A Era da Consensualidade na Administração Pública: Teoria, Prática e os Desafios do “Brasil Real”
O Direito Administrativo brasileiro atravessa um momento histórico de redefinição. Durante décadas, o ensino e a aplicação desse ramo jurídico estiveram calcados na ideia de uma Administração Pública autorreferente e verticalizada. O conceito de supremacia do interesse público serviu, muitas vezes, como um escudo para justificar atos unilaterais. No entanto, o século XXI trouxe a consolidação da chamada Administração Pública Dialógica ou Consensual.
Contudo, é preciso cautela ao analisar essa transição. A consensualidade não transforma a relação vertical em uma horizontalidade pura. O Estado continua detentor de prerrogativas de autoridade (puissance publique) e a supremacia do interesse público permanece como o fim a ser atingido. Para o advogado moderno, o desafio não é apenas saber que a negociação é possível, mas compreender os limites éticos e legais da “renúncia” estatal e como navegar em um ambiente onde a teoria nem sempre conversa com a prática dos órgãos de controle.
O “Dever Ser” da LINDB versus a Realidade do Controle
A base teórica para a adoção de meios consensuais foi fortalecida pela alteração da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) em 2018. A inclusão do artigo 26 foi celebrada como uma revolução ao autorizar compromissos para eliminar irregularidades e incertezas jurídicas.
Na teoria, o dispositivo trouxe segurança. Na prática, o cenário é mais turbulento. O advogado administrativista enfrenta hoje o que se chama de “ativismo de controle”. Muitas vezes, um acordo celebrado com base na LINDB, devidamente motivado pelo gestor e seu corpo jurídico, corre o risco de ser questionado ou desconstituído por auditores de Tribunais de Contas ou pelo Ministério Público, que por vezes adentram o mérito administrativo.
Portanto, a segurança jurídica do artigo 26 não é automática; ela depende da qualidade técnica da blindagem do acordo e da deferência dos órgãos de controle, algo que ainda está em construção no Brasil.
A Nova Lei de Licitações e a Armadilha da Arbitragem
A Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) consagrou meios alternativos de resolução de controvérsias, como a conciliação, o dispute board e a arbitragem. O legislador reconheceu que contratos de longa duração exigem soluções dinâmicas.
Todavia, a aplicação prática da arbitragem enfrenta barreiras:
- Definição de Direitos Patrimoniais Disponíveis: A Administração frequentemente alega que certos temas são de “ordem pública” ou decorrem de decisões discricionárias técnicas para fugir da arbitragem, gerando impasses sobre a arbitrabilidade subjetiva e objetiva.
- Custo Financeiro: A arbitragem é um instrumento excelente para grandes obras de infraestrutura, mas muitas vezes inviável para a realidade da advocacia municipalista. Para pequenos e médios municípios, os custos procedimentais da arbitragem podem ser proibitivos.
O Campo Minado dos Acordos de Leniência
No campo sancionador, os Acordos de Leniência (Lei Anticorrupção) representam o ápice da justiça negociada. Entretanto, o Brasil ainda sofre com a falta de um “balcão único” efetivo. A multiplicidade de instâncias de controle gera um cenário de insegurança: uma empresa pode fechar um acordo com a CGU/AGU e, posteriormente, ser acionada pelo Ministério Público ou multada pelo Tribunal de Contas da União pelos mesmos fatos.
Nesse contexto, o advogado precisa atuar não apenas como um jurista, mas como um gestor de riscos políticos e institucionais. A falha na condução dessas negociações pode resultar em confissões que, em vez de beneficiarem o cliente, geram passivos incalculáveis em outras esferas.
O Novo Perfil do Profissional: Interdisciplinaridade é Obrigatória
A transição para a consensualidade exige uma mudança radical no perfil de competências do advogado. A oratória forense e o conhecimento estrito da doutrina jurídica já não são suficientes. A advocacia consensual exige alfabetização financeira e econômica.
Para negociar um reequilíbrio econômico-financeiro ou um acordo de leniência, o profissional deve compreender conceitos como:
- Valor Presente Líquido (VPL);
- Fluxo de caixa descontado;
- Matriz de risco contratual.
O advogado que vai para a mesa de negociação citando apenas princípios jurídicos, sem dominar a planilha de custos e a engenharia do contrato, coloca seu cliente em desvantagem técnica perante os peritos da Administração.
Superando o “Direito Administrativo do Medo”
Apesar do avanço legislativo, a implementação da consensualidade esbarra no “Apagão das Canetas”. Gestores públicos, receosos da responsabilização pessoal (o medo do CPF), muitas vezes preferem a inércia ou o litígio judicial, que, embora mais caro e lento, é visto como “mais seguro” para a biografia do agente público.
Para superar esse obstáculo, a construção do acordo exige uma fundamentação técnica muito mais robusta do que uma petição inicial de litígio. É necessário demonstrar, através de dados concretos e métricas de eficiência, que a solução consensual é a única via que atende ao interesse público primário.
Conclusão
A consensualidade no Direito Administrativo é um caminho sem volta, mas não é um caminho plano. Estamos migrando de um modelo de confronto para um modelo de construção de soluções, mas essa travessia exige um profissional preparado para lidar com a insegurança que ainda persiste na transição desses paradigmas.
Dominar a técnica jurídica, aliada à visão econômica e estratégica, é o que diferencia o advogado que apenas conhece a lei daquele que efetivamente resolve problemas complexos no setor público. O mercado exige “arquitetos de soluções” com estômago forte para a realidade prática.
Quer dominar a consensualidade com um olhar prático e realista sobre os desafios do setor público? Conheça nosso curso Pós-Graduação Prática em Direito Administrativo e prepare-se para o mercado jurídico de alto nível.
Insights sobre o tema
A consensualidade não elimina a supremacia do interesse público, mas a ressignifica. A segurança jurídica prometida pela LINDB ainda depende de uma mudança cultural nos órgãos de controle. Em contratos públicos, a discussão econômica (VPL, fluxo de caixa) é tão importante quanto a tese jurídica. O advogado administrativista moderno precisa ser um híbrido de jurista e negociador técnico para sobreviver à “guerra institucional” das múltiplas instâncias sancionadoras.
Perguntas e Respostas
1. A arbitragem é viável para todos os municípios brasileiros?
Na prática, não. Embora a lei permita, os custos elevados das câmaras arbitrais e dos honorários de árbitros tornam o instituto proibitivo para pequenos municípios e contratos de menor vulto, sendo mais adequada para grandes projetos de infraestrutura.
2. O que é o problema do “balcão único” nos acordos de leniência?
Refere-se à ausência de uma única autoridade com poder para dar quitação integral à empresa colaboradora. No Brasil, a empresa precisa negociar com múltiplos órgãos (MP, CGU, AGU, TCU), correndo o risco de ter o acordo questionado por uma das instituições que não participou da negociação inicial.
3. O gestor público pode ser punido por fazer um acordo?
Sim, se o órgão de controle entender que houve “renúncia indevida de receita” ou que o acordo foi lesivo ao erário. Por isso, a advocacia consensual exige uma motivação técnica extremamente robusta para blindar o CPF do gestor contra o “Direito Administrativo do Medo”.
4. Por que o advogado precisa entender de economia na via consensual?
Porque a maioria dos conflitos administrativos envolve equilíbrio econômico-financeiro. Argumentar apenas com base na lei, sem saber calcular o impacto financeiro ou analisar o fluxo de caixa do contrato, torna a defesa ineficaz diante dos corpos técnicos da Administração.
5. O art. 26 da LINDB resolveu a insegurança jurídica?
Legislativamente sim, mas na prática ainda não totalmente. A aplicação do artigo depende da deferência dos órgãos de controle às escolhas administrativas. Sem essa deferência, o acordo administrativo pode acabar sendo judicializado ou desfeito pelos Tribunais de Contas.
Aprofunde seu conhecimento sobre o assunto na Wikipedia.
Acesse a lei relacionada em Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos)
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-07/consensualidade-transformacao-do-direito-administrativo-no-seculo-21/.