A aquisição de um imóvel na planta ou recém-construído carrega consigo uma expectativa legítima de fruição imediata e segura do bem. No entanto, a prática jurídica demonstra que a entrega das chaves nem sempre encerra o ciclo de obrigações da construtora de forma satisfatória. Quando vícios construtivos tornam a unidade inabitável, o Direito deve intervir para restabelecer o equilíbrio econômico e proteger a dignidade do adquirente.
A relação estabelecida entre a incorporadora e o comprador é, via de regra, de consumo. Isso atrai a incidência das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, em especial a responsabilidade objetiva do fornecedor. O profissional do Direito deve compreender que a obrigação da construtora é de resultado, e não apenas de meio. A entrega de um produto que não se presta ao fim a que se destina equivale ao inadimplemento absoluto ou relativo, dependendo da gravidade dos vícios apresentados.
A inabitabilidade do imóvel não se confunde com meros defeitos estéticos ou de acabamento. Trata-se de falhas estruturais, sanitárias ou de segurança que impedem o uso regular da propriedade. Nesses cenários, a jurisprudência tem consolidado o entendimento de que a reparação deve ser integral, abrangendo não apenas o conserto da obra, mas também os prejuízos colaterais suportados pelo consumidor durante o período de privação do uso.
A Teoria do Risco do Empreendimento e a Responsabilidade Objetiva
O fundamento jurídico para a condenação de construtoras em casos de imóveis sem condições de moradia reside na teoria do risco do empreendimento. Quem aufere os lucros da atividade econômica deve suportar os riscos a ela inerentes. O artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor é claro ao estabelecer a responsabilidade do construtor pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção ou montagem.
Não há necessidade de comprovação de culpa da construtora. Basta a demonstração do nexo causal entre o defeito da obra e o dano sofrido pelo comprador. A alegação de caso fortuito ou força maior, frequentemente utilizada como tese de defesa, raramente prospera em tribunais superiores quando se trata de intempéries previsíveis ou problemas administrativos, pois estes são considerados fortuitos internos, inerentes à atividade da construção civil.
Para o advogado que atua na defesa dos interesses do adquirente, é crucial demonstrar que o vício de qualidade torna o produto impróprio para o consumo. O artigo 18 do CDC solidifica a responsabilidade solidária dos fornecedores, permitindo ao consumidor exigir a substituição das partes viciadas. Contudo, quando o vício compromete a habitabilidade, a solução jurídica demanda medidas mais enérgicas e imediatas do que o simples prazo de trinta dias para reparo.
Danos Materiais: Aluguéis Provisórios e a Vedação ao Bis in Idem
Um dos pontos nevrálgicos nas ações que envolvem imóveis inabitáveis é a quantificação dos danos materiais. O princípio da restitutio in integrum exige que o patrimônio do lesado seja recomposto. Se o consumidor comprou um imóvel para moradia e este não pode ser ocupado, ele é forçado a residir em outro local, incorrendo em despesas não planejadas (danos emergentes).
Neste contexto, o pagamento de aluguéis provisórios pela construtora visa recompor o prejuízo financeiro direto. Entretanto, o advogado deve ter cautela estratégica ao formular os pedidos, especialmente à luz dos Temas 970 e 971 do STJ.
- Lucros Cessantes vs. Cláusula Penal: A jurisprudência superior firmou o entendimento de que não é possível cumular a cláusula penal compensatória (multa contratual prevista para inadimplemento total) com lucros cessantes (aluguéis que deixou de auferir ou teve que pagar).
- Estratégia Processual: O advogado deve calcular qual verba é mais vantajosa para o cliente: exigir a multa contratual (muitas vezes invertida em favor do consumidor) ou provar os prejuízos com aluguéis (lucros cessantes). Pedir ambos pode configurar bis in idem (dupla penalidade pelo mesmo fato).
Para aprofundar-se nas especificidades dessas ações e dominar as teses mais aceitas pelos tribunais, o estudo contínuo é indispensável. Uma formação sólida em Pós-Graduação em Direito Imobiliário permite ao profissional navegar com segurança entre as normas do Código Civil e o microssistema consumerista, garantindo uma atuação técnica de excelência.
A Prova da Inabitabilidade e a Produção Antecipada
A concessão de indenizações depende intrinsecamente da prova técnica. O juiz, não sendo especialista em engenharia, dependerá de laudos periciais. Embora fotos e notificações extrajudiciais sejam o ponto de partida, em casos complexos, a simples ação indenizatória pode demorar a produzir a prova necessária.
Uma estratégia jurídica refinada envolve o uso da Produção Antecipada de Provas (Art. 381 do CPC). Este procedimento autônomo permite que um perito judicial avalie o imóvel antes mesmo da propositura da ação principal. Um laudo robusto produzido nesta fase não apenas fundamenta com solidez um pedido de tutela de urgência posterior, como também pode incentivar a construtora a propor um acordo, evitando anos de litígio.
Rachaduras profundas, infiltrações que geram mofo nocivo à saúde, falhas nas instalações elétricas com risco de incêndio ou problemas estruturais que ameaçam desabamento são exemplos que demandam essa comprovação técnica rigorosa.
Tutela de Urgência e a Efetividade da Jurisdição
Dada a natureza essencial do direito à moradia, a espera pelo trânsito em julgado pode ser devastadora. O Código de Processo Civil prevê a tutela de urgência como mecanismo para mitigar os danos. Nos casos de imóvel inabitável, é plenamente cabível o pedido liminar para que a construtora custeie imediatamente a moradia provisória.
Os requisitos da probabilidade do direito e do perigo de dano se mostram presentes na impossibilidade de habitar o imóvel adquirido sem risco à integridade física. Decisões que antecipam o custeio dos aluguéis têm se tornado comuns, impondo às construtoras a obrigação de pagar as despesas de moradia até o reparo efetivo, sob pena de astreintes.
O Dano Moral e o Desvio Produtivo do Consumidor
A discussão sobre o dano moral em vícios construtivos superou a barreira do “mero dissabor”. Além da frustração do sonho da casa própria e da violação à dignidade da moradia, advogados atentos têm obtido êxito ao invocar a Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor.
Esta tese reconhece como dano indenizável o tempo vital que o consumidor desperdiça tentando resolver problemas criados pelo fornecedor — sejam horas em ligações, trocas de e-mails infrutíferas ou a necessidade de acompanhar reparos que não funcionam. O quantum indenizatório, portanto, deve refletir não apenas o abalo psíquico, mas também o desrespeito ao tempo e à vida do adquirente.
É fundamental que o advogado saiba conjugar os institutos do Direito Civil com as normas de proteção ao consumidor. Para aqueles que desejam refinar sua argumentação e compreender a fundo as responsabilidades dos fornecedores, o curso de Direito do Consumidor oferece as ferramentas dogmáticas necessárias para enfrentar teses defensivas complexas e garantir a proteção integral do cliente.
Responsabilidade Solidária e a Nuance dos Agentes Financeiros
A identificação do polo passivo exige precisão técnica. Embora o CDC preveja a solidariedade na cadeia de fornecimento, a inclusão do agente financeiro (banco) demanda cautela.
- Mero Financiador: Se o banco atuou estritamente como agente financeiro (mutuante), a jurisprudência tende a reconhecer sua ilegitimidade passiva para responder por vícios construtivos.
- Gestor/Fiscalizador: Por outro lado, se a instituição financeira atuou como agente executor de políticas públicas ou teve papel ativo na fiscalização e gerenciamento da obra (comum em alguns programas habitacionais), a solidariedade pode ser configurada.
O advogado deve analisar o contrato de financiamento detalhadamente antes de processar o banco, evitando riscos de sucumbência parcial.
Prescrição e Decadência: O “Mapa da Mina”
O regime de prazos é onde muitos profissionais falham. É vital distinguir três institutos:
- Garantia (Art. 618 CC): Prazo de 5 anos pela solidez e segurança da obra. É um prazo de garantia, não de ação.
- Decadência (CDC): Prazo para exigir o desfazimento do negócio (redibição) ou abatimento do preço. É de 90 dias para vícios aparentes, contados da entrega ou da constatação (vício oculto).
- Prescrição (Art. 205 CC): Prazo para pleitear indenização (danos materiais, reparos e danos morais). O STJ pacificou que este prazo é de 10 anos.
Portanto, mesmo que tenha decaído o direito de rescindir o contrato de forma potestativa, o consumidor mantém, por uma década, o direito de exigir que a construtora pague pelos reparos e indenize os prejuízos sofridos.
Conclusão
A condenação de construtoras em casos de inabitabilidade reflete a primazia da função social do contrato e a proteção à dignidade humana. A atuação jurídica nesses casos exige rigor técnico, celeridade processual (tutelas de urgência) e, sobretudo, estratégia na produção de provas e na formulação dos pedidos indenizatórios para evitar o bis in idem.
Para os profissionais da área, o domínio sobre a responsabilidade civil imobiliária não é apenas um diferencial competitivo, mas uma necessidade premente. A reparação deve ser completa, restaurando a situação econômica do adquirente e compensando o abalo moral e o tempo perdido.
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Insights sobre o tema
- A inabitabilidade gera presunção de prejuízo, mas a estratégia entre pedir “aluguéis” ou “multa contratual” deve ser definida caso a caso (Temas 970/971 STJ).
- A responsabilidade objetiva dispensa a prova de culpa, mas exige nexo causal robusto, idealmente comprovado via produção antecipada de provas.
- O prazo de garantia de 5 anos não limita o direito de ação indenizatória, que prescreve em 10 anos.
- A inclusão do banco no processo depende de sua atuação: mero financiador geralmente não responde por vícios da obra.
- O “Desvio Produtivo” é um argumento poderoso para majorar o dano moral, focando na perda de tempo útil do consumidor.
Perguntas e Respostas
1. Qual a diferença entre a responsabilidade do construtor e a do banco financiador?
O construtor responde objetivamente pela qualidade e segurança da obra. Já o banco, em regra, responde apenas se atuou além da concessão do crédito, participando da fiscalização, escolha da construtora ou execução do empreendimento. Se for mero agente financeiro, tende a ser parte ilegítima para vícios construtivos.
2. Posso cobrar multa contratual e aluguéis ao mesmo tempo?
Geralmente, não. O STJ (Temas 970 e 971) definiu que não é possível cumular cláusula penal compensatória (que já serve para pre-fixar perdas e danos) com lucros cessantes (aluguéis). O advogado deve optar pelo pedido que for financeiramente mais vantajoso para o cliente.
3. A construtora pode alegar “falta de manutenção” para não pagar?
Sim, esta é uma tese de defesa comum (culpa exclusiva da vítima). Por isso, a produção de prova pericial técnica é indispensável para diferenciar o que é vício de origem (construtivo) do que é desgaste natural ou falta de conservação pelo proprietário.
4. O que caracteriza a Teoria do Desvio Produtivo nestes casos?
Caracteriza-se quando o consumidor é obrigado a desperdiçar seu tempo útil — um recurso escasso e irrecuperável — para tentar resolver problemas de responsabilidade do fornecedor, como reuniões intermináveis, vistorias frustradas e falta de resposta administrativa da construtora.
5. Se o vício aparecer após 6 anos da entrega, ainda posso processar?
Sim. Embora o prazo de garantia do art. 618 do CC seja de 5 anos, o prazo prescricional para buscar indenização civil por defeitos da obra é de 10 anos (Art. 205, CC), contados a partir da ciência do defeito.
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Acesse a lei relacionada em Código Civil (Lei nº 10.406/2002)
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