A Tensão Institucional Contemporânea: O Judiciário entre a Defesa da Democracia e o Risco da Juristocracia
A dinâmica constitucional brasileira vive, talvez, seu momento de maior complexidade. Se por um lado a Constituição de 1988 impôs ao Poder Judiciário a guarda de promessas republicanas abrangentes, gerando uma inevitável judicialização da política, por outro, assistimos ao crescimento de um fenômeno mais controverso: a expansão da hermenêutica judicial para territórios onde a fronteira entre a “correção” jurídica e a vontade política se dissolve. Para o advogado que atua na alta complexidade, não basta compreender a narrativa institucional de defesa da democracia; é imperativo dissecar os riscos dogmáticos de um sistema que caminha no fio da navalha entre o garantismo e o ativismo solipsista.
O Estado Democrático de Direito exige vigilância, mas também autocontenção. A atuação das cortes superiores, embora fundamental para conter arroubos autoritários, não está imune à crítica técnica. O desafio contemporâneo não é apenas afirmar a autoridade da Corte, mas compreender até que ponto a “moralização” do Direito e o pan-principialismo podem, paradoxalmente, fragilizar a segurança jurídica que se pretende proteger.
Judicialização ou Ativismo: A Porosidade das Fronteiras
A distinção clássica entre judicialização da política — consequência natural de uma Constituição analítica — e ativismo judicial é, na prática forense, muito mais líquida do que a teoria costuma admitir. Enquanto a primeira decorre da provocação legítima sobre temas que o constituinte juridicizou, o segundo muitas vezes esconde uma postura voluntarista do julgador.
Para o operador do Direito, é crucial identificar quando a decisão judicial deixa de ser um ato de aplicação normativa para se tornar um exercício de criação legislativa ou de gestão pública sem expertise técnica. Os riscos dessa postura incluem:
- O Solipsismo Judicial: Quando a decisão é fundamentada na consciência individual do julgador e não na integridade do sistema jurídico, substituindo o código legal pelo código moral do magistrado.
- Violação da Legalidade Estrita: A criação de tipos penais por analogia ou a extensão de competências sem base legal expressa, sob o pretexto de proteger princípios abstratos.
- Juristocracia: O deslocamento do centro de decisão política das esferas representativas para uma elite técnica não eleita, gerando tensões de legitimidade.
O domínio da teoria constitucional é indispensável não apenas para legitimar as decisões, mas para contestá-las tecnicamente quando estas ultrapassam as balizas do desenho institucional. Cursos aprofundados, como a Pós-Graduação em Direito e Processo Constitucional, são essenciais para fornecer o estofo teórico necessário para essa advocacia combativa e qualificada.
Democracia Militante e o Perigo do Processo Penal de Exceção
A evocação da teoria da Democracia Militante, formulada por Karl Loewenstein na década de 1930, oferece o substrato teórico para que o Estado se defenda contra aqueles que usam as liberdades democráticas para destruí-las. Contudo, a transposição desse conceito para o Brasil do século XXI exige cautela extrema para não resvalar no chamado Direito Penal do Inimigo.
A defesa das instituições justifica a suspensão de garantias fundamentais? A condução de inquéritos de ofício, onde a figura do acusador e do julgador se confundem, coloca em xeque o Sistema Acusatório, pilar do processo penal democrático. O advogado deve questionar se os fins (a preservação da democracia) justificam meios processuais heterodoxos. A normalização de medidas de exceção dentro da democracia pode criar precedentes perigosos que, futuramente, poderão ser usados contra o próprio espectro político que hoje os aplaude.
A atuação técnica exige a capacidade de separar a necessária repressão a atos golpistas da preservação inegociável do devido processo legal. Sem forma, não há garantia de liberdade.
Liberdade de Expressão e a Armadilha da Ponderação
No embate entre a liberdade de expressão e a defesa das instituições, a técnica da ponderação de interesses (ou sopesamento) é frequentemente apresentada como a solução mágica. No entanto, sem o rigor metodológico proposto por autores como Robert Alexy, a ponderação corre o risco de se tornar um exercício de arbítrio, onde o juiz decide com base em “quem pesa mais” segundo sua própria subjetividade.
O combate à desinformação e ao discurso de ódio é vital, mas a atuação do Judiciário como censor da verdade factual traz consigo o risco do chilling effect (efeito inibidor). Quando a linha do que é permitido é traçada de forma imprecisa ou casuística, cria-se um ambiente de autocensura que empobrece o debate público.
- Definição de “Verdade”: A dificuldade epistemológica de o Estado definir o que é fato ou fake news em tempo real, especialmente no debate político.
- Responsabilização vs. Censura Prévia: A distinção técnica entre punir o abuso a posteriori e impedir a manifestação do pensamento, vedada pela Constituição.
A Dificuldade Contramajoritária e o Efeito Backlash
O papel contramajoritário das cortes constitucionais é proteger as minorias e as regras do jogo contra as maiorias de ocasião. No entanto, essa função não é um cheque em branco. Quando o tribunal tensiona excessivamente a corda contra os poderes eleitos ou contra o sentimento social majoritário, corre o risco de sofrer um backlash (reação política adversa).
A história constitucional mostra que cortes que perdem sua autoridade social tendem a ter suas decisões ignoradas ou revertidas, enfraquecendo a instituição a longo prazo. O advogado constitucionalista deve compreender esse fenômeno político para traçar estratégias eficazes. A defesa da ordem constitucional não pode depender apenas da caneta de um ministro, mas deve encontrar ressonância na sociedade e nas instituições políticas. Uma corte que precisa reafirmar seu poder a todo momento demonstra, paradoxalmente, fragilidade institucional.
Advocacia na Fronteira do Direito Público
Para o profissional que atua nesse cenário turbulento, o conhecimento superficial da lei seca é insuficiente. A batalha pela preservação do Estado de Direito — e pelos direitos individuais dentro dele — trava-se no campo da hermenêutica, da teoria dos direitos fundamentais e do processo estratégico.
O manejo de instrumentos como a ADPF, o Mandado de Segurança Coletivo e a atuação nos inquéritos dos tribunais superiores exige uma precisão cirúrgica. É preciso saber navegar entre o procedimentalismo (o respeito estrito às regras do jogo) e o substancialismo (a defesa de valores morais), apontando as contradições quando o Judiciário adota uma postura errática.
A verdadeira defesa da democracia passa pelo fortalecimento de uma advocacia que não se curva a narrativas oficiais sem ressalvas, mas que exige das instituições a coerência e a integridade que a Constituição determina.
Quer aprofundar seu entendimento crítico e técnico sobre esses temas vitais? Conheça a Pós-Graduação em Direito e Processo Constitucional e prepare-se para os desafios da advocacia de alta performance.
Insights sobre o tema
- Limites da Ponderação: A técnica de sopesamento de princípios não pode servir de álibi para o decisionismo; ela exige ônus argumentativo rigoroso para não violar a segurança jurídica.
- Risco ao Sistema Acusatório: A concentração de poderes investigativos e judicantes em uma única instância, sob a justificativa de defesa institucional, fragiliza a imparcialidade objetiva.
- Efeito Backlash: O ativismo excessivo pode gerar reações políticas que visam esvaziar a competência da Corte, prejudicando o equilíbrio entre os poderes a longo prazo.
- Hermenêutica e Moralismo: A substituição da norma positivada por valores morais subjetivos do julgador (“pan-principialismo”) corrói a previsibilidade do Direito.
- Democracia Defensiva: Embora necessária, a aplicação da teoria da democracia militante deve observar estritamente a legalidade para não se converter em arbítrio estatal.
Perguntas e Respostas
1. O ativismo judicial é sempre negativo?
O termo carrega uma conotação negativa quando implica que o juiz impõe sua vontade pessoal sobre a lei (solipsismo). No entanto, em casos de omissão legislativa inconstitucional ou violação de direitos fundamentais, uma postura proativa do Judiciário é necessária para garantir a eficácia da Constituição. O problema reside na falta de critérios claros para essa atuação.
2. A defesa da democracia justifica inquéritos de ofício pelos tribunais?
Este é um dos pontos de maior tensão dogmática atual. Embora o Regimento Interno do STF preveja tal possibilidade em casos específicos (art. 43), a crítica garantista aponta que isso fere o Sistema Acusatório, onde quem julga não deve investigar nem acusar, para preservar a imparcialidade.
3. O que é o “Efeito Chilling” na liberdade de expressão?
É o efeito inibidor ou de autocensura que ocorre quando as regras sobre o que pode ser dito são vagas ou a punição é imprevisível. O cidadão, com medo de represálias estatais, deixa de exercer legitimamente seu direito de crítica, o que empobrece a democracia.
4. Qual a diferença entre procedimentalismo e substancialismo?
O procedimentalismo defende que o papel do Judiciário é garantir que as “regras do jogo” democrático sejam seguidas, deixando as escolhas de valores para a política. O substancialismo entende que o Judiciário deve impor certos valores e resultados (como justiça social ou moralidade) mesmo contra a vontade da maioria legislativa.
5. Como o advogado deve atuar frente a decisões que considera ativistas?
O advogado deve utilizar a técnica recursal e a dogmática constitucional para evidenciar a violação da integridade do Direito. Isso envolve demonstrar, através de precedentes e teoria jurídica, que a decisão rompe com a legalidade estrita ou com a separação de poderes, evitando argumentos puramente políticos e focando na incoerência sistêmica da decisão.
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Acesse a lei relacionada em Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-06/alexandre-de-moraes-esta-na-lista-dos-25-mais-influentes-do-ano-do-financial-times/.