescrição; ele a demonstra dissecando a inatividade material do processo, distinguindo atos de impulso oficial de atos de mera movimentação física dos autos. Além disso, a capacidade de separar a defesa do tributo da defesa da sanção pode resultar em economias milionárias para o cliente, derrubando multas que muitas vezes superam o valor do principal.
Perguntas e Respostas
A Súmula CARF nº 11 impede totalmente a alegação de prescrição intercorrente?
Na esfera administrativa (dentro do CARF), ela é um obstáculo quase intransponível para processos regidos pelo Decreto 70.235/72. No entanto, ela não vincula o Poder Judiciário. O advogado deve esgotar a via administrativa e, se negado o pedido, levar a discussão ao Judiciário, onde a Súmula 11 é frequentemente afastada em casos de sanções (multas/perdimento).
Qual a diferença prática na prescrição entre multa e perdimento?
A base legal da prescrição é a mesma (Lei 9.873/99), mas o rito é diferente. O perdimento (DL 1.455/76) corre em rito sumário e mais rápido. Se houver inércia de 3 anos nesse rito, a prescrição é ainda mais evidente, dado o caráter de urgência do procedimento. Já a multa pecuniária, muitas vezes atrelada à cobrança de tributo (Decreto 70.235/72), enfrenta maior resistência devido à confusão com o crédito tributário.
Um despacho de “encaminhamento para inscrição em dívida ativa” interrompe a prescrição?
Depende do contexto, mas a tendência é que atos meramente ordinatórios ou de execução burocrática não interrompam a prescrição intercorrente do processo de conhecimento (apuração). O ato interruptivo deve visar a apuração do fato infrator. Se a infração já foi apurada e o processo está parado na fase de cobrança, a discussão muda para prescrição executória.
A prescrição intercorrente extingue também o tributo devido?
Geralmente não. A tese mais aceita é que a Lei 9.873/99 extingue o direito de punir (multas e sanções políticas). O tributo (imposto de importação, IPI, etc.) segue a regra do art. 174 do CTN. Salvo se houver prescrição intercorrente na execução fiscal (Lei 6.830/80), a prescrição administrativa da sanção não contamina automaticamente o crédito tributário principal.
Posso alegar a prescrição de ofício ou preciso ser provocado?
A prescrição é matéria de ordem pública. O juiz ou a autoridade administrativa deveriam reconhecê-la de ofício (sem pedido da parte). Na prática, porém, a Administração raramente o faz contra si mesma. Cabe ao advogado alegar a matéria de forma expressa e fundamentada a qualquer tempo nas instâncias ordinárias.
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Acesse a lei relacionada em Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-09/prescricao-intercorrente-aduaneira-tema-1-293-stj-seu-raio-de-alcance/.