A Hermenêutica Jurídica e as Fronteiras da Interpretação: Do Texto à Norma (Sem Ilusões)
A interpretação do Direito é, frequentemente, romantizada. Diz-se que o juiz deixou de ser a “boca da lei” e que evoluímos para um sistema principiológico. Contudo, a realidade forense exige uma visão mais sóbria: em 90% dos casos, a subsunção clássica e a regra escrita continuam soberanas. O grande desafio do operador do Direito contemporâneo não é apenas “criar” sentidos, mas blindar seus argumentos contra o decisionismo e o arbítrio judicial.
A hermenêutica não é um convite para o “vale-tudo” interpretativo. Pelo contrário, ela é a técnica de contenção do poder. O advogado de elite compreende que, na era do Pós-Positivismo (que não significa a morte da lei, mas sua releitura constitucional), dominar as fronteiras da interpretação é a única forma de garantir a vitória técnica, fiscalizando a racionalidade das decisões judiciais.
A Distinção entre Texto e Norma: Potencialidades e Limites
O primeiro passo para uma advocacia robusta é compreender a distinção proposta por Friedrich Müller: texto e norma não se confundem. O texto é o ponto de partida (o enunciado linguístico no código); a norma é o resultado da interpretação no caso concreto.
Isso oferece ao advogado uma margem de manobra argumentativa. Um mesmo dispositivo pode gerar normas diferentes dependendo dos fatos. Entretanto, é crucial não cair na armadilha de ignorar o limite semântico do texto. A construção da norma não ocorre no vácuo. O intérprete não pode torcer o vernáculo para dizer que “branco” é “preto”.
- Atenção Prática: Se a interpretação judicial rompe a moldura semântica do texto sem declarar sua inconstitucionalidade, não estamos diante de uma interpretação evolutiva, mas de uma usurpação legislativa. Identificar esse vício é fundamental para recursos extraordinários.
A “Ponderação” e os Riscos do Solipsismo Judicial
A hermenêutica moderna trouxe a técnica da ponderação (sopesamento), baseada nas teorias de Robert Alexy, para resolver conflitos entre princípios constitucionais. No entanto, no Brasil, essa técnica é frequentemente vulgarizada. Muitos julgadores utilizam a “ponderação” como um cheque em branco para decidir conforme sua consciência pessoal (solipsismo), ignorando o método racional exigido pela teoria.
O advogado não deve apenas aceitar a ponderação; ele deve auditá-la.
- O juiz seguiu as etapas racionais da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito?
- Ou ele apenas escolheu o princípio que lhe agradava mais e chamou isso de ponderação?
Superar o literalismo não significa abandonar a racionalidade. O método gramatical continua sendo o ponto de partida e uma barreira contra o arbítrio. O método teleológico (finalidade da norma) deve ser usado com cautela para não virar mero utilitarismo.
Ronald Dworkin e a Integridade do Direito
A discussão sobre o ativismo judicial nos leva à necessidade de constrangimento epistemológico dos tribunais. Como ensina Ronald Dworkin, o Direito deve ser visto como um “romance em cadeia”. O juiz não é um autor livre para escrever o capítulo que quiser; ele deve coerência aos capítulos anteriores (histórico jurisprudencial e legislativo).
O Direito como Integridade exige que casos semelhantes tenham tratamentos semelhantes, não por uma questão de gestão judiciária, mas por uma questão de princípio e justiça.
- Interpretação Evolutiva vs. Ativismo: A mutação constitucional (mudança de sentido sem mudança de texto) é legítima quando acompanha uma consolidação de valores sociais incontroversos. Contudo, quando o Judiciário antecipa pautas ou reescreve a Constituição sob pretexto de “moralizar” o país, rompe-se a integridade do Direito.
Precedentes, Distinguishing e Segurança Jurídica
Vivemos a era dos precedentes obrigatórios (CPC/2015). Teoricamente, isso traria previsibilidade. Na prática, a jurisprudência brasileira é instável e, por vezes, lotérica. O advogado não pode confiar cegamente que o precedente será aplicado.
A alta performance na advocacia reside na capacidade de fazer o distinguishing (distinção). Não basta citar a ementa; é preciso mergulhar na ratio decidendi (a razão de decidir) do precedente e demonstrar se ela se aplica ou não ao caso concreto.
- Defesa Técnica: Se o tribunal ignora seus próprios precedentes sem a devida justificação (overruling), a decisão é nula por falta de fundamentação (art. 489, § 1º do CPC). A hermenêutica aqui funciona como ferramenta de accountability (responsabilização) da decisão judicial.
Conclusão: A Teoria como Arma Prática
A hermenêutica jurídica não é um devaneio acadêmico; é a caixa de ferramentas mais sofisticada do jurista. O profissional que ignora a teoria corre o risco de ser um mero repetidor de verbetes, vulnerável a qualquer “drible” interpretativo do julgador.
Entender os limites de Müller, a integridade de Dworkin e os riscos da ponderação mal feita separa o advogado que apenas peticiona daquele que constrói teses vencedoras e respeitadas pelos tribunais superiores. Em um cenário de insegurança jurídica, a densidade teórica é a maior vantagem competitiva que você pode ter.
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Insights Estratégicos
- O Texto é o Limite: A interpretação criativa encontra sua barreira na moldura semântica do texto. Passar disso é legislar, não julgar.
- Auditoria da Ponderação: Não aceite a “ponderação de interesses” como mágica. Exija a demonstração racional de por que um princípio afastou o outro.
- Integridade Dworkiniana: Use o dever de coerência (integridade) para constranger o juiz a seguir a história institucional do Direito, evitando decisões solipsistas.
- Distinguishing é Poder: Em um sistema de precedentes, saber diferenciar o caso concreto da regra vinculante é mais valioso do que apenas conhecer a regra.
- Fundamentação não é Retórica: Decisões que não enfrentam os argumentos capazes de infirmar a conclusão não são fundamentadas; são nulas.
Perguntas e Respostas Fundamentais
1. O Positivismo Jurídico foi realmente superado?
Não completamente. O positivismo exegético (“boca da lei”) do século XIX foi superado. Mas o Positivismo Normativista (Kelsen/Hart), que valoriza a autoridade da norma escrita e reconhece a discricionariedade, ainda é a base do nosso sistema. Dizer que “superamos o positivismo” pode levar o advogado ao erro de achar que a lei não importa mais, o que é fatal na prática forense.
2. Qual o risco da “ponderação” de princípios feita de forma incorreta?
O risco é o “decisionismo” ou solipsismo judicial. O juiz decide primeiro o resultado que quer (baseado em convicções pessoais) e depois usa a ponderação apenas como verniz retórico para justificar a escolha, sem critério técnico. Isso destrói a segurança jurídica.
3. Como diferenciar Mutação Constitucional de Ativismo Judicial abusivo?
A mutação altera o sentido da norma para adequá-la a uma nova realidade fática incontroversa, mantendo a integridade do sistema. O ativismo abusivo ocorre quando o tribunal impõe sua própria visão moral ou política contra o texto expresso da Constituição, substituindo o legislador eleito.
4. O que fazer quando o juiz decide contra a prova dos autos invocando “princípios”?
Isso é um erro de hermenêutica. Princípios não servem para ignorar fatos ou provas. O advogado deve recorrer alegando nulidade por falta de fundamentação (decisionismo), demonstrando que a aplicação principiológica não pode revogar a realidade fática do processo (standards probatórios).
5. Por que a distinção entre Texto e Norma é vital para a advocacia?
Porque ela impede o “fetiche da literalidade”. O advogado entende que a norma é construída. Isso permite, por exemplo, defender que uma lei, embora vigente no texto, não incide no caso concreto por falta de adequação constitucional ou fática, ou, inversamente, extrair direitos implícitos que o texto não prevê expressamente, mas que o sistema comporta.
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Acesse a lei relacionada em Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015)
Este artigo teve a curadoria da equipe da Legale Educacional e foi escrito utilizando inteligência artificial a partir do seu conteúdo original disponível em https://www.conjur.com.br/2025-dez-07/daniel-2-e-a-extensao-e-os-limites-da-interpretacao-do-mundo/.